Dor, esperança e ansiedade: a trajetória de mães e filhos nos presídios do RS

Ao menos seis bebês vivem atrás das grades no Rio Grande do Sul | Foto: Ricardo Giusti / CP
Ao menos seis bebês vivem atrás das grades no Rio Grande do Sul | Foto: Ricardo Giusti / CP
Ao menos seis bebês vivem atrás das grades no Rio Grande do Sul | Foto: Ricardo Giusti / CP
* Todos os nomes apresentados na reportagem são fictícios para preservar a identidade das presas e das crianças.
Com apenas 18 dias de vida, Luana* vive encarcerada. Ela mora com a mãe – única pessoa da família com quem tem contato – na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre.
Do lado de fora das grades, Luana tem sete irmãos. O mais velho, com 18 anos, e a mais nova, 4. A pequena ainda não conhece nenhum deles. E nem o avô materno que, aos 79 anos, está doente.
Quando ela nasceu, a mãe, Natália, de 33, já estava presa. E a família de baixa renda, que se divide entre Porto Alegre e Viamão, na Região Metropolitana, não tem condições de visitar as duas na penitenciária do bairro Teresópolis, pois era Natália quem sustentava a todos.
No último 6 de março, havia sete bebês de até um ano vivenciando a rotina da prisão no Rio Grande do Sul. Em todo o País, “seguramente, mais de 2 mil pequenos brasileirinhos estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente contra o que dispõe a Constituição”, revelou o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski.
“A prisão foi pensada para privar de liberdade aqueles que delinquiram e não para ter uma criança, que acaba sendo punida”, defendeu Maria Clara Oliveira de Matos, diretora do Madre Pelletier, penitenciária feminina mais antiga do País. Com capacidade para 239 detentas, o local abrigava 245 no fim de fevereiro.
A realidade que priva crianças da liberdade, por estarem presas junto com as mães, deve mudar nos próximos 60 dias. No último dia 20, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por quatro votos a um, substituir a prisão preventiva por domiciliar para todas as mulheres presas provisoriamente que estão grávidas ou são mães com filhos de até 12 anos ou que possuem alguma deficiência.
No Estado, o habeas corpus coletivo pode ser concedido a 307 mulheres, sendo que em todo o Brasil podem ser quatro mil. O número de crianças que se beneficiarão com a medida ainda é desconhecido, pois algumas mulheres têm mais de um filho menor de idade.
Relator do caso no STF, o ministro Ricardo Lewandowski defendeu o habeas corpus coletivo devido à “realidade degradante das mulheres nas prisões brasileiras, com detentas sem atendimento pré-natal e casos de presas que dão à luz algemadas”.
A medida foi concedida para que crianças como Luana não sejam presas junto com as mães: não sofram a privação da liberdade, da brincadeira, da educação e da convivência com a família.
“A decisão é importante historicamente porque se passa a ver e reconhecer o efeito do aprisionamento feminino sobre a infância”, analisa a juíza da 2ª Vara de Execuções Criminais (Vec) de Porto Alegre, Patrícia Fraga Martins. Ela explica que caso a mãe não tenha a guarda do filho, ela não cumpre o requisito básico da liberdade provisória.

A realidade das prisões
Luana nasceu em fevereiro no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, no bairro Independência. Era madrugada quando Natália sentiu as dores do parto e foi levada à casa de saúde onde a maioria das presas grávidas dão à luz, já que o hospital é da prefeitura de Porto Alegre. Nenhum familiar de Natália ficou sabendo do parto e ela não teve ninguém ao lado naquele momento. Apenas a escolta policial.
Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que apesar de 60% das mulheres presas terem sido atendidas meia hora após o início do trabalho de parto, apenas 10% das famílias das detentas foram avisadas.
Luana nasceu após aproximadamente sete horas de trabalho de parto. Depois de dois dias, foi transferida para o local que pode ser sua casa pelo próximo ano: a Penitenciária Feminina Madre Pelletier.
A pequena passa o dia com a mãe. A maior parte do tempo ela dorme. “Mas também mama muito”, conta Natália. Diferente das outras 232 presas, as mães com bebês ficam em alojamentos. Junto com as duas, outras três detentas e seus filhos dormem em um quarto. “Ela fica em um berço do lado da minha cama e chora a noite inteira”, relatou ao olhar para a filha, que passou a maior parte da entrevista dormindo nos braços da mãe.
