
O Juiz de Direito Thiago Notari Bertoncello, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, concedeu parcialmente, na tarde desta sexta-feira, os pedidos feitos pela Defensoria Pública do Estado em ação civil pública movida contra o Município de Porto Alegre, a Pousada Garoa e o proprietário do estabelecimento. Em abril do ano passado, um incêndio em uma das unidades do estabelecimento, localizado nas imediações da Estação Rodoviária da Capital, matou 11 pessoas e deixou pelo menos 15 feridos.
Na decisão liminar desta tarde, o magistrado reconheceu que as medidas adotadas até o momento pelos agentes públicos municipais não têm sido suficientes para garantir às vítimas, especialmente àquelas em situação de rua, condições adequadas para superar os danos sofridos e evitar o retorno à situação de desamparo social ou de saúde.
Ressaltou que, em regra, não cabe ao Judiciário impor diretamente a adoção de políticas públicas, mas sim determinar que o Executivo apresente planos e meios para alcançar os resultados necessários à proteção dos direitos fundamentais. Mas que, diante da gravidade da situação e da deficiência dos serviços públicos, entendeu ser legítima a intervenção do Judiciário para assegurar a efetivação dos direitos das vítimas. Com isso, o Município de Porto Alegre deverá cumprir as seguintes determinações:
- a apresentação, no prazo de 20 dias úteis, plano individualizado para disponibilização de moradia digna e segura (não provisória ou em albergues) a todas as vítimas sobreviventes do incêndio identificadas; e para atendimento a todas as vítimas sobreviventes do incêndio da unidade da Pousada Garoa da Avenida Farrapos, com detalhamento sobre a situação atual de moradia, saúde física e mental e medidas de reintegração social;
- a avaliação do Programa Moradia Cidadã, objeto da Portaria nº 453/2024, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, com a conclusão se é viável ou não a sua implementação com a prestação de informações nestes autos sobre os motivos para a decisão, no prazo de 20 dias úteis, devendo, em caso de o resultado da avaliação for a adesão ao Programa, adotar todas as providências e medidas necessárias à sua implementação com a devida prestação de contas nestes autos a cada etapa concluída de acordo com a Cartilha disponível no site do Governo Federal;
- providenciar, em até 15 dias úteis: o acesso a atendimento psicológico e psiquiátrico especializado, com agendamento prioritário, para todas as vítimas identificadas que assim desejarem; e o acompanhamento psicossocial continuado por equipe multiprofissional da rede de proteção social, para todas as vítimas identificadas;
- remeter mensalmente relatórios circunstanciados nestes autos, contendo a evolução das medidas efetivadas, com identificação nominal das vítimas e descrição dos atendimentos realizados, até o dia 5 de cada mês, prorrogável ao próximo dia útil em caso de o dia 5 ser dia não útil.
Caso
A ação foi motivada pelo incêndio ocorrido em abril de 2024 em uma das unidades da Pousada, que mantinha contrato com o poder público, por meio da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), para acolhimento de pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade extrema.
A Defensoria Pública pede indenizações coletivas e individuais para as vítimas e familiares. Solicita que os réus sejam condenados ao pagamento de R$ 10,1 milhões ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (FECON/RS); à indenização individualizada aos familiares das vítimas fatais, em valor não inferior a 400 salários mínimos por evento morte; à indenização individualizada das vítimas sobreviventes por danos psicológicos, em valor não inferior a R$ 50 mil por pessoa; e à indenização por danos existenciais, também em valor não inferior a R$ 50 mil por pessoa.
Liminar
O Juiz destacou que o ponto central da decisão é garantir o atendimento adequado às pessoas atingidas pela tragédia, em especial àquelas que utilizavam o serviço de hospedagem da unidade incendiada e que se encontravam em situação de rua. Ressaltou que, sem atendimento psicológico eficaz, a adesão dessa população aos serviços socioassistenciais fica prejudicada, justificando a intervenção do Poder Judiciário para assegurar direitos fundamentais.
Reconheceu indícios de responsabilidade solidária dos réus (Município e Pousada), principalmente por omissão no dever de fiscalização das condições de segurança e salubridade do local, que era credenciado pelo poder público para acolher pessoas em situação de vulnerabilidade social. E também admitiu o processamento do pedido para que o patrimônio do sócio da Pousada Garoa possa ser atingido, caso fique comprovado que a empresa não tem condições de arcar com as indenizações.
Sobre os pedidos de indenizações, o magistrado observou que os valores pretendidos pela Defensoria são elevados e que a empresa responsável pela pousada, por ser enquadrada como microempresa, não teria condições financeiras para arcar com os custos. Ele também apontou indícios de prática de ato culposo grave por parte do sócio-administrador da pousada, conforme relatório acostado pela Polícia Civil e demais elementos probatórios.
Fonte: Correio do Povo