Em meio a muitas polêmicas, articulações pela conquista de votos e pressões diversas sobre parlamentares, vai a votação nesta terça-feira na Assembleia Legislativa o projeto de lei complementar (PLC) 259/2023, que trata das mudanças no IPE Saúde. O texto altera duas leis complementares, a 12.066, de 2004, que discorre sobre o Fundo de Assistência à Saúde (FAS), e a 15.145, de 2018, que organizou o Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do RS, o próprio IPE Saúde, após o desmembramento do antigo Ipergs, com a separação entre a assistência à saúde e a previdência. Enviado em regime de urgência ao Parlamento pelo Executivo, o PLC 259 tranca a pauta de votações em caso de não ser apreciado em plenário.
Na Assembleia e seu entorno as mobilizações devem começar cedo, mesmo que a votação esteja marcada para às 14h. Os articuladores do governo trabalham para garantir maioria, mesmo que ela não seja folgada. Manobras regimentais e pontos que geram as maiores resistências estão no cardápio de negociação. Oposicionistas e integrantes de entidades que representam diferentes categorias de servidores prometem intensificar a pressão na tentativa de virar votos. Haverá manifestações na Praça da Matriz desde a parte da manhã e a evolução de expedientes judiciais também está no radar.
Entenda os pontos que travam o projeto:
- Percentual de desconto nos salários dos servidores. O projeto prevê um aumento do percentual de contribuição dos titulares do IPE Saúde, dos atuais 3,1% para 3,6% do vencimento bruto mensal. A contrapartida dos Poderes e órgãos do Estado, da administração direta, autarquias e fundações de direito público também será elevada de 3,1% para 3,6%. A proposta, contudo, traz uma inovação: uma tabela de limite de valor de contribuição por titular, dividida em 10 faixas etárias. Ao titular, é aplicado o que for mais vantajoso: ou o valor constante na tabela, ou os 3,6%. As críticas à mudança ocorrem porque ela resultará na diminuição da mensalidade de servidores mais jovens e com maiores salários, e aumentará a de servidores com salários menores e mais idade. Além disso, para estas últimas parcelas do funcionalismo, na prática, em função do aumento do desconto, haverá queda do rendimento líquido. A mudança ocorre em um contexto no qual, nos últimos oito anos, os servidores tiveram uma revisão geral de salários, de 6%, no ano passado, enquanto a inflação medida pelo IPCA foi de 64%.
- Cobrança de mensalidade de todos os dependentes. É um dos pontos centrais do projeto, atinge principalmente dependentes cônjuges, e gera as maiores resistências. No sistema atual, netos, menores sob guarda, tutelados e filhos maiores de 24 anos ou maiores de 18 que não sejam estudantes participam do sistema via Plano de Assistência Complementar (PAC), no qual já pagam mensalidade. Mas filhos menores de 18 ou 24 e cônjuges, independente da faixa etária, não. No projeto do Executivo há uma tabela que estabelece a cobrança por faixa etária dos dependentes. A cobrança varia de R$ 49,28 a R$ 439,16 e há uma trava limite de 12%, de forma que a soma das mensalidades do titular e dos dependentes não ultrapasse 12% do salário bruto do titular. De novo, a crítica é por diminuição no rendimento líquido e, ainda, pela diferença entre o percentual de desconto do servidor, que pode chegar a 12%, e a contrapartida do respectivo Poder ou órgão, que fica congelada em 3,6%.
- Não há previsão de reajuste das tabelas de honorários e serviços médicos ou em procedimentos gerenciados e diárias globais. O artigo 30 do texto prevê a elevação da coparticipação do usuário com consultas, exames complementares, serviços ou procedimentos. Hoje este percentual é de 40%. Passará a até 50%. Apesar disto, não há, no projeto, referência a percentuais de reajuste nas tabelas de honorários e serviços médicos ou ao ajuste nos controles de procedimentos gerenciados e diárias globais. Os baixos valores pagos por consultas e parte dos serviços são apontados como um dos fatores de queixas frequentes de usuários sobre dificuldade de encontrar profissionais cadastrados para atendimentos no curto prazo. Mas, também, há apontamentos da Cage sobre prejuízo financeiro e deficiência nos controles dos procedimentos gerenciados e diárias globais (os chamados pacotes) adotados pelo IPE Saúde. Neles, a remuneração do prestador é em valores globais, ao contrário do modelo tradicional, chamado de conta aberta. A ausência destes pontos na proposta aumentou a desconfiança entre categorias de servidores. O receio é de que o governo possa estar fazendo um ajuste de caixa no qual não exista margem para elevar valores pagos por consultas e parte dos serviços médicos.
- Ausência de previsão do recebimento de créditos em favor do IPE Saúde. O texto não trata da falta de repasse da receita de contribuição para assistência médica (parte servidor e parte patronal respectiva) dos valores incidentes sobre sequestros judiciais relativos a RPVs e precatórios regularizados. Em valores corrigidos até dezembro de 2021, o montante alcança R$ 356,6 milhões. Também não há previsão de pagamento de valores referentes aos 444 imóveis que foram repassados do IPE para o Estado. Do total de imóveis, conforme dados de dezembro do ano passado, 210 não possuem avaliação. Os 234 avaliados alcançaram valor patrimonial de R$ 163,3 milhões, mas 91 deles têm laudos anteriores a 2017. Entre todos, 39 já foram alienados, gerando R$ 32 milhões. A lei que estabeleceu a transferência também estipulou que o Estado cubra déficits do IPE até o limite de avaliação dos imóveis. Há questionamentos ainda sobre informações atualizadas sobre paritárias de pensionistas.
- Aumento automático de mensalidades sem necessidade de lei. O texto prevê que os valores constantes das tabelas que tratam das mensalidades tanto para titulares como para dependentes poderão ser corrigidos, periodicamente, “de acordo com a variação de custos do plano de saúde”, de modo a “manter o seu equilíbrio financeiro e atuarial”, mediante ato do chefe do Executivo, e sendo ouvidas a diretoria e o Conselho de Administração do IPE Saúde. A medida é mais uma inovação em relação a como o sistema funciona hoje. Primeiro, ao defini-lo como um plano e não um sistema de saúde. Mas, principalmente, ao prever reajustes automáticos e com prazos e percentuais em aberto, sem sugerir índices de correção de referência e dispensando a necessidade de lei para a alteração dos valores.