Caso Natália não consiga o habeas corpus coletivo, já que cada caso será analisado individualmente pela Justiça, Luana terá que se separar da mãe ao completar um ano de idade. Depois, será encaminhada para a casa de algum familiar ou abrigo. Quando o tempo máximo de permanência no presídio se aproxima, inicia-se o processo de desligamento, para que a criança se adapte ao novo lar.
“Infelizmente não temos estrutura material para permitir o bom desenvolvimento desta criança, o motor e o de fala. Por isso, ao completar 1 ano, ela precisa ir embora”, explica a juíza Patrícia. Além disso, com esta idade a criança já começa a ter melhor percepção do ambiente em que está.
O ministro Lewandowski ressaltou que, nos cárceres, os bebês estão limitados em suas experiências de vida, mesmo que não tenham consciência do que está ocorrendo. Contudo, quando vão para um abrigo, sofrem “com a inconsistência do afeto, que, numa entidade de acolhimento, normalmente, restringe-se ao atendimento das necessidades físicas imediatas das crianças”. E quando entregues à família mais próxima, ainda nos primeiros meses de vida, priva-se o pequeno de conviver com a mãe, “que até então foi uma de suas únicas referências afetivas”, sendo uma experiência, segundo o ministro, “igualmente traumática”.
O Rio Grande do Sul tem quatro presídios femininos: o Madre Pelletier, que é o mais antigo, a Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, o maior, com 412 vagas, e os estaduais feminino de Lajeado, no Vale do Taquari, e Torres, no Litoral Norte. Dos quatro, apenas o de Porto Alegre tem estrutura para receber as crianças. Os demais não possuem Unidade Básica de Saúde (UBS) e nem Unidade Materno-Infantil. No País, apenas 34% das prisões têm celas para gestantes, 30% possuem berçários e apenas 5% têm creche.
O de Guaíba até tem a estrutura, com “ótima creche”, segundo Patrícia, que fiscaliza o local. Contudo, há um problema externo: o esgoto da casa prisional acaba entrando nesta área do presídio, que hoje está interditada. Por isso, as presas com bebês que deveriam cumprir pena em Guaíba tiveram que ser transferidas para Porto Alegre. Assim como as grávidas com gestação mais avançada que estavam em Torres e Lajeado.
“O problema de manter alguém do interior aqui é que, muitas vezes, a mulher fica abandonada, pois a família não pode vir. Falamos de pessoas de baixa renda, uma classe trabalhadora que precisaria se deslocar durante a semana para visitas ou entrega de material. É impossível”, explicou a psicóloga do Madre Pelletier, Sandra Correia, que há três anos e meio trabalha no local.
Na UBS do Madre Pelletier, Natália fez parte do pré-natal, dos nove meses de gestação, seis foram na penitenciária. “Fui bem atendida, não tem o que reclamar.” De acordo com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), o médico atende no local quatro dias por semana, desenvolvendo atividades com mães e gestantes e para o atendimento individual das crianças.
A Susepe ainda garante que os bebês são acompanhados por pediatra dentro do estabelecimento prisional e, se necessário, na rede externa de saúde. Além disso, assegura que todas as crianças são vacinadas conforme a agenda de vacinação oficial do SUS, preconizada pelo Ministério da Saúde.
As presas com quem o Correio do Povo conversou disseram que realizam quatro refeições por dia: café da manhã, almoço, lanche da tarde e janta. Como os bebês são recém-nascidos, não souberam informar sobre o preparo de uma alimentação diferenciada para as crianças. Mas a Susepe disse que há “uma cozinha exclusiva para dietas das detentas que possuem indicação nutricional/médica e para a dieta prescrita as crianças da Unidade Materno Infantil”.
Diferente do constatado no Madre Pelletier, ressaltando que as demais casas prisionais do Estado não têm estrutura para receber mães com bebês, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) alertou, na última semana, para o descaso com as crianças e gestantes em prisões do Brasil, ao constatar que elas vivem em situações precárias.
