O agronegócio não é apenas um consumidor de energia, mas, sim, um dos principais fornecedores de energia renovável do país. O setor responde por cerca de 29% de toda a energia usada no Brasil – e, dentro do grupo das fontes renováveis, sua contribuição chega a impressionantes 60%, É o que revela o estudo inédito “Dinâmicas de Demanda e Oferta de Energia pelo Agronegócio” do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

De acordo com o coordenador do núcleo de bioenergia do Observatório da FGV, Luciano Rodrigues, o agronegócio brasileiro sempre foi sinônimo de produtividade, exportações recordes e segurança alimentar. O estudo evidencia que uma nova dimensão se impõe desse setor: sua relevância estratégica na transição energética do Brasil. “Esse protagonismo não se restringe à quantidade de energia limpa ofertada no País ou a presença dos biocombustíveis no setor de transporte – ele também se reflete nos destinos da bioenergia do agro, que se coloca como principal origem da matriz energética de vários setores industriais”, concluiu Rodrigues.
Sob a ótica da demanda, apesar de não figurar entre os países com maior intensidade energética, o consumo de energia pelo agro brasileiro requer alguma atenção, sobretudo pelo uso do diesel. “O agronegócio no Brasil possui diversas características favoráveis para a utilização de energia limpa em toda sua cadeia produtiva: o clima tropical, a produção extensiva com menos irrigação, a elevada produtividade por hectare, mais de uma safra por ano, tecnologia e manejo adaptados às condições edafoclimáticas do país. No entanto, essa vantagem convive com uma vulnerabilidade: a dependência do diesel. Em 2022, 73% da energia usada diretamente na agropecuária brasileira veio de combustíveis fósseis, em especial o diesel. Isso torna o setor sensível a choques externos, como variações no preço do petróleo ou crises geopolíticas”, explica o pesquisador.
1 – Uso de energia por valor da produção agropecuária (GJ/USD1000)
O consumo de energia por valor da produção agropecuária é um indicador consolidado mundialmente para mensurar a eficiência energética e econômica do setor agropecuário, permitindo avaliar quanto de energia é requerido para gerar cada mil dólares (USD) de valor bruto da produção agropecuária. Em 2022, o Brasil apresentou uma intensidade de uso de energia na agropecuária de 1,9 GJ por mil dólares de valor bruto da produção, patamar próximo à média mundial, estimada em 1,7 GJ/USD1000.

No caso brasileiro, os resultados evidenciam uma vantagem competitiva moderada em termos de eficiência energética econômica, reforçando que o país consegue gerar valor agrícola com consumo energético relativamente eficiente ante países desenvolvidos. Contudo, permanecem desafios associados à melhoria da eficiência dos sistemas produtivos, especialmente em segmentos agroindustriais de menor valor agregado por tonelada produzida.
2 – Brasil fornecedor global de alimentos
Outro indicador analisado foi o de consumo de energia por valor da produção de alimentos, que mede a intensidade energética associada exclusivamente às cadeias agropecuárias voltadas à produção de alimentos. Essa métrica é particularmente relevante no contexto das discussões internacionais sobre segurança alimentar e sustentabilidade, pois permite aferir a eficiência energética relativa ao fornecimento de alimentos para a sociedade.
Em 2022, o Brasil apresentou um consumo de 2,0 GJ de energia por mil dólares de valor da produção de alimentos, valor ligeiramente superior à média global (1,7 GJ/USD1000), mas inferior a diversos países produtores relevantes, como: Argentina (8,2 GJ/USD1000); Canadá (4,3 GJ/USD1000); Espanha (2,4 GJ/USD1000); e França (2,2 GJ/USD1000).

