Moradores da Pousada Garoa, na avenida Farrapos, em Porto Alegre, que presenciaram o incêndio no local na madrugada desta sexta-feira, relataram momentos de pânico e desespero. Natalícia Pereira da Luz morava desde o começo de abril nesta unidade do estabelecimento. Vinda de Santo Ângelo, nas Missões, para tentar uma nova vida em Porto Alegre, a aposentada não tem parentes, apenas amigos, alguns dos quais morreram no incêndio.
Ela pagava R$ 550 mensais para se hospedar no edifício agora destruído. “Eu estava dormindo, e acordei para atender o telefone, mas não era ninguém. Botei ele ao lado da cama e voltei a dormir. Acordei de novo quando vi aquelas chamas por cima do meu quarto”, contou ela. Natalícia contou que “deu um pulo”, e somente teve tempo de pegar uma bolsa com documentos e uma sacola contendo algumas roupas.
“Meu celular queimou, outros objetos queimaram também. Saí de pé no chão. Alguém na rua me deu um calçado”, relatou. Ela morava no apartamento 34, no térreo, junto a portaria. “O porteiro gritou, pediu para as pessoas saírem. Eu nunca havia passado por isso, mas meu pai sempre me dizia: ‘Minha filha, com fogo você tem que ser rápida e ágil’. Na hora lembrei dele”, acrescentou. Ela não se feriu, e também não quis ser levada ao hospital. “Graças a Deus, não fui prejudicada”.
“Prefeitura nunca veio aqui. Era virado em lixo e baratas”, diz outro morador
Já Jorge Antônio Ferreira, 62 anos, contou que percebeu o fogo logo no início, se desesperou e chamou a esposa, Juliana Silva Dias, 43, para fora do estabelecimento. As chamas causaram a morte de dez pessoas. Ambos estavam em um edifício anexo ao incendiado, que também faz parte da Garoa.
“Escutei uns estalos e disse para minha esposa que tinha alguma coisa acontecendo. Tenho problemas de visão e não estava escutando nada também. Gritei para o povo que o prédio estava pegando fogo. Uma pessoa se atirou lá de cima. Foi uma tristeza, não gosto nem de lembrar”, relatou ele. Jorge, então, retornou para buscar Juliana. “Quando eu vi, era fogo para todo o lado. Depois não vimos mais nada”, relatou a mulher.
Juliana pagava R$ 550 por mês para morar na Garoa incendiada, enquanto Jorge estava pelo programa Ação Rua, da Prefeitura de Porto Alegre. Questionado sobre a declaração do secretário Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), Léo Voigt, de que a pasta fazia vistorias, o morador negou. “Nunca teve ninguém, nem a Prefeitura. Isto aqui era virado em lixo e baratas. Comida, a gente perdia tudo. Colocava na parede, as baratas vinham. De noite, não dá para dormir”, acrescentou Ferreira.
Ele disse ainda que estava coberto de feridas no corpo, em razão da presença dos insetos. Quanto ao proprietário do local, o morador disse que nunca o havia visto. “Uma vez por mês só vinha alguém fazer faxina. A gente andava no meio do lixo. Tinha porteiro somente para bonito”, falou. O casal, que morava havia cerca de um mês no local, conseguiu resgatar itens, como roupas e documentos, e irão se mudar para outra unidade da Garoa, mais adiante na mesma via. “Não temos muito o que fazer”, afirmou Ferreira.