“Pré-Sal caipira”: suínos geram energia limpa para cidade paranaense

Foto: EBC

Desde a última quarta-feira, 72 prédios da prefeitura municipal de Entre Rios do Oeste, no Oeste do Paraná, são abastecidos com energia elétrica gerada pelos dejetos de 40 mil suínos de criadores da região. A iniciativa partiu de uma parceria do poder público com o Parque Tecnológico Itaipu (PTI) e o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás), que viram uma oportunidade para diminuir a poluição ambiental na região. Apesar de pequena, Entre Rios do Oeste conta com uma criação de mais de 150 mil suínos.

Com o projeto de geração de energia, cerca de 215 toneladas por dia de dejetos de 18 propriedades rurais passaram a ser tratados, servindo de matéria-prima para a para a produção do biogás, usado na geração elétrica. O esquema é razoavelmente simples: os dejetos são recolhidos e acondicionados em biodigestores. Lá dentro ocorre a decomposição desse material por bactérias, gerando o biometano. O gás é transportado por gasodutos até o local da geração de energia. A queima do material, aciona um gerador que produz eletricidade.

Economia e solução ambiental
A iniciativa não é nova, uma vez que produtores rurais já fazem o uso de dejetos para a produção de energia, utilizada para consumo próprio. A diferença para o projeto paranaense é que a energia produzida é “vendida” para a prefeitura, gerando recursos para os produtores. Segundo o presidente do CIBiogás, Rodrigo Régis Galvão, a Minicentral Termoelétrica (MCT) de Entre Rios do Oeste movida a biogás vai resultar em economia para a população, além de resolver o problema ambiental que os dejetos geram.

“A gente está em uma região em que o agronegócio se desenvolveu com muita velocidade e a demanda por energia cresceu muito rápido. Com esse projeto a gente está fazendo o tratamento de 215 toneladas de dejetos de animais por dia, esse resíduo acaba poluindo o solo, os lençóis freáticos e inclusive os rios que acabam desembocando no reservatório de Itaipu. Com isso, o projeto busca transformar um problema ambiental em um ativo econômico”, disse Galvão à Agência Brasil.

Com 480 kW de potência instalada, a energia produzida na usina é vendida para a Companhia Paranaense de Energia (Copel), financiadora da iniciativa e que desconta o total produzido do valor das contas de luz do município. Já à prefeitura cabe o pagamento a cada produtor pela energia gerada. A estimativa é que os produtores envolvidos recebam de R$ 900 a R$ 5 mil, a depender da quantidade de biogás produzida por cada um.

O procedimento utilizado é o da micro e minigeração distribuída, regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Por esse modelo, o consumidor pode produzir a própria energia, a exemplo do uso de painéis solares e do uso de biogás, e depois injetar na rede de distribuição. Essa energia pode ser utilizada para abater até a totalidade da conta de luz de uma ou mais unidades do mesmo titular.

A diferença é que no modelo de Entre Rios do Oeste, a prefeitura remunera os produtores pela produção do biogás. Medidores nas propriedades mostram a quantidade de biogás de cada ao longo do mês. Ao mesmo tempo, um medidor especial, mostra a quantidade de energia produzida pela usina e injetada na rede. Uma conta simples mostra quanto cada metro cúbico de biogás gera em termos de energia elétrica, o que possibilita cada produtor saber quanto vai receber por sua produção.

“Cada produtor produz o seu biogás e vende o seu biogás. Todo esse gás é coletado por uma rede de gasodutos que passa para a minicentral e lá se produz energia elétrica. A energia gerada vai abater cerca de R$ 80 a 100 mil reais por mês das contas do município”, estima Galvão. “Quanto mais o produtor produzir biogás é melhor ainda para a prefeitura porque gera crédito [junto à distribuidora de energia] e se ela [a Prefeitura] não usar, pode deixar o crédito para o mês seguinte”, acrescentou.

Pré-sal caipira
A iniciativa, de produzir energia elétrica a partir de biogás gerado por dejetos de suínos, começou em 2016. No total, foram investidos R$ 17 milhões na construção de 22 km de gasodutos e da usina. Os custos com a instalação dos biodigestores foram arcados pelos produtores rurais.

Além de dejetos de suínos, também é possível produzir biogás com dejetos de outros animais e com matéria-prima vegetal, como a cana de açúcar. Galvão aponta que a região Oeste do estado tem grande potencial para produzir energia a partir desse tipo de matéria prima, uma vez que o Paraná é um dos estados brasileiros com as maiores criações de suínos e também de aves. A previsão é que o projeto seja instalado em outras cidades do estado.

“Especialmente agora que o governo federal está discutindo a flexibilidade do gás no Brasil, a gente mostra que tem um grande potencial de gás. O país ainda não tem rede coletora, infraestrutura para levar o gás produzido no litoral para o interior. Mas a gente tem um grande potencial de gás a partir de outras fontes, então o Brasil tem que usar esse potencial que tem”, disse Galvão. “Se já existe o pré-sal, a gente chama esse nosso potencial de pré-sal caipira”, acrescentou.

Porcos, Suinocultura

Se fossem aproveitados todos os resíduos sucroenergéticos, de saneamento e de proteína animal, o Brasil teria a capacidade de produzir 123 milhões de metros cúbicos por dia de biogás, o suficiente para substituir 70% do consumo de diesel ou 35% do consumo de energia elétrica.

A avaliação é do presidente da Associação Brasileira de Biogás e de Biometano (ABiogás), Alessandro Gardemann, que está participa hoje (31) do V Fórum do Biogás, em São Paulo. O encontro reúne 300 pessoas, entre empresários, técnicos e representantes de setores públicos.

Gardemann destacou que, apesar deste pontencial, a participação na matriz energética brasileira ainda é muito baixa, de apenas 0,5%.. “Já temos políticas públicas definidas, incentivos por meio do RenovaBio e tecnologia para alavancar o setor e, assim, evitar o desperdício de energia, ajudando no combate à emissão de gás carbono na atmosfera.”

Para aumentar o uso do biogás no país, Gardemann sugere que é preciso atrair mais investidores para o setor. Os investimentos neste ano devem atingir algo em torno de R$ 500 milhões, avaliou.

Dados da Abiogás indicam que o Brasil é reconhecido pelo maior potencial energético do mundo em biogás com um total estimado de 52 bilhões de metros cúbicos por ano. A capacidade instalada mais do que dobrou entre 2013 e 2018, passando de 70.473 KW para 153.090 KW, alta de 117%. Entre 2016 e 2017, o setor apresentou um crescimento de 14%. As 35 usinas cadastradas no sistema ampliaram a potência instalada de 118,6 megawatt (MW) para 135,279 MW.