A equipe do CNJ vistoriou 22 estabelecimentos penais, em 15 estados e no Distrito Federal, e conversou com 311 gestantes e lactantes. Em alguns presídios, as detentas se queixaram de marmitas com alimentos podres. Na maioria dos locais visitados, não havia ginecologistas ou obstetras acessíveis para o atendimento pré-natal das grávidas, nem pediatras para os recém-nascidos que vivem nas cadeias brasileiras.
O CNJ ressaltou ainda o atraso da vacinação em crianças. Após as visitas, a ministra Cármen Lúcia, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu mais cuidado com os bebês que estão no cárcere.

A cultura do encarceramento
 Muitas crianças vivem atrás das grades porque as mães estão presas provisoriamente. O que significa que ainda não foram julgadas. No Rio Grande do Sul, as detentas aguardam cerca de 437 dias para terem o processo analisado, o que equivale à 1 ano, 2 meses e 12 dias.
Na maioria dos casos, de acordo com o ministro do STF, Marco Aurélio, após o julgamento, os presos alcançam a absolvição ou a condenação a penas alternativas, surgindo, assim, o equívoco da chamada cultura do encarceramento.De todas as presas brasileiras, 43% estão detidas provisoriamente. Das 1.086 mulheres que entraram na Penitenciária Feminina Madre Pelletier em 2016, apenas 15 foram condenadas, o que representa 1,3% dos casos. “A prisão se tornou banalizada”, entende o defensor público Régis Augusto Martins Xavier.
Do total, 664 foram liberadas sem ter a prisão convertida em preventiva. Além disso, das 422 que permaneceram na cadeia durante 2016, 407 acabaram saindo em liberdade. O alto número de presas provisórias se reflete nas galerias do Madre Pelletier. Das sete galerias, duas abrigam apenas presas provisórias, sendo que uma está superlotada.
Os dados constam na pesquisa “Encarceramento feminino: a (in)eficácia da política criminal enquanto violadora de direitos”, realizada pela assistente social do Madre Pelletier, Daiana Maturano Dias Martil, e pelo doutor em Sociologia e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo.
“Além dessas mulheres (1.086) que chegaram a acessar o presídio, tem uma rede de pessoas que também entrou na prisão, que veio na visita, que foi revistada, que precisou entrar aqui e teve contato com a comunidade privada de liberdade. A mulher quando vem presa traz a família e, às vezes, a comunidade”, explicou a psicóloga da penitenciária Sandra Correia.
O problema, segundo a psicóloga, é o “Brasil ser um país que tem contato com a prisão”, sendo que muitas dessas experiências poderiam ser evitadas. É o caso das 664 mulheres que foram liberadas e de seus familiares. A mulher traz a família porque, na maioria dos casos, é a principal responsável pela economia da casa. E, por isso, recebe mais visitas. Muitas vezes, além dos filhos, precisa cuidar dos irmãos mais novos e também dos pais.
Foi para dar presente de Natal para os dois filhos e os cinco irmãos mais novos que Laura começou a vender drogas. “A gente não tinha condições para o Natal e eu achei que fosse um dinheiro rápido. Aí não deu certo e acabei sendo presa.” Hoje Laura tem mais um filho: Lorenzo de apenas 5 dias, que nasceu na prisão. “Quando a mulher dá entrada aqui, o aprisionamento gera uma angústia muito grande, porque essa mulher deixou uma família, a qual ela é provedora”, explica a diretora do presídio, Maria Clara Oliveira de Matos.
Em 2017, cerca de 80 grávidas foram encaminhadas ao Madre Pelletier. Mesmo com a decisão do Supremo já vigente – apesar de ainda não ser regra – mulheres gestantes e, muitas vezes, primárias seguem sendo detidas. Na última quarta-feira, uma grávida de quatro meses foi presa em uma situação inusitada, em Porto Alegre, e encaminhada ao Madre Pelletier.
Durante uma discussão, ela atirou uma televisão de 32 polegadascontra o namorado. Contudo, o objeto caiu da sacada de um apartamento do sexto andar de um prédio da avenida Salgado Filho e atingiu uma viatura da Brigada Militar, que estava estacionada na rua. A mulher foi presa por dano qualificado contra o patrimônio público.
No mesmo dia, a juíza plantonista Tânia da Rosa concedeu liberdade provisória à mulher, mas com outras sanções: “comparecer mensalmente ao Juízo para informar e justificar suas atividades, além de não mudar de residência sem prévia comunicação ao Juízo, tudo sob pena de revogação do benefício ora concedido.”
