
A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) retomou na manhã desta terça-feira (9) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus do chamado núcleo 1 da trama golpista.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, começou com a análise das preliminares. A previsão é de que a leitura do relatório e o voto dele durem três horas.
Já no fim de seu voto, ele resumiu o caso dizendo que “o Brasil quase volta a uma ditadura que durou 20 anos, porque uma organização criminosa constituída por um grupo político não sabe perder eleições”.
“Uma organização criminosa, constituída por um grupo político liderado por Jair Bolsonaro, não sabe que é um princípio democrático e republicano a alternância de poder. Não tenta se manter utilizando órgãos do Estado, não tenta se manter agindo, ameaçando gravemente, deslegitimando o Poder Judiciário do seu país e a Justiça Eleitoral. Não tenta se manter com bombas em aeroportos”, apontou.
No início, Moraes afirmou que a estratégia de investigação da Polícia Federal, “mais correta ou menos correta”, não anula a delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
“Beira à litigância de ma-fé dizer que os oito depoimentos da colaboração premiada foram contraditórios”, apontou o relator, contrariando uma das principais questões levantadas pelas defesas dos réus. E validou a delação.
A partir daí, Moraes se dedicou a refutar as colocações dos advogados. Uma delas dizia respeito às perguntas feitas pelo próprio Moraes durante o processo. E afirmou que o juiz não tem que ser uma “samambaia jurídica”.
“A ideia de que o juiz tem que ser uma ‘samambaia jurídica’ durante o processo não tem nenhuma ligação com o sistema acusatório. Isso é uma alegação esdrúxula. E mais, não cabe a nenhum advogado censurar o magistrado dizendo o número de perguntas que ele deve fazer. Há argumentos jurídicos muito mais importantes do que ficar contando o número de perguntas que alguém fez”, argumentou.
Cerceamento da defesa
Sobre o cerceamento da defesa, Moraes apontou que “absolutamente todas” as provas estão no processo desde o início e os advogados tiveram total acesso. “Por 4 meses nenhuma defesa juntou um único documento importante ao processo. Agora são 5 meses já e não houve por parte das defesas nenhuma juntada [de documentos]”.
Na discussão do mérito, o relatou afirmou que a discussão não era se houve ou não tentativa de golpe, mas a autoria. “A organização criminosa praticou vários atos executórios para atentar contra o Estado de Direito”, apontou, em contraponto aos “atos preparatórios” que a defesa alega: os réus não teriam passado da preparação e desistiram do golpe.
Passou, então, a expôr as provas e as colocações da acusação e das defesas. O primeiro ponto abordado é o uso de órgãos públicos para monitorar adversários políticos e as ações destinadas a desacreditar a Justiça Eleitoral e o resultado das eleições de 2022.
“Além de tentar afastar totalmente o sistema de freios e contrapesos e o livre exercício do Poder Judiciário em suas competências constitucionais, a organização criminosa também iniciou a execução desses atos para perpetuar-se no poder”, acusou.
Segundo Moraes, houve um procedimento de deslegitimação do que ele chamou de “patrimônio nacional e motivo de grande orgulho do Brasil: as urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral e as eleições livres e periódicas desde a redemocratização”.
‘Anotações golpistas’
Ele enumerou a utilização da Abin e do GSI, entre outros órgãos, para estruturar, criar e divulgar uma “narrativa mentirosa, que ameaçava a integridade da Justiça Eleitoral.”
“Não é razoável achar normal que um general, quatro estrelas e ministro do GSI, tenha uma agenda com anotações golpistas, uma agenda com atos executórios para deslegitimar as eleições, para deslegitimar o poder judiciário e para se perpetuar o poder. Eu não consigo entender como alguém pode achar normal, numa democracia em pleno século 21, uma agenda golpista”, continuou.
Moraes também falou sobre mensagens de Alexandre Ramagem, diretor da Abin, para Bolsonaro sobre fraudes nas urnas — falando que elas já estavam em descrédito, assim como o STF. “Não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro. Isso é uma mensagem do diretor da Abin para o então presidente da República”, discursou.
O relatou citou lives, reuniões e depoimentos para mostrar a estratégia da organização, as milícias digitais, de divulgar fake news que traziam, por exemplo, a vulnerabilidade das urnas, ausência de legitimidade e fraude nas eleições. E ainda influenciar as Forças Armadas para tomar um lado.
“No Brasil, sempre que as Forças Armadas defenderam um grupo político que se dizia representante do povo, tivemos um golpe, um estado de exceção, uma ditadura. Aqui já se mostrava claramente o andamento dos atos executórios do golpe de Estado”, analisou Moraes.
‘Líder do grupo criminoso’
O relator dedicou uma parte do voto para acusar Bolsonaro como “líder do grupo criminoso”. Citou, principalmente, o discurso do dia 7 de setembro de 2021, “quando Bolsonaro falou que só deixaria a cadeira presidencial morto preso ou com a vitória”.
