O pacote anticrime, sancionado há exato um ano nesta quinta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, ainda vai demorar para produzir algumas modificações como o veto a “saidinhas” a parte dos presos. Em razão das regras estabelecidas, esse tipo de restrição deverá começar a acontecer apenas a partir de 2026.
A lei veta a saída temporária para quem cometer crime hediondo com vítima fatal, como homicídio qualificado, roubo seguido de morte etc. Segundo criminalistas ouvidos pelo R7, a regra só vale, no entanto, para casos ocorridos após o pacote anticrime entrar em vigor, em janeiro de 2020, já que a lei não retroage para tornar mais rígidas as regras a pessoas condenadas anteriormente.
O benefício da “saidinha” vale apenas para presos do regime semiaberto, com a ideia de que possam recomeçar a ressocialização. Os réus condenados por crimes hediondos, porém, pagam os primeiros anos da pena obrigatoriamente em regime fechado, o que ajuda a explicar por que o veto à “saidinha” não está ocorrendo ainda.
O advogado criminalista Gustavo Forte, sócio da Castelo Branco Advogados, cita o exemplo de um crime de homicídio qualificado ocorrido em fevereiro de 2020 e que tenha sido julgado rapidamente. A pena mínima prevista para o crime é de 12 anos de reclusão. Com a nova lei, a progressão para o regime semiaberto para condenados primários somente ocorre após 50% do cumprimento da pena.
“Portanto, nesse caso, o condenado pela pena mínima teria direito ao regime semiaberto depois de 6 anos de cumprimento de pena. Como somente no regime semiaberto há a hipótese de saída temporária, a sua vedação para crimes hediondos com resultado morte dificilmente será aplicada antes de 2026”, afirma.
Outros crimes hediondos preveem penas ainda maiores. É o caso do latrocínio, o roubo seguido de morte, com pena mínima de 20 anos. Neste final de ano, quando a lei ainda não produz nenhuma restrição, deixaram as prisões no estado de São Paulo 31.114 presos, segundo a Secretaria da Administração Penitenciária.
Pacote Anticrime
A regra que acaba com as “saidinhas” a parte dos presos foi incluída no pacote anticrime feito por um grupo de trabalho formado por deputados federais em 2019, aproveitando parte das sugestões de um projeto do ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, e de outro projeto elaborado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). O texto recebeu ainda sugestões dos parlamentares.
Para o jurista Alamiro Velludo Netto, a Lei de Execução Penal tem natureza de direito material, o que significa que retroage só quando é mais benéfica. “Só vai ficar proibido de ter a saída temporária aquele sujeito que cometer o crime após a nova lei entrar em vigor”, diz.
O professor de direito da USP Maurício Zanoide afirma que o princípio que impede o fim das saidinhas para os presos atuais está no artigo 5º da Constituição, que detalha “direitos e garantias fundamentais” e diz que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Ele diz que há uma explicação lógica para isso, que é a ideia de que as pessoas precisam saber a quais penas estão sujeitas quando assumem o risco de cometer um crime. “As pessoas assumem o risco e a responsabilidade por seus atos com base nas regras vigentes. Você precisa saber as regras do jogo antes para assumir esse risco”, afirma.
Dessa forma, presos por homicídios de grande repercussão ocorridos no passado e que deixam há anos o sistema carcerário durante feriados continuarão tendo o benefício. São os casos de Suzane von Richthofen, presa desde 2006 por mandar matar os pais e que usufrui das saídas temporárias desde 2016; de Alexandre Nardoni, preso em 2008 pelo assassinato da filha Isabella, e que deixou a prisão pela primeira vez no Dia dos Pais em 2019; e de Elize Matsunaga, condenada por matar o marido Marcos Matsunaga em 2012 e que saiu também no último ano pela primeira vez, no Dia das Crianças.