
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira (4) a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, em razão do descumprimento de medidas cautelares impostas pela Corte.
A decisão gerou controvérsia no meio jurídico. Parte dos especialistas considera a medida necessária; outros apontam irregularidades desde o início da investigação.
A ordem foi expedida no âmbito da Petição 14129, instaurada para apurar possíveis crimes como coação, obstrução de investigações e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Guilherme Barcelos, doutor em Direito Constitucional e sócio do escritório Barcelos Alarcón Advogados, destaca falhas na decisão. O principal ponto levantado por ele é o fato de a ordem ter sido emitida por iniciativa do próprio magistrado.
“Não é de hoje que vemos uma escalada de confusão entre os atores do processo penal. Muitas medidas estão sendo tomadas de ofício, como se o juiz pudesse ser investigador, acusador, julgador e executor. Isso está errado. Quebra por completo o sistema acusatório consagrado pela Constituição”, afirma.
Barcelos também questiona a constitucionalidade das medidas cautelares supostamente descumpridas. Entre os pontos criticados estão a restrição ao uso de redes sociais e limitações a entrevistas e manifestações públicas.
Segundo ele, a própria inclusão de Bolsonaro na investigação é controversa, assim como a apuração envolvendo o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
“Os crimes alegadamente praticados são bem específicos em relação às circunstâncias e local de ocorrência. Há critérios de extraterritorialidade que precisam ser observados”, explica.
Outro jurista que manifestou críticas à decisão foi André Marsiglia, advogado e professor de Direito Constitucional. Segundo ele, a imposição anterior de tornozeleira eletrônica já contrariava princípios constitucionais, e a nova medida representa agravamento.
“Se, como o próprio Moraes afirmou, dar entrevistas ou se manifestar publicamente é lícito, punir o ex-presidente por atos de terceiros que apenas republicaram conteúdos seus é frontalmente ilegal”, afirma.
Marsiglia enxerga nas medidas adotadas — como a prisão domiciliar e a proibição de uso de redes sociais e celulares — um possível exemplo de fishing expedition, prática investigativa que busca elementos vagos para fundamentar acusações futuras.
O jurista também critica o fato de o Ministério Público não ter sido acionado previamente.
“A jurisprudência do STF é clara: medidas restritivas devem ser solicitadas pela PGR ou, no mínimo, as partes devem ser ouvidas previamente”, conclui.
Desrespeito à medida cautelar
Gabriel Huberman Tyles, criminalista, mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP e sócio do escritório Euro Filho e Tyles Advogados Associados, avalia que o descumprimento das medidas impostas ao ex-presidente configura novos delitos, conforme descrito na decisão de Moraes.
“O réu reiterou conduta delitiva em diversas ocasiões, tanto na produção de imagens quanto em chamadas de áudio e vídeo. Além disso, houve divulgação maciça de apoio, por meio de publicações nas redes sociais, a ações coercitivas contra o STF”, analisa.
Por isso, segundo Tyles, “tudo indica intenção clara de obstruir a Justiça, caracterizando continuidade criminosa nos crimes de coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal) e obstrução de investigação relacionada a organização criminosa ”.
Para o jurista, a medida indica postura mais rigorosa do STF em relação às atitudes do ex-presidente, com impacto direto sobre os rumos processuais.
“A prisão domiciliar reflete avaliação de risco quanto à reincidência. O ministro deixou claro que a nova determinação decorre do desrespeito às restrições anteriores, o que pode ser entendido como continuidade delitiva”, aponta.
Por outro lado, o advogado descarta qualquer possibilidade de contaminação de outros processos, ressaltando que a decisão não faz menção nesse sentido.
Relembre
A decisão de Moraes resultou de uma série de episódios considerados graves pela Justiça, envolvendo desobediência, uso indevido de redes sociais e tentativas de pressionar instituições.
A seguir, veja os sete acontecimentos que culminaram na medida mais severa:
- Abertura de inquérito e investigação
O processo PET 14129 teve início para apurar crimes como coação, obstrução de investigações e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República solicitaram medidas cautelares contra o ex-presidente. - Primeiras medidas restritivas
Em 17 de julho, a Justiça determinou tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e total nos fins de semana, além de restrições quanto a viagens, contato com autoridades estrangeiras, outros investigados e uso de redes sociais. - Reforço das regras e interpretação do STF
No dia 21 de julho, o Supremo referendou as medidas, deixando claro que a proibição de redes sociais incluía qualquer forma de veiculação indireta, como transmissões ou publicações feitas por terceiros em nome do investigado. - Primeira violação das medidas
Na mesma data, Bolsonaro divulgou nas redes sociais imagens da tornozeleira e fez declarações direcionadas ao público digital. Os advogados foram intimados, e, mesmo com a manutenção das medidas, o comportamento continuou. - Reincidência e uso político das redes
Em 3 de agosto, aliados exibiram vídeos e ligações telefônicas em que Bolsonaro discursava durante manifestações. As postagens envolviam símbolos estrangeiros e apoio a tarifas contra o Brasil, o que foi considerado uma forma de incitar interferência internacional no Judiciário. - Avaliação de comportamento reiterado
A conduta foi classificada como “continuação delitiva” e tentativa consciente de desmoralizar a Justiça. Alexandre de Moraes destacou que a legislação se aplica a todos, independentemente de influência política ou econômica. - Prisão domiciliar integral e novas restrições
Diante das violações sucessivas, o ministro determinou prisão domiciliar integral, com proibição de visitas (salvo autorização formal), uso de dispositivos eletrônicos e comunicação com investigados ou autoridades estrangeiras. A decisão prevê prisão preventiva imediata em caso de nova infração.
Fonte: R7