O ataque hacker aos sistemas informatizados envolvidos nas operações do Pix na última semana levou ao desvio estimado de R$ 800 milhões e trouxe à tona divergências que envolvem a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 65/2023, comumente chamada de “PEC da autonomia do Banco Central”. A proposta, para conceder autonomia financeira e orçamentária à instituição, hoje autarquia federal, altera a sua natureza jurídica para corporação financeira de direito privado.
Houve quem tenha se apressado em levantar suspeitas sobre a higidez dos sistemas do BC e dos procedimentos por ele efetuados, apontando como causas das supostas fragilidades a falta de recursos financeiros e de pessoal enfrentadas pela autarquia. A aprovação da PEC 65/2023, para seus defensores, constituiria condição sine qua non para incrementar a segurança do Pix, a qual hipoteticamente estaria em risco.
Acontece que a C&M Software, envolvida indiretamente na operação, já admitiu que o ataque foi efetuado às suas próprias infraestruturas, através de credenciais de clientes seus, o que permitiu aos criminosos acessar indevidamente informações e contas de reserva de instituições financeiras. A C&M é uma das empresas, homologadas pelo BC, para atuar na mensageria para pequenas e médias instituições financeiras, servindo de ponte entre elas e os sistemas PIX. Desta forma, ela presta serviços a instituições que não apresentam a estrutura exigida pelo BC para operar diretamente no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SBP). O ataque permanece sob investigação da Polícia Federal, e o primeiro suspeito já foi preso.
ATAQUES
Ataques de hackers estão cada vez mais frequentes. Segundo o Security Report 2025 da Check Point Software, em 2024, as empresas registraram uma média de 1.673 ciberataques semanais em nível global, e apenas o setor financeiro sofreu 1.510 incidentes por empresa por semana durante o mesmo ano, representando um aumento de 30% em relação a 2023. Nos últimos seis meses (setembro 2024 a fevereiro 2025), o setor financeiro no Brasil registrou 1.752 ciberataques semanais por organização.
Os dirigentes das seções regionais de Porto Alegre (RS) Fernanda Nedwed e de Brasília (DF) Edna Velho, do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (SINAL), ressaltam que restrições financeiras e de pessoal não impedem os servidores de exercer sua função com responsabilidade e rigor, exigindo das instituições o cumprimento de quesitos robustos o suficiente para conferir qualidade e segurança nos serviços prestados aos cidadãos. Edna Velho destaca que “o Pix é reconhecido internacionalmente e que vem sendo estudado por bancos centrais estrangeiros, a fim de implantar solução semelhante em seus países.”
“Diferentemente daqueles que entendem que o evento criminoso deu-se em razão da falta de recursos por parte do Banco Central e enxergam a PEC 65/2023 como única medida resolutiva, como representante da categoria de servidores discordamos. Essas alegações são considera temerárias pois, ao se tornar uma corporação de direito privado, o Banco Central passará a adotar uma visão empresarial, o que pode prejudicar sua atuação enquanto executor de políticas públicas”, comenta Edna.
A PEC 65 deve ser entendida como um passo à desestatização da autoridade monetária. Em relação ao PIX, a lógica de mercado imposta tende a levar à cobrança de taxas, tirando do serviço seu enorme poder de inclusão financeira. Além disso, a PEC poderia abrir flancos à concessão da gestão do Pix e das reservas internacionais ao setor privado.
“Com a reforma proposta pela PEC 65/2023, os servidores passarão a ser funcionários regidos pela CLT e perderão as garantias constitucionais de estabilidade no cargo, podendo ser substituídos por recursos humanos menos custosos. Isso acarreta a fragilização do Estado Brasileiro, tornando-o mais suscetível a pressões indevidas e à perda de qualidade. Assim, a PEC 65/2023 representa uma ameaça às conquistas em inclusão financeira alcançadas por meio do Pix”, diz Fernanda.
Os sindicalistas também explicam que o Banco Central, como entidade de direito privado, perderá sua supremacia em relação aos seus fiscalizados, trazendo riscos à legitimidade jurídica de sua atuação. Suas funções de regulação, fiscalização e resolução poderão ser seriamente prejudicadas.
Os servidores do Banco Central entendem que maior autonomia financeira e orçamentária é bem-vinda, entretanto, são contrários à forma como se pretende concedê-la, dado que traz consigo riscos relevantes que não compensam os potenciais benefícios. “A PEC 65 é uma escolha imprudente, e há outros caminhos, bem menos aventureiros, a se trilhar”, comenta a dirigente sindical Fernanda.