Cadeia produtiva da carne bovina projeta perspectivas para o próximo ano

O painel sobre “Perspectivas Agropecuárias para 2024” promovido pelo Instituto Desenvolve Pecuária reuniu nesta sexta-feira, primeiro de dezembro, importantes nomes ligados ao tema que abordaram temas envolvendo a pecuária gaúcha, gestão e o agronegócio brasileiro. O presidente da entidade, Luis Felipe Barros, abriu o evento realizado no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre, destacando que de forma inédita estiveram reunidos pecuaristas e o estado, por meio da presença da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi).

Barros lembrou que o preço da carne em agosto registrou uma queda de 50% na comparação com o ano passado e que mais de 53% da carne consumida no estado veio de fora, conforme dados do NESPro/Ufrgs. “Quando a gente pensou em falar em perspectivas para o próximo ano, tínhamos muitos boatos. Nosso objetivo é sair da boataria e apresentar pessoas que tragam elementos fidedignos para que possamos posicionar o nosso negócio. Estávamos ávidos em ouvir o Frigorífico Minerva e os planos do governo gaúcho para a pecuária”, afirmou.

O primeiro painelista, Antônio Carlos Ferreira, representando a Seapi, trouxe uma “Perspectiva da Pecuária do Rio Grande do Sul na visão do Governo do Estado”. Disse que não tem mais ciúmes do Uruguai ou da Argentina porque o Rio Grande do Sul tem um gado de excelência em genética. Destacou que o trabalho com a academia precisa ser enaltecido, pois dá embasamento técnico para as decisões que precisam ser tomadas pelo governo e pelos produtores. Citou que a secretaria possui convênio com a Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. “Isso tem nos trazido uma condição diferenciada no momento em que outros países, como o Chile, vem ao nosso estado fazer auditoria . Fomos o único estado habilitado para exportação àquele país. Tivemos mais de seis países nos visitando”, informou. Conforme Ferreira, para os próximos anos, a sustentabilidade, a sanidade animal e um sistema de controle de estoque adequado, serão ferramentas que irão impulsionar o setor junto a outros países.

Na sequência, quem falou foi Marcelo Cabrera, engenheiro agrônomo do Minerva Foods no Uruguai, e tratou sobre o “Minerva junto ao produtor, uma aliança de muitos anos”. Ele iniciou a sua palestra colocando que o modo de trabalho do Minerva é fazer com que todos possam pensar o mesmo em busca do desenvolvimento da cadeia da carne. Comparou o seu país ao Rio Grande do Sul, tanto em dimensões de território quanto em quantidade de cabeças nos rebanhos. Também destacou que o Uruguai tem um consumo interno de 20% e que 80% da carne é exportada. “Somos dependentes da exportação para mais de 50 países. Temos acesso aos principais mercados”, afirmou.

De acordo com Cabrera, em um país que tem mais plantas frigoríficas do que produtores, é essencial tomar como pilar o trabalho conjunto com os produtores. E, para isso, o representante da empresa que está entrando no estado, disse que o essencial foi a troca de informação com transparência, a capacitação de produtores e a ampliação do uso da tecnologia. “A sequência do trabalho foi o desenvolvimento de planos de apoio à produção”, observou, dizendo que foi importante trabalhar os nichos de mercado, como os voltados para pegada de carbono e de sustentabilidade, “pois a forma de agregar valor é olhar o que o consumidor deseja”.

Em 20 anos de existência, o Minerva desenvolveu 4,7 mil planos de trabalho e investiu 70 milhões de dólares em projetos como os de desenvolvimento de pastagens, pontuou o engenheiro agrônomo. Depois disso, segundo ele, houve a aquisição de 4 mil touros e melhoramento em genética. “Os projetos iniciaram em 2004, após a aquisição do Pull. E trabalhamos com produtores que se sentiam tão donos do negócio como nós”, afirmou.

Sobre sustentabilidade, Cabrera ressaltou que o nicho que o Minerva domina no Uruguai é o de certificação pegada de carbono e criação de gado a pasto. “Hoje, quem come carne tem consciência do que essa carne acarreta. Por isso, precisamos ter certificados para que o consumidor tenha tranquilidade sobre a carne que está sendo oferecida”, defendeu, colocando que os clientes querem saber como foi criada a vaca, o que come, como foi tratada. “Nosso programa orgânico se multiplicou por cinco. Iniciamos projeto piloto de medição de pegada de carbono em 2021. Para 2024, queremos ter 300 prédios com medição de pegada de carbono e gerar créditos de carbono”, enfatizou.

Marcelo Cabrera também disse que é possível, com regras claras e informações acessíveis, gerar uma relação de compromisso e fidelização entre indústria e produtor. E finalizou alertando que o consumidor europeu não quer saber de marmoreio, mas sim qual Europa deixará para seus filhos e netos.

Alex Lopes, do Minerva Foods Brasil, gerente de estratégia de compra de gado para toda a América Latina. deu continuidade à palestra abordando o tema “Gestão de riscos produtivos e de preços aplicados aos novos desafios da pecuária”. Iniciou destacando que hoje não se consegue vender carne se não for um gado criado com foco na sustentabilidade e que clientes da Europa querem que até 2030 possam ver rastreabilidade total do produto. Salientou que o mercado, além da sustentabilidade, exige que o produtor entregue um gado cada vez mais jovem.