“O líder do grupo criminoso deixa claro aqui, de viva voz, de forma pública para toda a sociedade, que jamais aceitaria uma derrota”, lembrou.
“Isso não é conversa de bar. Não é alguém no clube conversando com um amigo. Isso é o presidente da República, no 7 de setembro, data da Independência do Brasil, instigando milhares de pessoas contra o Supremo Tribunal Federal, contra o Poder Judiciário e especificamente contra um ministro do STF.
Moraes lembrou da reunião com embaixadores e a reunião ministerial de 5 de julho de 2022, com a presença, inclusive, de comandantes das Forças Armadas. O que, segundo o relator, não é comum em reuniões assim.
“Não há confissão maior de unidade de desígnios para os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República. Jair Bolsonaro, numa mesma reunião, fala em guerra. Anderson Torres diz que está preparando uma equipe da Polícia Federal para atuar de forma mais incisiva. Paulo Sérgio afirma que está na linha de frente contra os inimigos. Augusto Heleno declara que, se tiver que ‘dar um soco na mesa’ ou ‘virar a mesa’, será antes das eleições”, enumerou.
Sobre o encontro com embaixadores, Moraes definiu como “um dos momentos de maior entreguismo nacional ou tentativa de entreguismo nacional. Mas, na verdade, os últimos acontecimentos demonstram que essa reunião foi só preparatória para uma tentativa de retorno à posição de colônia brasileira, só que não mais em Portugal”.
Ainda no início da leitura, o ministro Luiz Fux interrompeu Moraes e avisou que voltaria às preliminares, um indicativo que discordará de aspectos indicados pelo relator. Moraes, por sua vez, lembrou que as preliminares foram votadas com resultado unânime. Fux destacou: “Isso no recebimento da denúncia”.
Moraes citou o relatório das Forças Armadas sobre as urnas, dizendo que elas não tinham problema, e a nota do Ministério da Defesa tentando esconder essa informação. Lembrou da tentativa de fazer a Polícia Rodoviária Federal obstruir estradas, assim como o pedido do PL de anular os votos de 48% das urnas no segundo turno: “Má-fé”, afirmou.
E também o que ele chamou de “atos violentíssimos após o 2º turno”, como o ataque à sede da PF em Brasília e a ameaça de bomba no aeroporto da capital.
Punhal Verde e Amarelo e minuta
Ao falar da operação Punhal Verde e Amarelo, Moraes afirmou que não era possível “normalizar” a ameaça de matar o presidente do TSE (ele mesmo), o presidente e o vice eleitos. E novamente citou a ditadura militar. “As pessoas morriam. As pessoas eram mortas. Não é possível normalizar e permitir o retorno a esses momentos obscuros da história que já vivemos.”
Moraes também afirmou que existem provas fartas do planejamento, além de chamar atenção para o uso de armamento pesado de forças especiais do Exército. Disse que o general Mário Fernandes imprimiu em 9 de novembro o documento do Punhal Verde e Amarelo, no Palácio do Planalto. Na mesma data, se dirigiu ao Palácio do Alvorada para conversar com o então presidente.
“Não é crível, não é razoável, achar que Mário Fernandes imprimiu no Palácio do Planalto, se dirigiu ao Palácio do Alvorada, onde lá estava o presidente, ficou uma hora e seis minutos e fez barquinho de papel com a impressão do Punhal Verde e Amarelo É ridicularizar a inteligência do tribunal”, ironizou.
Para Moraes, o conhecimento e a anuência de Jair Bolsonaro sobre o plano de neutralização de autoridades públicas brasileiras, impresso e entregue, e das oportunidades em que ele participou de reuniões, foi corroborado pelo áudio enviado pelo próprio general Mário Fernandes ao réu colaborador Mauro César Barbosa, afirmando que qualquer ação poderia ser feita até 31 de dezembro de 2022.
“Veja: não há prova mais cabal, além das duas reuniões e das impressões entregues a todos os participantes, que o áudio foi gravado pelo general Mário Fernandes e enviado a Mauro Cid”, opinou.
Moraes também afirmou que existem provas fartas do planejamento, além de chamar atenção para o uso de armamento pesado de forças especiais do Exército. Disse que o general Mário Fernandes imprimiu em 9 de novembro o documento do Punhal Verde e Amarelo, no Palácio do Planalto. Na mesma data, se dirigiu ao Palácio do Alvorada para conversar com o então presidente.
“Não é crível, não é razoável, achar que Mário Fernandes imprimiu no Palácio do Planalto, se dirigiu ao Palácio do Alvorada, onde lá estava o presidente, ficou uma hora e seis minutos e fez barquinho de papel com a impressão do Punhal Verde e Amarelo É ridicularizar a inteligência do tribunal”, ironizou.