 Tráfico leva mulheres aos presídios
Com papel secundário na pirâmide do tráfico de drogas, 68% das mulheres presas são acusadas de venda ilegal de narcóticos no Brasil. Foi o tráfico que impulsionou o encarceramento feminino e a lotação das penitenciárias.
Entre 2004 e 2014, a população feminina carcerária cresceu em 567,4% em todo o Brasil, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen – Mulheres). O aumento é o dobro do registrado em cadeias masculinas, de 220% no mesmo período. Apesar disso, os homens seguem sendo maioria absoluta nos presídios. No Rio Grande do Sul, eles representam 86% da população carcerária.“Elas traficam? Traficam. A maioria atua em tráfico de pequeno porte, não são grandes traficantes, não tem poder de mando. Aquelas que vendem umas petecas para depois poder comprar comida ou mesmo droga”, explica juíza da 2ª Vara de Execuções Criminais (Vec) de Porto Alegre, Patrícia Fraga Martins.
Fiscal no Madre Pelletier e na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, Patrícia disse que não conheceu nenhuma presa que exercesse a função de líder no tráfico. “O poder não tá nas mãos delas, não são elas que farão a diferença na hora da venda da droga ou de uma facção. Elas são as dispensáveis. Para o tráfico, são apenas peões.”
Por isso, na análise de especialistas, conceder a prisão domiciliar para essas mulheres não deve alterar a criminalidade no Estado. “Não vai ter impacto de forma alguma. Não estamos falando de pegar grandes líderes de facção e botar na rua. São pessoas que não farão diferença”, ressalta Patrícia.
O habeas corpus é apenas a liberdade provisória até que a detenta seja julgada. Caso se comprove o crime, o juiz emitirá a pena a ser cumprida. É uma forma de não condenar os filhos a ficarem longe da mãe enquanto a Justiça não define o futuro das mulheres.
 A decisão

 “Não restam dúvidas de que a segregação, seja nos presídios, seja em entidades de acolhimento institucional, terá grande probabilidade de causar dano irreversível e permanente às crianças filhas de mães presas”, ressaltou o ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do habeas corpus na Suprema Corte.
O ministro foi o relator da ação impetrada pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos. A prisão domiciliar foi aprovada por quatro votos contra um em sessão do Supremo Tribunal Federal, no dia 20 de fevereiro.O STF entendeu que os filhos “sofrem injustamente as consequências da prisão da mãe”, contrariando ao artigo 227 da Constituição que estabelece assegurar à criança “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária…”
O relator também destacou que as mulheres estão sujeitas a situações degradantes na prisão, “em especial privadas de cuidados médicos pré-natal e pós-parto”. Para muitas, a ação coletiva foi o único meio para ter acesso à Justiça. Lewandowski reconhece que o acesso à Justiça “sobretudo das mulheres presas e pobres (talvez um dos grupos mais oprimidos do Brasil)” é deficiente.
A decisão pelo habeas corpus, no entanto, está gerando diferentes interpretações. Uma vírgula em um dos trechos do despacho pode reduzir o número de detentas mães com a possibilidade de serem beneficiadas com a decisão.
Ao votar pela prisão domiciliar, Lewandowski destacou que não devem ter direito à prisão domiciliar as detentas que serão julgadas por “crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes…”. A vírgula entre as palavras “ameaça” e “contra” é que está gerando polêmica.
A Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre entende que as presas que tenham cometido crimes com violência ou grave ameaça contra qualquer pessoa não têm direito ao habeas corpus. Com isso, ao invés de 105 presas do Madre Pelletier que estão grávidas ou são mães de filhos de até 12 anos ou com deficiência, apenas 32 se enquadram em todos os requisitos.
“Entendo que essa vírgula na decisão acaba por excluir todos os crimes violentos ou de grave ameaça a qualquer pessoa, contra qualquer pessoa. Inclui-se aqui roubo, latrocínio, tentativa de homicídio, homicídio, sequestro. Crimes que não seriam objeto do habeas corpus”, explicou a juíza 1º Juizado da 2ª VEC de Porto Alegre, Patrícia Fraga Martins.