Lopes apresentou uma série histórica do mercado paulista para falar sobre cria, recria e engorda, mostrando que em alguns anos atrás foi possível trocar um boi gordo por cinco terneiros, mas que isso não voltará a acontecer. “O bezerro está ficando cada vez mais caro. Quem repôs em 2022, tem que fazer girar logo o estoque, afirmou garantindo que quanto mais caro o produto, mais tempo ele fica na fazenda e maior é o prejuízo”.  Disse, ainda, que uma das grandes mudanças na pecuária no Brasil foi o surgimento do conceito “boi China”, pela ótica dos preços melhores, e aprimorou a fazenda porque foram entregues bezerros cada vez mais jovens. Lopes também falou que há menos animais sendo repostos e maior dificuldade para girar o rebanho. E alertou que não adianta fazer tudo certo e ser impossibilitado por questões de sustentabilidade. “Não quer vender para a Europa porque é exigente? Vamos ver quem rói a corda primeiro”, perguntou.

Ao dizer que é preciso manter o olhar no cenário econômico global, Alex Lopes destacou que o mercado chinês, que pode chegar a comprar 90% da carne gaúcha exportada, é o pior cenário para ser lido e estimar se o preço vai subir ou descer. “Se a gente ficar torcendo por preço ou para a China, vamos tomar decisões erradas, sentados sobre milhares de reais imobilizados”, alertou. Ainda destacou que hoje o produtor possui risco de preços, de mercado, de custo, de estoque e produtivo. “Gestão de bolsa reduz os três primeiros.  Aumentar o giro do rebanho reduz o risco de estoque. Já apostar em mais tecnologia, reduz o risco produtivo”, indicou o consultor.

Sobre o futuro, Lopes contou que a estimativa interna do Minerva para 2024 é de que o Brasil aumente o consumo em torno de 2,5%. Também disse acreditar que 2025 será um ano de alta no ciclo pecuário, após a estabilização do preço em 2024. Com relação ao cenário atual, ele apresentou dados que indicam que há um deságio de 40% em relação ao preço para o produtor no Rio Grande do Sul hoje, e lembrou que  o clima seguirá com chuva acima do normal até a metade de 2024.

O professor Júlio Barcellos, do NESPro/Ufrgs, apresentou sua visão sobre o futuro, com base nos dados estudados pela universidade, ao abordar as “Perspectivas da pecuária gaúcha em 2024”.  Ao falar sobre matriz de custos, comparou os dados de 1990 e os atuais. Ressaltou que, apesar do boi ser o mesmo, “hoje temos custos que incluem uma parafernália digital, internet, que nem sempre têm a ver com o gado”. Na sequência, contou que o Rio Grande do Sul tem o menor nível de abate dos últimos quatro anos em consequência da entrada de carne de outros lugares. Indicou que apesar do grande número de abate de vacas, o “efeito” China gerou o abate de boi mais jovem.

Para o professor, o ciclo pecuário por si só já aponta uma reversão na crise de preços. Colocou que uma organização produtiva como o Desenvolve Pecuária pode ajudar quando uma compra conjunta resultar em um melhor custo de produção. “É fácil falar sobre o imaginável, mas precisamos melhorar o processo de como fazer”, disse Barcellos. Ele ainda fez um alerta com base em estudo feito no Paraguai: “quem derruba o preço é a oferta, não a demanda”.

Para o próximo ano, Barcelos estimou que a entressafra será maior, pois houve alteração na época do plantio da soja e as pastagens de inverno serão mais tardias. Com isso, ele estima que o preço não subirá tanto quanto o desejado. Alertou, também, que a carne vinda de fora interfere na formação de preços.

O encerramento do painel foi feito pelo ex-ministro da Agricultura, Antônio Cabrera, falando sobre as “Perspectivas do agro brasileiro para 2024”. Disse que para olhar para o futuro, é preciso olhar para o passado, e o importante é focar em liberdade. Lembrou que quando assumiu o ministério, precisou lidar com o problema da importação de uma carne contaminada, a “carne de Chernobyl”. “Também havia endurecimento junto ao pecuarista com o confisco de carne. Naquela época, tivemos profundas reformas na agricultura. O Brasil saiu de importador a exportador de carne”, recordou. O ex-ministro foi aplaudido ao dizer que o maior inimigo hoje do agro é o estado.

Ao falar sobre a importância de comunicar e contar melhor a história do agro nacional, Cabrera mostrou uma embalagem de um lanche comprado no Canadá onde estava impressa a frase dizendo que o produto foi possível de ser feito “graças aos criadores de frango”. “Temos que falar que para você mandar comida para quase 240 países, é preciso ter muita tecnologia como nos telefones que eles idolatram”, ensinou.  Ele também mostrou a diferença de tributação entre o café moído na Alemanha, que não é produtor, de 7%, ao contrário do café adquirido no Brasil, 31%.

Antônio Cabrera disse que uma possível solução para contar a história do agro brasileiro seria procurar o consumidor europeu. Observou, ainda, que França e Itália mudaram o nome do Ministério da Agricultura para Ministério da Soberania Alimentar. “Agricultura é comida no prato”, afirmou o ex-Ministro. E concluiu dizendo que o Brasil vale a pena.