
Às vésperas do início do recesso parlamentar, os deputados federais adentraram madrugada e aprovaram o projeto de lei 2159/21, nesta quinta-feira, que prevê, entre outras questões, um afrouxamento das normas que ditam o licenciamento ambiental.
Um desses itens previstos no texto, que agora vai para sanção presidencial, já rege no Rio Grande do Sul: o licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso, o chamada LAC. Na prática, a medida é um autolicenciamento feito pelos empreendedores em formato on-line para atividades de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor.
O autolicenciamento passou a ser permitido no Rio Grande do Sul em 2020, quando as mudanças no Código Ambiental propostas pelo Piratini, em 2019, foram aprovadas. Apesar disso, uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de maio passado, afastou a possibilidade de uso da LAC para empreendimentos de médio porte e os de médio potencial poluidor.
Agora, com a lei federal, o cenário no Rio Grande do Sul pode mudar – invalidando a decisão do Supremo. E caberá aos conselhos estaduais de meio ambiente a classificação do porte (pequeno ou médio) dessas atividades.
Assim, a ‘nacionalização da LAC’, por meio do PL aprovado na quinta-feira, somada a outros fatores como a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que autoriza a construção de obras classificadas como “estratégicas” pelo governo, mesmo que tenham alto potencial de degradação; as mudanças para mineração e a supressão de licenciamento para as atividades agrícolas e de saneamento, tornam a legislação ambiental federal mais permissiva que a gaúcha.
Com isso, entidades ambientais olham com temor para o futuro caso a lei seja sancionada na sua integralidade e especialistas em direito ambiental vislumbram um aumento das demandas jurídicas, um contraponto ao argumento daqueles favoráveis ao PL.
“Licenciar não é só autorizar ou não autorizar uma determinada atividade. É autorizar colocando condições, dizendo que para essa atividade funcionar, tem que ter determinadas condições. Quando a gente suprime isso e a gente cria figuras como essa da licença ambiental única, que suprime essas três etapas (previstas no licenciamento tradicional), isso fragiliza muito a proteção ambiental”, explicou Patrícia Layer, juíza da Vara Regional Ambiental e coordenadora do Ecojus, unidade ambiental do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
Justamente por isso, a juíza acredita que com a ausência desses processos tradicionais, como as audiências públicas, a tendência é de que essa população recorra ao Judiciário para tentar resolver questões que não puderam ser expressas. Para Patrícia, o cenário fica ainda pior quando o dano ambiental já está posto e é preciso entrar com recurso. “Ai vamos ter ações de indenização que vão demorar anos”, lamenta.
Assim, inevitavelmente, em alguns casos, ocorrerá o inverso daquilo que foi vendido como o objetivo da lei: ao invés de acelerar o processo de construção, ficará mais demorado, em função dos embargos judiciais.
Um exemplo na prática é o próprio projeto de lei. Ambientalistas estudam entrar com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) para tentar barrar o texto, adiantou o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda.
Uma vez que o capítulo do Meio Ambiente na Constituição é pétreo, ou seja, só pode ser alterado por meio de uma Assembleia Constituinte, o argumento é de que o texto aprovado na Câmara tenta passar por cima do que dita a Constituição. Nos estados, projetos isolados devem ser cada vez mais contestados, “isso gera uma insegurança jurídica para o empreendedor e para o investidor”, avaliou Heverton.
“Mais do que apenas o conteúdo da norma, me incomoda bastante o discurso subjacente que tem por trás. Pensar em economia hoje sem pensar em meio ambiente não me parece fazer nenhum sentido. Têm vários instrumentos ambientais que estão ali justamente para proteger os negócios e as pessoas. Quando falamos de uma área de preservação permanente, estamos falando de um local que tem risco de enchente, de desabamento. Não estou querendo que as atividades ou as pessoas permaneçam ali, estou querendo protegê-las. Se a gente está falando em análise de risco, o risco também é para o empreendedor”, complementou Patrícia.
O meio para conquistar a celeridade almejada entre aqueles que defendem a matéria e manter a preservação e cuidado com o meio ambiente, indica a juíza, é o fortalecimento dos órgãos ambientais, aumentando, assim, a capacidade de fiscalização e tornando mais ágeis os processos de licenciamento, sem regredir na legislação ambiental, peça que, em outro momento, foi motivo de admiração internacional.
Além disso, a especialista aponta outro possível problema: uma “guerra ambiental” entre os Estados. Nos mesmos moldes da guerra tributária, em que cada ente federativo altera sua legislação tributária a fim de se tornar mais atrativo para investimentos, Patrícia acredita que isso também pode acontecer no que tange as leis ambientais, ocasionando cada vez mais flexibilizações.
Diante desse cenário, Heverton acredita que um sentimento de “liberou geral” deverá aflorar. “A falta de cuidado técnico e científico sobre a nossa biodiversidade vai ser muito maior. Porque é muito mais fácil implementar um projeto que degrada a natureza a partir do momento que a legislação está enfraquecida e fragilizada”, lamentou, recordando que o PL aprovado em Brasília não é um movimento isolado. Partiu de uma série de ações, incluindo pressão de terminados setores, dentro dos estados, até chegar no Congresso.
Por isso, a expectativa é de que o presidente Lula (PT), principalmente através das recomendações da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, vete, pelo menos alguns dos artigos do texto. “É expectativa no tom de esperança”, finalizou.
Fonte: Flávia Simões / Correio do Povo