ONG conta 72 disparos em casa onde Polícia matou menino no RJ

Imóvel, do avô de João Pedro, reunia no momento da ação policial seis crianças e adolescentes, todos jogando sinuca no quinta

Foto: Reprodução

A casa onde vivia o adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, morto na segunda-feira, no Rio de Janeiro, ficou com 72 marcas de tiro. Foi o que informou hoje a organização não governamental Rio de Paz, que mandou representantes ao local para prestar assistência à família. O menino sofreu os disparos em meio a uma operação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro.

O articulador social da entidade, João Luis Silva, acompanhou o sepultamento e, logo após, visitou a casa, filmando e contando as marcas nas paredes internas do imóvel. Silva disse que os parentes do menino relataram diversas irregularidades na ação policial.

“Logo após o sepultamento, nós fomos com parentes e líderes comunitário ver em que estado ficou a casa depois dessa operação desastrosa. Tivemos acesso à residência e nos foi informado que a perícia tinha sido feita na hora. Contamos 72, entre buracos na janela da sala, na parede da sala, na parede do quarto, e também em um outro cômodo que fica fora da casa. E um disparo acertou a TV”.

Inquérito

A Polícia Civil informou que a Corregedoria-Geral da corporação instaurou sindicância administrativa disciplinar “para apurar a conduta dos policiais civis que participaram da ação no Complexo do Salgueiro”.

A corporação informou que o inquérito para apurar a morte de João Pedro, “ferido durante operação da Polícia Federal com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core)”, ficou a cargo da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI).

“Foi realizada perícia no local e testemunhas prestaram depoimento na delegacia. Os policiais já foram ouvidos e as armas apreendidas para confronto balístico. O piloto do helicóptero vai prestar depoimento e familiares também serão ouvidos. Os laudos periciais estão sendo analisados e outras diligências estão sendo realizadas para esclarecer as circunstâncias do fato”, detalhou a PC.

A Polícia Federal, que também compunha a operação no Salgueiro com a Polícia Civil, informou que não vai se manifestar sobre a questão, já que “há investigação em curso na Polícia Civil para apurar o fato”.

Casa tinha seis crianças e adolescentes 

O objetivo da operação conjunta era cumprir dois mandados de busca e apreensão contra lideranças de uma facção criminosa em São Gonçalo. Segundo o relato de moradores do local, a casa é do avô de João Pedro e reunia no momento da ação policial seis crianças e adolescentes, todos jogando sinuca no quintal. Quando ouviram a aproximação de um helicóptero e disparos de armas de fogo, os menores se refugiaram dentro de casa. Quando os policiais entraram disparando, eles começaram a pedir ajuda pelo telefone, via WhatsApp.

Após atingirem João Pedro, policiais o levaram de carro, com o auxílio de um primo do menino, e depois o transportaram de helicóptero para um local desconhecido. A família só encontrou o corpo da criança por volta das 4h de ontem, já no IML, sem registro da passagem dele por nenhum hospital. A ação ocorreu na tarde de segunda.

Denúncia à ONU

O assassinato de João Pedro motivou denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA), protocolada pela deputada estadual Renata Souza (PSol), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), junto com o deputado federal Marcelo Freixo (PSol-RJ).

A denúncia envolve também a morte de pelo menos 12 pessoas em uma operação no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, na sexta-feira.

Repercussão

A Anistia Internacional Brasil e Justiça Global, em conjunto com o Coletivo Papo Reto de comunicação comunitária, com sede no Complexo do Alemão, divulgaram uma nota conjunta condenando as operações policiais ocorridas no Alemão e no Complexo do Salgueiro.

As entidades pedem explicações do governo do estado do Rio de Janeiro e do Ministério Público Estadual sobre as operações no contexto da pandemia de Covid-19, o que, segundo a nota, prejudica as medidas de proteção dos moradores das favelas nesse período de isolamento social e as atividades humanitárias emergenciais, como a distribuição de cestas básicas para quem mais precisa.

“Exigimos que as polícias adotem os mesmos parâmetros de atuação em todos os territórios do Estado e das cidades e só realize operações quando tiverem a total garantia de que as vidas de todos e todas os moradores estejam protegidas. Exigimos também que os agentes do Estado, que podem ser veículos de transmissão da Covid-19, tomem as medidas necessárias para a proteção da saúde e da vida dos moradores das comunidades”, disse a nota.

Em nota, o governo do estado disse que o governador Wilson Witzel, “já determinou rigorosa investigação sobre o caso e prometeu encaminhar todas as demandas apresentadas para os secretários de Estado de Polícia Militar, coronel Rogério Figueredo, e de Polícia Civil, Marcus Vinicius”.

Ontem, Witzel se reuniu por videoconferência, com representantes da Anistia Internacional, lideranças comunitárias e a deputada estadual Mônica Francisco (PSol), quando lamentou a morte do adolescente João Pedro.

O governador também falou das ações adotadas nas comunidades durante a pandemia do novo coronavírus, como sanitização de vias e espaços públicos, becos, vielas e escadarias, e abastecimento de água.

Procurado, Ministério Público Estadual não se manifestou sobre a nota conjunta, até a publicação desta matéria.