
Ocupado em junho de 2024 visando oferecer assistência para vítimas das enchentes de maio, o prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), localizado na avenida Borges de Medeiros, no Centro Histórico de Porto Alegre, permanece abrigando pelo menos 30 famílias – cerca de 100 pessoas. O edifício de 26 andares, após anos de inatividade, é sede da ocupação Maria da Conceição Tavares, liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). O movimento e os moradores buscam negociar com o governo federal a destinação do imóvel para programa de habitação social, preferencialmente a modalidade do Minha Casa, Minha Vida Entidades.
Segundo Caio Belloni de Almeida, coordenador estadual do MTST e liderança da ocupação, desde o início o movimento tem dialogado com o governo federal, visando a construção de pelo menos 200 unidades de moradia e a realização de um retrofit no prédio. Ainda, defende que a luta do movimento é legítima, e vai permanecer “enquanto tiver um trabalhador sem casa”.
A Superintendência Regional Sul do INSS informou que o imóvel ocupado pertence ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social (FRGPS) e, por isso, legalmente não pode ser doado a terceiros. A finalidade do fundo, gerido pelo INSS, é de garantir o pagamento de benefícios previdenciários, sendo o principal a aposentadoria. Porém, diante desse cenário, o MTST tem tentado negociações com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e com o INSS para destinação à moradia social, por meio da lei nº 13.240, de 2022. Um dos artigos, incluído pela Lei nº 14.474, aponta que a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União poderá opinar tecnicamente pela inviabilidade de alienação onerosa de imóvel sob sua gestão, nos casos em que se caracterizar como “bem de uso comum do povo” ou que tiver a ocupação consolidada por assentamentos informais de baixa renda.
Porém, ainda segundo a nota da Superintendência, há um impedimento sobre o marco legal, já que a ocupação não estava consolidada na data de publicação da referida lei – o que está sendo motivo de tratativas entre os órgãos federais para reverter. “Há ainda discussões e tratativas para alteração da legislação, que possibilitem inclusão de imóveis ocupados para destinação social com custo zero do imóvel para a SPU”, afirmou a nota.
Há algumas semanas, o presidente do INSS, procurador federal Gilberto Waller Júnior, visitou a ocupação durante agenda em Porto Alegre. Segundo Caio, o presidente afirmou que trabalharia no “que tiver ao alcance” dele para que a ocupação vire moradia popular. Caio defende que, pela Constituição Federal, todo imóvel precisa cumprir a função social da propriedade, e que a população precisa ter condições de acessar o centro da cidade.
“A gente precisa trazer o povo trabalhador para o centro da cidade. Hoje em Porto Alegre, a cada três prédios, um está desocupado, favorecendo a especulação imobiliária e o esvaziamento do centro. A gente entende que há necessidade de dar direito ao centro da cidade o povo trabalhador. Com essa ideia, sabendo que nós poderíamos resolver o problema da habitação em Porto Alegre, se utilizássemos esses prédios que estão desocupados, com certeza em Porto Alegre nós não teríamos mais tantas pessoas sem casa”, diz.
O superintendente Regional Sul do INSS, Alberto Alegre, comentou sobre a situação do prédio em cerimônia de regularização do imóvel da unidade de saúde Santa Marta, que era do INSS, à prefeitura na última sexta-feira. Na fala do superintendente, ele afirmou que existem muitos prédios pertencentes ao Regime Geral de Previdência, e que não são da União. “A gente tem que constitucionalmente ter um cuidado diferente. Se eu chegar lá hoje e fazer a reintegração de posse, conforme as instruções dizem, e a gente está fazendo toda uma tratativa judicial, o que a gente vai fazer com aquele prédio?”, disse Alegre. Ele defendeu a necessidade de dar celeridade aos processos de desfazimento desses imóveis e deixar “para quem de direito” fazer os reconhecimentos, e dar a devida destinação.
Movimento busca um retrofit para o prédio com 200 unidades de moradia
Por enquanto, apesar de estar havendo tratativas, ainda não há um encaminhamento definitivo para a obtenção do prédio pelo MTST. Os planos para o imóvel envolvem a construção de 200 unidades para moradia por meio de programas do governo federal como o Minha Casa, Minha Vida Entidades e de fazer a remodelação no prédio por meio de retrofit. “A gente entende que se reciclar os prédios, a gente evita a retirada de areia, cimento, alumínio, fazendo com que se tenha menos degradação do meio ambiente”, afirma Caio, que acrescentou que desde o início da ocupação foi solicitado um laudo estrutural do prédio e a garantia da segurança dele.
“A gente tem todos os processos e laudos que mostram que, sim, esse prédio pode ser habitável”, diz. “Hoje nós ocupamos somente dois andares do prédio, justamente por entendermos que precisamos dar segurança e qualidade de vida aos nossos moradores”, complementa. Ele garante que as crianças que moram na ocupação têm acompanhamento do Conselho Tutelar e que realizam atividades de contraturno, além de irem à escola. “Nós temos acompanhamento do Conselho Tutelar. Todas as crianças que moram na ocupação estão na escola. É uma regra do movimento. Dentro da ocupação nós temos espaços lúdicos, justamente para contrapor o horário das crianças na escola. A gente tem um cuidado muito grande com todas as crianças e com todos os moradores da da ocupação”, afirma.
O projeto de lei que criminaliza ocupações e restringe direitos a integrantes de movimentos sociais de luta pela moradia, protocolado pela vereadora comandante Nádia (PL), foi discutido na Câmara de Vereadores na última semana e adiado novamente. Para Caio, a criminalização de ocupações é inconstitucional. “Entendemos que a sociedade acaba por criminalizar aquilo que não entende. Dentro da própria Constituição, diz que todo trabalhador que não tem condições de ter a sua casa, é obrigação e dever do Estado fornecer ela, dentro das condições que ele possa pagar. Na mesma Constituição também diz que os imóveis que não cumprem a função social da propriedade devem cumpri-la”, afirma.
Ele defende que uma ocupação é legítima. “Ao contrário de uma invasão. Uma invasão é quando tu invades a casa de alguém, um espaço que está sendo utilizado, que tem uma função social. As ocupações não são feitas em espaços que cumprem a função social da propriedade”, diz.
Fonte: Correio do Povo