Para Moraes, o conhecimento e a anuência de Jair Bolsonaro sobre o plano de neutralização de autoridades públicas brasileiras, impresso e entregue, e das oportunidades em que ele participou de reuniões, foi corroborado pelo áudio enviado pelo próprio general Mário Fernandes ao réu colaborador Mauro César Barbosa, afirmando que qualquer ação poderia ser feita até 31 de dezembro de 2022.
“Veja: não há prova mais cabal, além das duas reuniões e das impressões entregues a todos os participantes, que o áudio foi gravado pelo general Mário Fernandes e enviado a Mauro Cid”, opinou.
Clima e advogado de Bolsonaro
O plenário para o julgamento histórico estava completamente lotado, principalmente pela imprensa nacional e órgãos estrangeiros. Fotógrafos e cinegrafistas tiveram a oportunidade de fazer registros antes da sessão e depois saíram.
Antes do início da sessão, a defesa de Bolsonaro falou com a imprensa e confirmou que o ex-presidente não comparecerá na retomada do julgamento.
Na avaliação do advogado Paulo Cunha Bueno, “se o julgamento for estritamente jurídico, [Bolsonaro] não tem como ser condenado”.
Votos
A partir desta terça, os ministros começam a ler os votos sobre o caso. Ou seja, eles passam a avaliar o mérito da questão e se os réus devem ou não ser condenados, além de estabelecerem as penas.
A maioria do grupo responde a cinco crimes. Se forem condenados, podem pegar até 43 anos de prisão.
O primeiro a falar foi o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Ele será seguido por Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por fim, Cristiano Zanin.
Em caso de condenação, as prisões não serão automáticas, pois as defesas podem solicitar recursos.
Após a fase dos recursos, se as condenações forem mantidas, os réus podem ser presos em alas especiais de presídios ou ficar em dependências das Forças Armadas.
Perguntas e Respostas
Qual é o tema principal do julgamento que está ocorrendo no STF?
A Primeira Turma do STF está julgando o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus envolvidos na trama golpista, com foco na análise das preliminares do caso.
O que disse o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, sobre a situação do Brasil?
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que “o Brasil quase volta a uma ditadura que durou 20 anos”, destacando que uma organização criminosa, liderada por Jair Bolsonaro, não aceita a alternância de poder e tenta deslegitimar o Poder Judiciário e a Justiça Eleitoral.
Como Moraes defendeu a validade das provas apresentadas no julgamento?
Moraes refutou alegações de que os depoimentos da colaboração premiada de Mauro Cid foram contraditórios, afirmando que a estratégia de investigação da Polícia Federal não anula a delação e que as defesas não apresentaram documentos relevantes ao longo do processo.
Qual foi a posição de Moraes sobre o papel do juiz durante o processo?
Ele argumentou que o juiz não deve ser uma “samambaia jurídica” e que não cabe aos advogados censurar o número de perguntas feitas pelo magistrado, enfatizando que existem argumentos jurídicos mais importantes a serem considerados.
O que Moraes disse sobre a tentativa de golpe e a autoria dos atos?
O relator afirmou que a discussão não é se houve tentativa de golpe, mas sim sobre a autoria, destacando que a organização criminosa praticou atos executórios que atentaram contra o Estado de Direito.
Quais foram as acusações feitas por Moraes em relação ao uso de órgãos públicos?
Moraes acusou a organização criminosa de usar órgãos públicos para monitorar adversários políticos e desacreditar a Justiça Eleitoral, além de tentar se perpetuar no poder através de atos que ameaçavam a integridade das instituições democráticas.
Como Moraes caracterizou a agenda de um general do GSI?
Ele criticou a normalidade de um general do GSI ter uma agenda com anotações golpistas, afirmando que isso não é aceitável em uma democracia no século 21.
Quais foram as evidências apresentadas por Moraes sobre a estratégia de deslegitimação das urnas eletrônicas?
Moraes citou mensagens do diretor da Abin para Bolsonaro sobre fraudes nas urnas e destacou a disseminação de fake news que questionavam a legitimidade das eleições, além de tentativas de influenciar as Forças Armadas.
Qual foi a posição de Moraes em relação ao discurso de Bolsonaro no 7 de setembro de 2021?
Moraes considerou o discurso de Bolsonaro, onde ele afirmou que não aceitaria uma derrota, como uma clara instigação contra o Supremo Tribunal Federal e o Poder Judiciário.
O que foi mencionado sobre as reuniões com embaixadores e a presença de comandantes das Forças Armadas?
Moraes descreveu a reunião com embaixadores como um momento de “entreguismo nacional” e destacou que a presença de comandantes das Forças Armadas em reuniões ministeriais não é comum.
Qual é o próximo passo no julgamento após a leitura dos votos?
Após a leitura dos votos, os ministros avaliarão o mérito da questão e decidirão se os réus devem ser condenados, podendo enfrentar penas de até 43 anos de prisão se condenados.
Fonte: R7