“Era a minha vida”, lamenta biólogo que salvou parte de acervo do museu

Paulo Buckup conta que decidiu entrar no museu quando viu que faltou água para o trabalho dos bombeiros no controle das chamas

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O material que o biólogo Paulo Buckup vinha pesquisando há 22 anos no Museu Nacional do Rio de Janeiro era resguardado em um prédio separado do palácio destruído pelas chamas, na noite de ontem. Mesmo assim, o professor somou esforços aos mais de 30 servidores e voluntários que entraram no museu durante o incêndio para salvar alguma parte do acervo. Foram várias “viagens” para retirar o máximo possível, sob um teto que podia desabar a qualquer momento conforme o avanço do fogo nos andares superiores.

“Eu pensei que eu podia morrer, mas [o museu] era a minha vida e a vida dos meus colegas. Aqui ‘morreram as vidas’ de muitos colegas. Vi funcionários aposentados que vieram aqui transtornados porque não só a vida de nossos ancestrais em pesquisa foi perdida, mas a vida inteira deles foi perdida. Muitos cientistas e técnicos entraram no Museu Nacional quando eram jovens e ficaram a vida inteira”, lamentou.

Paulo conta que decidiu entrar no museu quando viu que faltou água para o trabalho dos bombeiros no controle das chamas. Outras pessoas tomaram a mesma decisão e conseguiram resgatar parte do material, que não tinha como ser recuperado.

“São grandes heróis. Tínhamos gente aqui desde a reitoria da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] até funcionários aposentados que assumiram grandes riscos”, conta Buckup, que também viu voluntários e parentes de servidores. “Não faltaram braços para carregar o material para longe do fogo, o que faltou foi condição de entrar mais para dentro do prédio”.

Exemplares insubstituíveis
Dentro de um museu com um acervo de 20 milhões de itens, escolher o que tinha de ser salvo primeiro era uma decisão que cabia apenas um pesquisador da área tomar. Por isso, Paulo passou praticamente uma hora e meia tentando salvar os restos de moluscos que serviram de base para descobrir e catalogar espécies. Para salvar os exemplares de moluscos, Paulo e os colegas tinham que arrancar as gavetas dos armários e carregá-las para fora do prédio.

“Salvamos alguns milhares de exemplares insubstituíveis, mas isso não é nada perto dos milhões que existiam ali dentro”, disse ele. “Inclusive existia a possibilidade de que espécies ainda não descritas existam nas coleções, e podem estar sendo perdidas antes de ser descritas”.

Apesar de o material que Paulo pesquisa estar resguardado em outro prédio, com o acervo dos animais vertebrados, o departamento em que trabalha perdeu peixes que haviam sido separados para uma exposição que nem chegou a ser aberta. “São exemplares que não existem mais nesse tamanho na costa brasileira”.

O pesquisador conta que, mesmo antes do incêndio, já precisava vencer o desânimo para tocar o trabalho em meio aos cortes de recursos sofridos pelo museu. O biólogo conta que perdeu bolsistas que se mudaram para o exterior.

“Estou tentando mudar essa situação para que a gente possa manter as nossas coleções no Departamento de Vertebrados e, principalmente, a formação de novos cientistas para o Brasil. Esse museu é sede de seis pós-graduações e algumas de altíssimo nível”, lembra.