
A trégua comercial entre EUA e China, anunciada no fim de outubro, foi uma típica situação de “sobe no boato, cai no fato”. Havia a expectativa de que, logo após um entendimento mínimo entre as duas maiores economias do mundo, o caminho estaria livre para que os investidores montassem suas posições compradas para o rali de Natal. Ocorreu o oposto: o mercado de ativos de risco tornou-se volátil, e os principais índices de ações em Wall Street operaram no vermelho em novembro.
Praticamente no mesmo dia do encontro entre Donald Trump e Xi Jinping, o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, afirmou, logo após a reunião em que o banco central cortou a taxa de juros em 25 pontos-base, que a autoridade monetária americana está “conduzindo [a política monetária] em uma estrada sob um forte nevoeiro”.
“Em outras palavras, o Fed sofre com a ausência de indicadores sobre a atividade econômica, o mercado de trabalho e a inflação referentes, ao menos, desde setembro. Sem um entendimento claro sobre a tendência recente da economia americana, Powell destacou que a cautela deve prevalecer e que os cortes adicionais de juros no encontro de dezembro ainda não estavam assegurados, jogando água no chope das apostas que davam como certa a continuidade da flexibilização monetária na última reunião do Fed em 2025”, diz Leandro Manzoni, analista da plataforma Investing.com.
Dessa forma, uma eventual manutenção da taxa Fed Funds retira combustível para que as ações continuem sua pernada de alta. Com o fim da paralisação do governo dos EUA na última quarta-feira, 12, o calendário de indicadores será, no mínimo, retomado, mas sem a divulgação imediata dos dados – com exceção, talvez, do payroll de setembro, cuja publicação estava praticamente pronta para 3 de outubro e deve ocorrer agora entre 16 e 22 de novembro.
Conforme Manzoni, é provável que os dados de outubro e novembro não sejam divulgados a tempo para a última reunião do Fed em dezembro. Há, inclusive, o risco de uma lacuna permanente de informações sobre os indicadores de outubro, já que não houve coleta de dados durante a paralisação do governo. A retomada dos cortes de juros pelo Fed pode ficar para 2026, se os dados de inflação e mercado de trabalho permitirem. “Paralelamente, cresceram em Wall Street os questionamentos sobre o valuation das empresas ligadas à inteligência artificial — inclusive se esses papéis já não estariam em patamares de bolha prestes a estourar —, o que abriu espaço para uma correção nas ações de tecnologia”, diz.
ATA DO FED
A semana deve trazer, portanto, algumas sinalizações sobre os próximos passos do Fed, além de respostas quanto à possível extensão do exagero no valuation das companhias expostas à inteligência artificial. Coincidentemente, essas sinalizações virão na quarta-feira, 19, com a divulgação da ata da última reunião do Fed e do balanço financeiro do terceiro trimestre da Nvidia — empresa de chips considerada o termômetro da saúde das companhias com exposição à inteligência artificial.
A ata deve detalhar a divergência de opiniões entre os diretores votantes do Fed:
- a maioria, que votou pelo corte de 25 pontos-base, levando a taxa de juros para 3,75%-4%;
- o recém-empossado diretor indicado por Trump, Stephen Miran, que defendeu um corte maior, de meio ponto percentual;
- e Jeffrey Schmid, presidente do Fed de Kansas City, que votou pela manutenção das taxas, preocupado com a inflação ainda longe da meta de 2% e sob risco de alta em razão dos efeitos das tarifas de importação.
A lupa dos investidores estará voltada para o argumento da maioria que apoiou o corte. Este grupo está atualmente dividido entre os que defendem a continuidade da flexibilização monetária e os que pregam cautela, tal como disse Powell em sua coletiva, o que seria indicação de manutenção dos juros. Junto aos diversos discursos de autoridades do Fed programados para a semana, a ata deve consolidar as apostas do mercado para a próxima decisão. De acordo com a ferramenta FedWatch, da CME, a probabilidade atual é maior para a manutenção das taxas.
No Brasil, a semana será esvaziada de dados, com destaque para o Boletim Focus e o IBC-Br na segunda-feira (17). Há expectativa de anúncio de algum acordo comercial com os EUA, ao menos uma redução das tarifas abaixo dos atuais 50% ou o aumento da lista de isenções. O governo Trump está sob forte pressão popular, com a inflação de alimentos levando a derrotas republicanas em eleições regionais, o que o leva a buscar acordos com países exportadores de alimentos que não são produzidos nos EUA. Além disso, a Casa Branca sinaliza que pode adotar uma postura mais amena em relação às tarifas sobre café, tomate, carne bovina, banana e outras frutas tropicais..