Infectologista relata sistema “à beira de colapso” com população “egoísta dando de ombros” no RS

Médico do Grupo Conceição também critica volta às aulas na rede pública sem a vacinação de professores

Foto: Mauro Schaefer/Arquivo/CP

Em entrevista para o Correio do Povo, o infectologista do Hospital Nossa Senhora da Conceição André Luiz Machado explicou, hoje, que o avanço do contágio da doença, aliado às aglomerações registradas no feriado de Carnaval, deve ainda deve resultar em crescimento das internações pelo novo coronavírus.

“São números sem precedentes na história da pandemia no nosso estado. Isso nos preocupa e nos coloca à beira do colapso do sistema de saúde”, relata. Nesta quarta, Porto Alegre atingiu pela primeira vez a marca de 400 pacientes com Covid-19 confirmada em UTI, com mais 49 suspeitos e outros 67 em emergências, já com a Covid confirmada, esperando remoção para um leito de alta complexidade. Em Porto Alegre, a taxa de ocupação em UTIs chega a quase 97%. No Rio Grande do Sul, chega perto de 90%.

Machado observa que parte da população está “dando de ombros” para as orientações de autoridades de saúde e ignorando as recomendações para uso de máscara e distanciamento social. Em um misto de desabafo e desilusão, o especialista reforça que o cenário atual ainda não reflete as aglomerações verificadas nas praias gaúchas, o que deve impactar na ocupação de leitos de UTI. “Há uma tendência de que tenhamos uma piora ainda maior. Infelizmente a população é muito egoísta, gosta de escutar aquilo que convém”, critica.

Machado lembra que, no ano passado, a população ainda se mantinha respeitando as medidas de isolamento: “A gente vislumbra algo muito pior nos próximos dias, provavelmente a morte de pessoas em casas, em calçadas dos pronto-atendimentos, porque não temos assistência médica, não temos leitos, estamos com equipes extenuadas e assoberbadas”, avalia.

Há um ano na linha de frente no combate à Covid-19, ele enfatiza que muitos pacientes permanecem hoje em unidades de enfermaria, mesmo com indicação para UTI, porque não há leitos disponíveis. Nesse contexto, a equipe médica fica sob estresse. “Lançamos mão de manejos não invasivos para manter uma boa resposta de oxigênio enquanto o paciente aguarda leito. A gente não sabe até quando vai durar”, assinala, acrescentando que esse cenário pode acarretar no adoecimentos dos profissionais de saúde.

Planejamento da volta às aulas é criticado
Outra questão que chama atenção do infectologista em meio ao pico das internações é o retorno às aulas da rede pública de ensino. Conforme Machado, a retomada das aulas merecia ter sido melhor planejada. Ele reforça que é preciso avaliar de forma pontual as diferenças entre o sistema privado e público.

“Não houve planejamento de parte do gestor, para priorizar profissionais de saúde e professores para vacinação. Há grande prejuízo no sistema educacional, para as crianças e jovens, porque os professores estão com medo de retornar às aulas. Isso não se fala de hoje, se fala há muito tempo”, completa.