Os pais do homem com esquizofrenia que morreu ao ser baleado durante um atendimento da Brigada Militar na zona Norte de Porto Alegre afirmam que os policiais que atuaram na ocorrência eram despreparados. De acordo com eles, o filho Hérick Cristian da Silva Vargas, de 29 anos, havia tido um surto psiquiátrico, mas estava mais calmo quando a guarnição chegou ao local. A família considera que a situação tomou contornos violentos por causa da maneira com que o rapaz foi abordado.
Hérick morava com os pais em uma casa no bairro Parque Santa Fé. Na tarde de 15 de setembro, dois PMs encontraram o rapaz sentado no chão do quarto quando chegaram ao local.
“Foi um processo despreparado e sem humanidade. Não foi um atendimento humano, foi radical. Ao invés de conversar, os policiais vieram com parte de intimidação. Ele já estava contido, mas como foi tudo muito ameaçador, se sentiu acuado. Isso acabou desencadeando uma reação nele”, lamentou o pai, Paulo Ricardo Vargas.
Ao contrário do que diz a BM, Paulo Ricardo aponta que o filho não foi baleado nenhuma vez na perna, e sim alvejado no tórax e no rosto. “A certidão de óbito afirma morte violenta. Meu filho morreu com quatro tiros à queima-roupa no abdômen e rosto. Foi sem chance de defesa e para matar sem aviso.”
Paulo Ricardo também alega que disparos de pistola foram desferidos por uma policial que não estava sendo atacada. A família pretende adotar medidas judiciais após a tragédia.
“Os PMs poderiam ter utilizado força física na contenção. A policial disparou a arma enquanto observava o outro, mas ela não havia sido atacada. A BM tem um juramento à manutenção da ordem pública e à segurança da comunidade, mesmo com o risco da própria vida. Mas não foi isso que os policiais fizeram. Eles o intimidaram e coagiram”, desabafou.
Evolmara Vargas, mãe de Hérick, destaca que a família chamou os policiais para uma ocorrência de surto psiquiátrico, e não de violência doméstica nem Lei Maria da Penha, ao contrário do que diz a BM. Ela ainda relata que o filho já estava mais calmo quando os PMs chegaram, mas teria se sentido ameaçado quando um deles insinuou que utilizaria a arma de choque contra ele.
“O Hérick estava sentado, já mais calmo. Ele pegou nas minhas mãos e me pediu desculpas, estava saindo do pico de surto psiquiátrico. Acontece que os policiais chegaram com armas de choque em punho, e isso o deixou impactado. Ele então perguntou a um dos PMs se o taser seria utilizado, e a resposta foi que ‘sim, caso necessário’. A partira daí, o Hérick ficou estressado e se levantou para empurrar ele”, disse a mãe.
Evolmara Vargas reforça que o filho estava desarmado. Ela também declara que nenhum dos policiais ficaram feridos na ocorrência e que eles utilizaram a arma de fogo após se desesperarem com a reação de Hérick.
“Mataram meu filho como se ele fosse um marginal. Todos os quatro disparos que ele sofreu foram fatais. O Hérick foi assassinado dentro de casa. Ele não tinha nada nas mãos, apenas deu empurrões nos policiais, que se desesperaram. Não precisavam ter utilizado armas de fogo”, pranteou a mãe.
Leia a nota de repúdio do Fórum Gaúcho de Saúde Mental
O assassinato de Herick, jovem de 29 anos diagnosticado com esquizofrenia, baleado pela Brigada Militar em meio a uma crise em Porto Alegre no dia 15 de setembro de 2025, revela com brutal clareza a face mais cruel da política de segurança que insiste em tratar o sofrimento psíquico como caso de polícia. A morte covarde não pode ser normalizada nem relativizada: ela é resultado direto da ausência de protocolos de cuidado, da negligência do Estado em investir em serviços substitutivos e da falência de uma rede de atenção psicossocial que deveria acolher e não exterminar vidas.
Cada bala disparada contra alguém em crise é uma sentença contra a luta antimanicomial, porque reafirma a lógica manicomial que reduz pessoas a perigos a serem contidos pela força, em vez de cidadãos a serem cuidados com dignidade. Não é aceitável que diante de um surto psiquiátrico, a resposta imediata seja a violência armada, quando deveria ser o acionamento de equipes de saúde preparadas para agir com acolhimento, contenção adequada e escuta qualificada. O Estado falhou com Herick, falhou com sua família que presenciou a cena de horror e falha diariamente com milhares de pessoas que vivem em sofrimento psíquico sem acesso real a CAPS fortalecidos, a equipes de crise e a uma rede de apoio comunitário eficaz.
Esse caso é um retrato das escolhas políticas que priorizam a militarização e o controle em detrimento do cuidado e da vida. O Fórum Gaúcho de Saúde Mental denuncia esse crime como uma violação de direitos humanos e como expressão da barbárie manicomial que persiste, ainda que disfarçada em discursos de modernização. Defendemos justiça para Herick, reparação para sua família e, sobretudo, a responsabilização do poder público que tem se mostrado cúmplice ao não garantir protocolos seguros e ao permitir que vidas sejam ceifadas pela incapacidade do Estado de articular saúde e segurança de forma humanizada. É urgente fortalecer a rede de atenção psicossocial, ampliar CAPS e consolidar práticas de educação permanente junto às equipes de saúde e emergências, retirando da polícia o protagonismo em situações de crise.
Seguiremos denunciando que manicômio não é apenas o prédio com grades e celas, mas também a prática de excluir, reprimir e matar em vez de cuidar. A luta antimanicomial se levanta diante da memória de Herick e de tantos outros que tiveram suas vidas interrompidas pelo descaso estatal. Não aceitaremos que a morte seja a resposta para o sofrimento psíquico. Nossa voz permanece firme: por uma sociedade sem manicômios, por cuidado em liberdade, por justiça e por vida. Nossa solidariedade à família, aos amigos e técnicos que acompanhavam o caso.
O que diz a BM
Na tarde desta segunda-feira (15/09), policiais militares do 20º Batalhão de Polícia Militar (20º BPM) atenderam uma ocorrência de violência doméstica no bairro Parque Santa Fé, em Porto Alegre.
No local, a mãe relatou que seu filho, de 29 anos, era esquizofrênico, teria feito uso de cocaína e estava agressivo, tendo a agredido e ameaçando tirar a própria vida. A equipe tentou conter a situação por meio da verbalização e com dois disparos de arma de incapacitação neuromuscular (TASER), que não surtiram efeito.
O indivíduo continuou investindo contra os policiais. Diante da gravidade da ação e não sendo possível conter o indivíduo por meio da verbalização nem da arma de incapacitação neuromuscular, foi feito o emprego de arma de fogo. O indivíduo foi atingido.
Foi acionado o SAMU de imediato, mas homem veio a óbito no local. Um policial militar sofreu ferimentos durante a ação.
A ocorrência foi registrada com o uso de câmeras operacionais portáteis e os fatos já estão sendo apurados pelas autoridades competentes. De imediato foi instaurado o devido Inquérito Policial Militar para investigação minuciosa da ocorrência. A área foi isolada para os trabalhos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) e da Polícia Civil.
Fonte: Marcel Horowitz / Correio do Povo