O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a gestão do prefeito Nelson Marchezan Jr., desde o fim do ano passado, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, recomenda que ele seja indiciado pelos delitos de advocacia administrativa, tráfico de influência, improbidade administrativa, dispensa de licitação, corrupção passiva e tráfico de interesses. As conclusões do relator da CPI, vereador Wambert di Lorenzo (PTB), foram divulgados na noite desta quinta-feira. A votação do parecer, na CPI, ocorre na manhã de segunda-feira. O inquérito não guarda relação com o processo de impeachment movido contra o prefeito, que teve a admissibilidade aprovada no início do mês.
No início da semana, integrantes do colegiado se reuniram, em sessão virtual presidida pelo vereador Roberto Robaina (PSol). Durante o encontro, os parlamentares votaram pela continuidade das atividades da CPI, interrompidas em função da pandemia de coronavírus, e aprovaram a revogação das oitivas pendentes, marcando para 31 de agosto a sessão para leitura e votação do relatório.
A investigação teve como alvos o chamado Banco de Talentos da prefeitura, o aluguel do prédio onde funciona a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE) e as relações do prefeito com Michel Costa, então diretor da Procempa no início do mandato. Di Lorenzo não encontrou indícios que responsabilizem o prefeito pelo aluguel do prédio mas, em relação aos outros dois itens que pautaram a CPI, entendeu que Marchezan precisa ser responsabilizado judicialmente.
Sobre o Banco de Talentos, o relator entendeu que o prefeito “utilizou o meio para camuflar contratações políticas que implicaram em demissões arbitrárias posteriormente”, entre outras conclusões. Di Lorenzo também considera que a relação entre Marchezan e Michel Costa levou o prefeito a “obter vantagens indevidas” e o ex-secretário a tentar “beneficiar empresas privadas” por meio da influência e das informações privilegiadas que tinha ao exercer a direção da estatal de processamento de dados da prefeitura.
Além de Marchezan, o vereador recomenda que sejam indiciados o ex-secretário de Relações Institucionais, Christian Lemos, pelo crime de falso testemunho, e o empresário Michel Costa, por tráfico de influência.
Fazem parte da CPI, além de Robaina e Di Lorenzo, os vereadores Clàudio Janta (SD), vice-presidente; Adeli Sell (PT), Luciano Marcantônio (PTB), Mauro Pinheiro (PL), Felipe Camozzato (Novo), Márcio Bins Ely (PDT), Lourdes Sprenger (MDB), Mônica Leal (PP), Ramiro Rosário (PSDB), e Mendes Ribeiro (DEM).
Veja as considerações finais do relatório da CPI:
6.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo trabalho da presente CPI, em que pese os entraves causados com a pandemia do COVID-19, os documentos que já integravam os autos foram o suficientes para conceder verossimilhança as acusações de dois dos três fatos determinados, verificando-se que houve atitudes dolosas que configuram crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), advocacia administrativa (art.321 do CP), tráfico de influência (art. 332 do CP), improbidade administrativa (Lei 8.429/92) e, até, de falso testemunho (art. 342 do CP).
Primeiramente, deve-se refletir novamente que uma Comissão Parlamentar de Inquérito não possui escopo de punição, mas sim, de averiguação de verossimilhança nos fatos, apuração de eventuais afrontas a legislação pátria, caracterização de crimes etc. Quem avalia as provas produzidas e faz juízo de condenação, após a existência de alta probabilidade de ato ilícito, é o Poder Judiciário.
Assim, é importante se entender também que, para que se possa encaminhar qualquer consideração aos órgãos julgadores do Poder Judiciário, necessário que ao menos exista uma certeza razoável sobre a existência de atitude criminosa, caso contrário, poder-se-ia causar uma violação da presunção de inocência, principio cardeal do processo penal em um Estado Democrático de Direito.
Vale lembrar que uma comissão investigativa visa, acima de tudo, a busca pela Justiça, seja ela demonstrando fortes indícios ou até as próprias irregularidades, ou mesmo, declarando que nada foi encontrado.
No caso, se verificou ambas as coisas: nada foi encontrado de relevante no ponto concernente a locação do imóvel da SMDE. Contudo, o mesmo infelizmente não ocorreu nas acusações referentes ao Banco de Talentos e das relações obscuras do Prefeito Municipal Nelson Marchezan Júnior e o empresário e ex-Secretário Municipal Michel Costa, o qual deverá ser aprofundada a investigação pelo Ministério Público.
Ora, a essência da ideia do Banco de Talentos era, no mínimo, interessante. Infelizmente, ao mesmo tempo, a novidade aparentemente positiva acabou por ser utilizada para interesses obscuros: desrespeitou o rito da licitação, contratou metade dos chamados voluntários causando gastos a administração pública, utilizou o meio para camuflar contratações políticas que implicaram em demissões arbitrárias posteriormente.