Já a Defensoria Pública interpreta a decisão de outra forma. Para Régis Augusto Martins Xavier, que atende presas do Madre Pelletier e de Guaíba, só estão excluídas da decisão aquelas mulheres que cometeram crime contra os próprios filhos. “(A vírgula) é erro de grafia”, argumentou.
Apesar da controvérsia, todas as grávidas e mães com filhos de até 12 anos terão o pedido de habeas corpus encaminhado para a Justiça. A Defensoria Pública e Vara Criminal estão apenas fazendo o levantamento dentro dos presídios para que o processo seja mais rápido. Depois, será de responsabilidade do juiz analisar cada caso e decidir o habeas corpus. Caso a prisão domiciliar seja negada, o magistrado precisará explicar sua decisão.
“Eu sofri” 

 Natália estava grávida de três meses de Luana, quando foi detida dentro de casa por tráfico de drogas, em 5 de agosto de 2017. “Eu sofri”, relembra com os olhos cheios de lágrimas. Ela disse que foi agredida no momento da prisão, ficou deitada no chão, foi algemada e revistada. “E meu pai avisando que eu era gestante”.
Natália conta ainda que na casa onde foi detida, estava o pai dela, de 79 anos, e três filhos: um de 12, que é deficiente físico, um de 7 e uma menina de 4. Após sua prisão, as crianças se separaram e foram para abrigos de acolhimento.A possibilidade do habeas corpus reascendeu a esperança de ver os filhos, que ainda não sabem do nascimento da irmã caçula. “Faz sete meses que não vejo eles”, contou, ansiosa por planejar uma nova vida fora da prisão: trabalhando e cuidado dos filhos. “Estou ansiosa, é uma boa oportunidade. Quero trabalhar, poder dar uma educação boa para meus filhos. Não dar o céu e a terra porque não tenho condições, mas dar uma vida melhor.”
Antes de ser presa, Natália trabalhava com reciclagem de lixo em Viamão. Natural de Porto Alegre, ela se mudou para a cidade vizinha para ficar com o pai. Comprou uma carroça e um cavalo e passou a recolher lixo na rua. O animal custou cerca de R$ 2 mil e ela ainda estava pagando por ele quando o equino foi roubado. “Faltavam R$ 270,00 para eu pagar tudo.”
Saindo da prisão, ela pretende vender a casa de Viamão e voltar para Porto Alegre, onde está a maioria de seus familiares. “Fica até mais fácil para o meu pai, porque ele tá com problema de saúde e aqui tem mais recurso”. O foco mesmo de Natália é retomar a vida para dar melhor assistência aos filhos. E ainda manda um recado para as outras mães: “As que estão na rua que são mães que procuram fazer o melhor para os filhos. Cadeia não leva a lugar nenhum”.

“Tô ansiosa para ver o resultado”
Durante a visita da reportagem à penitenciária Madre Pelletier, Lorenzo tinha apenas cinco dias. A pele ainda estava avermelhada e ele vestia um tip-top que havia ganhado de doação. As roupas e fraldas usadas pelas crianças, na maioria dos casos, são doadas. Nos braços da mãe, quase não dava para enxergar o pequeno bebê, que ficou três dias no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, após nascer de parto normal.
No início da tarde do último dia 28, ele tinha passado por atendimento médico. “Já engordou bastante”, comemorou a mãe Laura, de 21 anos. Lorenzo ainda precisava fazer o teste do pezinho, que, assim como a consulta, também seria realizado na penitenciária. “Tem assistência para nós quando éramos gestantes, e para eles. Mas não é a mesma coisa que estar na rua”.
Laura tem outros dois filhos – uma menina de 1 ano e 1 mês, e um menino, de 2 anos -, além de cinco irmãos mais novos. Todos moravam na mesma casa no Litoral Norte, junto com a mãe de Laura e o tio, portador de deficiência física. “Sem renda fixa, com cinco irmãos menores de idade, mais minha mãe e meus filhos, a gente não tinha condições para o Natal. Então eu achei que (tráfico de drogas) fosse um dinheiro rápido que eu ia conseguir para dar o Natal e o Ano-Novo para eles. Não deu certo”, contou.
Aos 21 anos, Laura foi para a cadeia pela primeira vez por tráfico. Detida no Litoral Norte, foi levada ao presídio de Torres, mas, devido à gravidez, foi transferida. Em 12 de janeiro, chegou ao Madre Pelletier, finalizou o pré-natal e, agora, cuida do filho.
