
Uma das áreas mais afetadas pelas enchentes do ano passado, o bairro Sarandi, na Zona Norte de Porto Alegre, vive novamente o drama e o receio de uma nova inundação. Apesar de o dique ainda suportar alguns metros de elevação do nível do Guaíba, o movimento de moradores no local foi intenso na segunda-feira (23), com pessoas subindo na estrutura para acompanhar a situação de perto.
A preocupação da comunidade aumentou nas últimas horas, com a elevação do Guaíba e o extravasamento em diversos locais por conta do vento no início da tarde, quando superou os 2,80 metros, conforme medição no Cais Mauá. Mesmo abaixo da cota de inundação, a lembrança do trauma recente mantém a tensão.
O aposentado Mario Rogério de Freitas, de 60 anos, foi um dos moradores que foram até o dique durante a tarde. Apesar de ainda acreditar estar protegido, por morar logo abaixo do talude ele acompanhou de perto cada variação do nível da água. “A impressão que tenho é que subiu uns 15 centímetros de domingo para segunda-feira. O povo está vindo bastante olhar aqui de cima”, conta.
Por conta da grande enchente do ano passado, Freitas relata que passou mais de um ano fora de casa e voltou apenas com o encerramento dos abrigos municipais. Atualmente, é um dos poucos moradores que se mantém na rua Aderbal Rocha de Fraga. “A maior parte dos moradores já comprou casa ou apartamento pelo programa Compra Assistida. Eu mesmo estou esperando minha casa no Passo das Pedras, mas está muito demorado por conta da burocracia”, lamenta.
Segundo ele, enquanto espera para poder ir para a nova casa, o sono não vem fácil diante da incerteza e dos prognósticos de elevação dos rios nos próximos dias. “Estamos acompanhando a situação toda hora, conferindo se o rio (Gravataí) está subindo. Não conseguimos dormir direito”, resume.
Em situação ainda mais delicada está Eri Francisco Costa Israel, de 75 anos, que vive com a esposa e o enteado em uma das casas localizadas dentro da área do dique e vê a água chegar a poucos centímetros do piso. “Não temos condições de sair daqui. Quem ganha salário mínimo não tem como pagar aluguel e comer. O mínimo que achamos de aluguel R$ 700. Não tem como pagar isso e comprar comida”, afirma.
Por precaução, ele e a esposa elevaram colchões e móveis sobre armários e deixaram roupas separadas para uma saída rápida, caso seja necessário. Entretanto, o receio fica de perder o pouco que conseguiu reconquistar desde o ano passado. “Depois da enchente nós ficamos alguns meses em abrigos, mas tivemos que voltar porque não tínhamos para onde ir. Meus móveis, eu mesmo fiz. Não tenho dinheiro para comprar de novo”, diz.
Mesmo resignado, não esconde o medo: “Se o rio encher, não tem jeito, teremos que sair. Mas ir para onde? Não tem dinheiro nem para um aluguel. Por mim, eu já tinha saído há um ano, mas ainda não tenho como”, conclui.
Fonte: Guilherme Sperafico / Correio do Povo