O mesmo ocorre quanto as relações do Prefeito e Michel Costa, que fez claro uso de seus cargos e de informações privilegiadas na tentativa de beneficiar empresas privadas. Já o Prefeito se aproveitou das influências de Michel para obter vantagens indevidas, além de tentar furtar-se de prestar esclarecimentos a esta Comissão de Inquérito no momento em que foi oficiado para tanto.
A verdade é que, em que pese o Prefeito se dizer tão irresignado com velhos costumes políticos, acabou inovando e reformulando pecados típicos contra a sociedade porto-alegrense, chegando a atentar contra a inteligência não somente desta Comissão Investigativa, mas de toda sociedade.
Inclusive, é de se citar uma entrevista que o Prefeito deu para a Revista VEJA, momento em que asseverou:
A política que conciliava o direito de poucos é o que levou a essa podridão que vivemos no Brasil. A política é a arte de buscar o interesse público e lutar por ele acima de qualquer interesse privado. É isso que a gente está fazendo em Porto Alegre. Não vamos entrar na velha política de conciliar interesses privados de poucas pessoas e gerar essa miséria que se tornou.
Assim, justamente porque o próprio Prefeito concorda de que não se pode mais admitir condutas que beneficiam interesses privados, é obrigação desta Comissão Parlamentar de Inquérito em dar os devidos encaminhamentos aos órgãos competentes para os fatos onde se constatou irregularidades, a fim de que a Justiça seja restabelecida.
6.2. RECOMENDAÇÃO PELO INDICIAMENTO
6.2.1. Dos crimes apurados relativos ao Banco de Talentos.
Conforme já amplamente discorrido, foi possível verificar diversas irregularidades no contrato celebrado junto a COMUNITAS, bem como a utilização do Banco de Talentos para enfoque diverso do anunciado a sociedade.
Assim, sem maiores delongas, foi possível constatar a ocorrência de crime cometidos pelo Prefeito Municipal Nelson Marchezan Júnior, o qual deverão ser encaminhados para o devido indiciamento. A saber, constatou-se os seguintes crimes: advocacia administrativa (art. 321 do CP), tráfico influência (art. 333 do CP), improbidade administrativa (art. 10, XII, XIII, XVII, art. 11, I da Lei n° 8.429/92), e no crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93. Cumpre também destacar que também pode o Secretário Christian Wyse De Lemos ter incorrido no crime de falso testemunho (art. 342 do CP).
6.2.2. Dos crimes apurados relativos ao Favorecimento de Empresas Privadas e de seu relacionamento com o ex-Secretário Michel Costa
De igual forma, imperioso que esta questão também seja encaminhado para o devido indiciamento, visto que restou verificado a incidência nas condutas tipificadas de prática de advocacia administrativa, prevista no art. 321; de corrupção passiva, prevista art. 317; (art. 332) c/c art. 61, II, “b”, todos do Código Penal; e no art. 11, da Lei nº 8.429/1992 (Lei da Improbidade Administrativa); e nos incisos II e VI do art. 5º, c/c art. 12, da Lei nº 12.813/2013 (Lei de Conflito de Interesses).
6.3. RECOMENDAÇÃO DE MONITORAMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DAS EXONERAÇÕES DE CARGOS DE CONFIANÇA (CC). POSSIBILIDADE DE ATO ATENTATÓRIO AO PRINCÍPIO DO INTERESSE PÚBLICO
Como referido no tópico 4.4.6.1, Cargos de Confiança (CC) são de livre contratação e exoneração e, em tese, ser um direito do Prefeito em dispor dos mesmos.
Não obstante, o Prefeito desde o início de sua gestão compromete-se com a sociedade de que tais contratações são técnicas, condicionadas a alinhamentos com o plano de governo. Há também uma declaração do Secretário Christian Wyse De Lemos em seu depoimento de que pessoas filiadas e simpatizantes de Partidos de oposição integravam normalmente a administração, visto que suas competências e conhecimentos se sobrepujam aos demais pontos. Assim, demissões por meros desafetos políticos, por vingança de Vereadores, onde não há posicionamento claro do servidor, não podem ser admitidas, restabelecendo assim o conceito do “Banco de Talentos” ofertado por Nelson Marchezan Júnior.
Aliás, aqui o que impera é o interesse público: não somente porque a sociedade conhece o órgão como um meio de captação de talentos, mas também pelo momento conturbado que a sociedade mundial passa em decorrência da pandemia. Ou seja, demitir pessoas competentes e que corroboram com a administração pública prejudicaria os cidadãos de Porto Alegre, os quais já se encontram tão fragilizados neste momento.
Diante do exposto, requer que o Ministério Público investigue toda exoneração não espontânea advinda do Poder Executivo Municipal a partir da entrega deste relatório, em 27/08/2020, até o fim da gestão do atual Prefeito, a fim de que apure suas razões, visto que a possibilidade da incorrência de imputação do crime de improbidade administrativa (art. 333 do Código Penal) ao Prefeito Municipal, bem como ao Secretário Christian Wyse De Lemos por crime de falso testemunho (art. 342 do CP).
É o relatório!
Vereador Professor Wambert Di Lorenzo