Covid-19: substitutivo do Senado altera PEC do Orçamento de Guerra

Medida busca aumentar a liquidez de empresas, mas pode deixar o Tesouro Nacional exposto a papéis com alto risco de inadimplência

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O Senado usou essa segunda-feira para discutir o substitutivo do senador Antonio Anastasia (PSD-MG) à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento de Guerra, que teve a votação adiada para quarta-feira. Anastasia promoveu mudanças no texto aprovado na Câmara dos Deputados, o que diminuiu a resistência dos senadores ao texto.

As discussões se encerraram após cerca de quatro horas. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, indicou que Anastasia deve fazer novas alterações no relatório após os debates de hoje, antes da votação.

“O relator teve a oportunidade de fazer a leitura do seu voto, um relatório fundamentado. Ficamos várias horas, ele aprimorou seu relatório, recolheu as manifestações possíveis e, naturalmente, sai daqui bem encaminhado para votar essa matéria na sessão de quarta-feira”, disse Alcolumbre.

A PEC do Orçamento de Guerra separa cerca de R$ 700 bilhões do Orçamento para ações de combate ao coronavírus (Covid-19). A medida busca aumentar a liquidez de empresas, mas pode deixar o Tesouro Nacional exposto a papéis com alto risco de inadimplência.

Alterações

Uma das mudanças propostas no substitutivo envolve a exclusão do trecho que cria um Comitê de Gestão de Crise, encabeçado pelo presidente da República e composto por ministros e secretários de estado e de município. Segundo Anastasia, o comitê pode trazer problemas constitucionais, como a invasão de competências de um poder sobre o outro.

“Poderiam surgir conflitos federativos relacionados às competências da União e dos entes subnacionais, além daqueles que já ocorrem a partir do texto vigente da Constituição. Por fim, mas não menos importante, poderia haver imbróglios relacionados ao papel do STF [Supremo Tribunal Federal] e dos tribunais superiores no tocante a atos do Presidente da República”, justificou Anastasia.

Outro ponto muito criticado em relação ao texto aprovado na Câmara era a possibilidade de o Banco Central (BC) comprar títulos (promessas de pagamento de dívidas, que podem ser negociadas no mercado) de empresas privadas não financeiras – e não apenas de bancos, como vem fazendo atualmente. Para muitos senadores, esses títulos perdem valor, já que as empresas não dispõem das mesmas condições de pagar as dívidas devido à crise financeira. O temor, com isso, era de prejuízo para o Banco Central.

Para minimizar esse risco, Anastasia incluiu um dispositivo que obriga o BC a informar o Congresso Nacional sobre os títulos que comprou e dar detalhamentos que permitam uma análise da situação. Além disso, os ativos que o BC vier a comprar (cédulas de crédito imobiliário e cédulas de crédito bancário) terão de passar pela avaliação de qualidade de crédito, realizada por uma grande agência de classificação de risco.

“Isso afasta o chamado ‘título podre’, porque o título só pode ser adquirido do Banco Central, não da empresa que emitiu lá atrás, mas desde que ele tenha uma classificação de rating dado por uma das três maiores [agências de classificação de risco] do mundo, já conhecidas, e o preço já seja previamente conhecido e publicado”, explicou Anastasia durante a sessão.

As alterações foram bem recebidas pelos senadores. “O senador teve um trabalho de cirurgião, fez uma competente lipoaspiração no corpanzil desta PEC. Tornou-a flexível e perfeitamente viável”, disse Lasier Martins (Podemos-RS).

O senador Humberto Costa (PT-PE) também elogiou o substitutivo. “O relatório melhorou em relação ao que veio da Câmara”, disse.

Algumas divergências, no entanto, continuaram. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) é um dos opositores à PEC. Apesar de qualificar Anastasia como “brilhante”, ele ainda se opõe aos riscos que o BC, que representa o Estado neste caso, pode assumir ao comprar títulos do mercado financeiro, ou seja, do setor privado.

Ainda conforme o senador, a PEC garante ajuda apenas aos bancos privados e aos grandes empresários, sem chegar aos demais setores da economia. “É preciso garantir que o recurso chegue na ponta e auxilie quem mais precisa, o pequeno e o médio empresário, aqueles que não conseguem vender”.

Tasso Jereissati (PSDB-CE) discorda. Para ele, a ajuda do BC vai ter reflexos em todo mercado, desde os empresários até os trabalhadores. “Uma crise de liquidez sistêmica afeta o emprego de todo mundo, afeta empresa grande, o pequeno, todo mundo. Se uma empresa pequena não paga o banco e o banco deixa de emprestar, essa empresa pode quebrar. Ela não pagando, não paga seu funcionário, o funcionário vai desempregar. É uma cadeia”.

Já Eduardo Girão (Podemos-CE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) fazem parte da ala que entende que o assunto não deve ser votado por meio de uma proposta de emenda à Constituição, sobretudo com pouco tempo para discussões. Uma PEC, geralmente, leva meses tramitando no Congresso, pois passa por várias comissões e é comum também ser debatida em audiências públicas, o que não deve ocorrer, em função da urgência das ações.