“Vamos acabar com essa farsa”, diz deputado acusado de propor legalização do incesto

Orlando Silva, do PC do B do Espírito Santo, se diz "assustado e indignado" com a repercussão da notícia falsa

Após protocolar projeto de lei que previa regulamentar núcleos afetivos não contemplados pelo Estatuto da Família, o deputado federal Orlando Silva (PC do B/ES) decidiu retirar a pauta da agenda da Câmara. Sob argumentos de que o texto previa regularizar o incesto e o poliamor, o parlamentar optou pelo rearranjo do texto, “para evitar interpretações equivocadas”. A apreciação, inicialmente, ocorreria nesta semana.

Silva se disse “assustado e indignado” com a repercussão da fake news sobre o tema: “como pode passar pela mente de uma pessoa que qualquer um seria capaz de propor a legalização do incesto? Só uma mente doentia, bestial, poderia imaginar algo assim”, lamentou. O deputado reforçou que as notícias falsas foram desmentidas pelos principais meios de comunicação, mas que ainda assim resolveu retirar o texto para reformulação.

“Vamos acabar com essa farsa, tirar a palavra consanguinidade, tirar as palavras que foram manipuladas, para garantir direitos às pessoas que convivem familiarmente”, disse.
Questionado sobre o real objetivo da proposta, alegou que a ideia era acrescentar ao Estatuto da Família outros tipos de arranjo que não aqueles hoje entendidos como tal. “Eu procurei acrescentar que a família poderia ser reconhecida através de casal homoafetivo, avó e neto, tio e sobrinho, de relações emocionais que não têm as mesmas consequências jurídicas”, explicou.

Também acrescentou que os termos “laços de consanguinidade” previam, na verdade, a valorizar a adoção, onde não há relação biológica. “Mas foi interpretado que era pra casar pai com filho. É uma sandice, o tabu do incesto é secular, e o Código Civil proíbe isso, teria que se revogar a lei, então não tem nenhum sentido”, finalizou. Sobre poliamor, que seria a relação amorosa entre duas ou mais pessoas, o deputado alega que se referia a famílias compostas por “avós, tios, sobrinhos”, que formariam grupos maiores, e não relações grupais.

Por fim, desabafou que “está faltando caráter” entre os pares políticos, e que “muitas pessoas (que criticam o projeto) usam o santo nome de Deus em vão, se apresentam como defensores dos valores cristãos, mas esquecem que a proposta se baseia justamente na principal lei do cristianismo, que é o amor.”

Estatuto da Família

De acordo com o autor, o projeto Estatuto das Famílias do Século XXI serviria para atualizar a lei do Estatuto da Família, aprovado em 2018. A normativa em vigor entende como família apenas “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável” ou “por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. O texto exclui outros arranjos familiares, como aqueles formados por avós e netos, foco do projeto de Silva.

Em maio de 2011, antes da discussão do Estatuto da Família (que começa em 2013), o Supremo Tribunal Federal (SFT) reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. No entanto, o Estatuto é alvo de diversas críticas por parte da comunidade LGBTI+, que luta para ser contemplada também na esfera legislativa com o reconhecimento de suas uniões afetivas e formação familiar.

O que diz e o que se interpretou

Especificamente, a parte do texto na qual se lê que “há tempos que a família é reconhecida não mais apenas por critérios de consanguinidade, descendência genética ou união entre pessoas de diferentes sexos” não incentivaria uniões entre pessoas do mesmo sangue, mas reforçaria os laços entre pais e filhos adotivos, por exemplo, onde há afeto mas não há consanguinidade.

Já a partícula que foi interpretada como alusiva ao ‘poliamor’ (relações amorosas entre três ou mais pessoas), onde consta que “são reconhecidas como famílias todas as formas de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor”, seria referente a “pai, mãe, filhos, netos, sobrinhos” que se agrupam e se entendem como núcleo familiar.

Ainda no dia 20 de agosto, o site da Câmara dos Deputados publicou esclarecimento sobre o fato, alegando que o “projeto tem sido objeto, nas redes digitais, de interpretações distorcidas”, e que foi retirado da pauta a pedido do relator “para aprimoramento de sua redação por meio da elaboração de substitutivo.” A nota vem assinada pelo deputado Helder Salomão (ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.