Fiocruz detecta alterações inéditas em variantes que circulam no país

Achado mostra que linhagens brasileiras estão seguindo mesmo caminho evolutivo das 'variantes de preocupação'

Foto: Alina Souza / CP Memória

Cientistas da Rede Genômica Fiocruz divulgaram nesta terça-feira (23) que identificaram alterações na estrutura da proteína Spike do vírus Sars-CoV-2 em circulação no Brasil. A proteína Spike é associada à capacidade de entrada do vírus nas células humanas e é um dos principais alvos dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo organismo para bloquear o vírus.

“A pandemia este ano, no país, será provavelmente dominada por esse novo e complexo conjunto de variantes”, afirmou o pesquisador Tiago Gräf, do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-Bahia), por meio de nota.

Pela primeira vez, foi observado que as linhagens brasileiras estão seguindo o mesmo caminho evolutivo das demais “variantes de preocupação”, como as cepas da África do Sul e do Reino Unido. “As mutações agora alcançaram outro importante ponto da proteína viral, o domínio NTD, que é reconhecido por alguns anticorpos neutralizantes específicos”, apontou Gabriel Wallau, que integra o Núcleo de Bioinformática da Rede Genômica e é pesquisador do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-Pernambuco), também em nota.

Onze sequências genéticas apresentaram deleções na região inicial da proteína e em quatro ocorreu inserção de alguns aminoácidos.

Os resultados foram obtidos a partir de sequenciamento genético de amostras de pacientes de sete estados: Amazonas, Bahia, Maranhão, Paraná, Rondônia, Minas Gerais e Alagoas. Uma amostra coletada no Amazonas apresentou deleção em sequência genética ligada à linhagem B.1.1.28. Quatro amostras da Bahia, duas de Alagoas e uma do Paraná apresentaram perdas em sequências caracterizadas como linhagem P.1. Uma amostra de Minas Gerais apresentou a alteração na linhagem P.2. Duas amostras do Maranhão apresentaram a deleção na linhagem B.1.1.33, que também continham a mutação E484K.

Três amostras do Amazonas e uma do Paraná continham inserção de material genético em sequências provenientes da linhagem B.1.1.28 (P.1-like) – assim denominada por ser muito semelhante à P.1. Uma amostra coletada no Paraná e todas na Bahia e em Alagoas são de pacientes provenientes do estado do Amazonas ou com histórico de viagem à região. Os resultados foram publicados na plataforma de pré-print MedRxiv.

“O novo coronavírus está continuamente se adaptando e, com isso, propiciando o surgimento de novas variantes de preocupação e de interesse com alterações na proteína Spike. No entanto, vale ressaltar que as novas mutações foram, até o momento, detectadas em baixa frequência, apesar de encontradas em diferentes estados. Ainda precisamos dimensionar o impacto deste achado e, sem dúvidas, ampliar cada vez mais o monitoramento genômico”, ressaltou a virologista Paola Cristina Resende, do mesmo Laboratório, que atua como coordenadora da curadoria da plataforma genômica internacional GISAID no Brasil.

Segundo os cientistas, a acumulação em sequência de mutações observadas em território nacional muito se assemelha ao padrão observado na África do Sul, onde a variante de preocupação B.1.351 adquiriu primeiro as mutações no domínio RBD (E484K e N501Y) e, posteriormente, apresentou uma deleção no domínio NTD. “Esta nova geração de variantes pode ser menos susceptível à neutralização dos anticorpos que suas linhagens parentais P.1, P. 2 e B.1.1.33. A

Os pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz alertam que os achados destacam a necessidade urgente de ampliação da vacinação e de implementação de medidas farmacológicas eficazes, visando a mitigação da transmissão comunitária e o surgimento de variantes mais transmissíveis. Eles também apontam o investimento na vigilância genômica e em estudos de eficácia das vacinas para as novas variantes como medidas fundamentais.

A pesquisa foi realizada pela Rede Genômica Fiocruz, com participação de pesquisadores de diversos estados do país. O estudo foi liderado pelos Laboratórios de Vírus Respiratório e do Sarampo e de Aids e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz, Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-Bahia), Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz-Amazônia), Instituto Aggeu Magalhaes (Fiocruz-Pernambuco) e Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).