A prioridade “é torcer para que o habeas corpus dê certo”. “Eu tô bem ansiosa para ver o resultado”, confessa. O primeiro plano, caso consiga ir para prisão domiciliar, é cuidar dos filhos e começar uma vida nova. A jovem pretende “fazer tudo diferente”. “É meu propósito com Deus. Disse que se ele me desse liberdade, até eu ser julgada, ia conseguir um emprego e ficar bem longe (do crime)”.
Laura pretende conseguir um emprego antes mesmo da data de seu julgamento. “Sei que é difícil conseguir algo estando fichada. Mas sempre tem alguma oportunidade”, disse, confiante. Entre os planos, está vender a casa no Litoral e voltar para a Capital, onde parte da família mora. “Minha mãe está esperando eu sair daqui para gente resolver o que fazer. Somos bem dependentes uma da outra. Ela não faz nada sem mim e eu não faço nada sem ela. Tô morrendo de saudade dela e dos meus dois filhos”, revela.
Mas enquanto a decisão não sai, as atenções são todas para Lorenzo. Eles passam os dias juntos. No Madre, as mães têm uma área específica para ficar com as crianças. “Aqui é ruim para ele”, comenta, ao olhar para filho. “Ele não tem culpa do que eu fiz e está preso aqui. Não sabe que está preso, mas eu vejo, eu sei que é ruim.”

“Tô esperançosa, mas com medo”
Fazia quase 30 graus em Porto Alegre naquela quarta-feira. Sentada em uma cadeira de plástico no pátio da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, Monique, 39 anos, segurava a barriga. Ela estava grávida de nove meses do Henrique. Por causa das dores causadas pelas fortes contrações, ela precisou tomar remédio na veia. O braço direito mostrava o curativo com esparadrapo feito na prisão. “Eu esperava que fosse hoje (que o filho fosse nascer)”, contou. Monique sentia contrações, mas ainda não tinha dilatação suficiente para realizar o parto.
Ela explicou que o médico achou prematuro fazer a cirurgia de cesariana com 40 semanas, então decidiram esperar completar 41 semanas e torcer pelo parto normal. “Estou apavorada, porque se tiver que fazer cesárea a recuperação é difícil”, revelou, protegendo a barriga com os braços.
Monique tem outros três filhos – de 22 anos, 18 e 11. Todos moravam com ela em Canoas. Faz três meses que está encarcerada. “Esse foi o maior tempo que fiquei longe”, disse. Mesmo quando os meninos iam para a casa do pai, ela ia visitá-los. Atualmente, o pai mora em outra cidade e não tem contato com os filhos.
Monique saia da lancheira onde trabalhava com mais duas pessoas e foi abordada por policiais em Canoas, na Região Metropolitana. Na época, estava grávida de Henrique fazia seis meses. “Eu não tinha nada quando me prenderam. Sempre fui trabalhadora e quero provar minha inocência”, disse.
Ela começou a fazer lanches no estabelecimento comercial após ficar grávida. Antes, trabalhava como cuidadora de idosos em um hospital da cidade. “Eu fazia plantões, aí por causa da gestação não me deixaram mais trabalhar. Tinha que fazer muita força e ainda tinha as bactérias do hospital. Como grávida tem imunidade baixa, tive que sair”, explicou.
Com Monique presa, as responsabilidades por pagar as contas e sustentar os irmãos ficou para o filho mais velho. “A gente paga aluguel, água, luz, comida e, agora, tem mais o material escolar”. O filho mais novo de Monique, de 11 anos, está estudando no 6º ano. “Na verdade, nem sei se ele passou de ano”, confessa.
Por morarem em outra cidade e terem renda baixa, os filhos não conseguem visitar a mãe. Apenas o mais velho vem uma vez por mês. “Eu só espero que quando meu filho nascer eu consiga estar com ele e os irmãos em casa. Bem longe desse ambiente, porque isso não é lugar para criança”.
Questionada sobre como recebeu a notícia do habeas corpus, ela logo diz: “Tô esperançosa, mas também tenho medo”. Além de cuidar dos filhos, ela quer acompanhar de perto o processo na Justiça do qual é suspeita de tráfico de drogas. “Quero correr atrás e provar minha inocência”.