Esse resultado reforça o posicionamento do Brasil como fornecedor global de alimentos com eficiência energética relativamente competitiva, especialmente frente a países com sistemas produtivos altamente intensivos em insumos energéticos, como os países europeus. A pesquisa revela ainda que o agronegócio é responsável por mais da metade da energia renovável usada no Brasil. Isso inclui o etanol da cana, o biodiesel da soja, o biogás de resíduos agropecuários, a lenha de florestas plantadas, a lixívia e outros subprodutos.
Sem essa contribuição, a matriz brasileira de energia renovável cairia de 49% para cerca de 20% – muito mais próxima da média global, que hoje gira em torno de 15%. A presença do agro diferencia o país das demais potências agroindustriais no quesito sustentabilidade energética.

No início dos anos 1970, a contribuição agropecuária à oferta energética apresentava elevada participação da lenha e carvão vegetal, que respondiam por mais de 40% da bioenergia do setor. Essa configuração começou a se alterar a partir dos anos 1980, quando a produção de derivados da biomassa da cana-de-açúcar se intensificou, impulsionada pela implementação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool).
Entre 1988 e 2003, a participação da bioenergia do agronegócio na matriz nacional permaneceu relativamente estagnada, oscilando em torno de 20%. Houve, entretanto, crescimento expressivo da oferta de lixívia, que passou de 1,2 milhão para 3,7 milhões de TEP. Por outro lado, o desempenho da cana-de-açúcar foi impactado negativamente pela crise do etanol no final dos anos 1980 e pela oscilação da produção no período de desregulamentação do setor.
A partir de 2003, essa tendência foi amplamente revertida. As duas décadas seguintes foram marcadas por forte expansão e diversificação da agroenergia. A oferta de energia proveniente da cana quase triplicou, impulsionada pela popularização dos veículos flex-fuel e pela expansão da bioeletricidade gerada com bagaço de cana-de-açúcar. A produção de lenha e carvão vegetal também duplicou no período, refletindo o fortalecimento da silvicultura energética como atividade comercial. A lixívia, por sua vez, teve crescimento próximo a 300%, acompanhando a expansão da indústria de papel e celulose.
Em síntese, a trajetória da bioenergia agropecuária foi um dos pilares da transição energética brasileira. Esse protagonismo também se reflete nos destinos da utilização dessa energia limpa. Setores como alimentos e bebidas, papel e celulose, cerâmica e ferroligas já usam majoritariamente energia derivada da biomassa agropecuária. Em alguns casos, ela supera 70% da matriz energética industrial.
Consumo de bioenergia do agro por setores
O estudo também analisou, no período de 1970 a 2023, quais setores econômicos utilizam a bioenergia do agronegócio. Historicamente, o setor industrial se consolidou como o principal consumidor da bioenergia vinculada ao agronegócio. No início da série, esse setor absorvia mais de 70% da oferta total dessas fontes, tendência que se estabilizou em cerca de 50% nas últimas décadas. Essa dominância reflete a intensa utilização de biomassa sólida (como lenha e carvão vegetal) e de subprodutos industriais (como lixívia) nos processos industriais térmicos, particularmente nos subsetores de alimentos e bebidas, papel e celulose, cerâmica e ferroligas.
O setor de transportes desponta como o segundo maior consumidor da bioenergia do agro, com expansão significativa a partir da década de 1980, impulsionada pela introdução do etanol hidratado no contexto do Proálcool. Posteriormente, na década de 2000, observa-se uma nova inflexão ascendente com a institucionalização do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e o crescimento da frota flex-fuel. Esses movimentos estruturais consolidaram o etanol e o biodiesel como pilares da matriz energética do setor de transportes brasileiro.
Já o setor energético, responsável por autoprodução e cogeração de energia elétrica e térmica, apresentou um aumento importante na participação relativa da bioenergia do agro entre os anos 1980 e início dos anos 2000. Essa trajetória reflete a ampliação da geração elétrica a partir da queima de bagaço de cana nas usinas sucroenergéticas e da lixívia nas plantas de celulose.
A conclusão é que a bioenergia vinculada ao agronegócio não apenas contribui significativamente para a diversificação da matriz energética brasileira, mas está estrategicamente posicionada nos setores com maior consumo e impacto econômico. A centralidade da indústria, pautada especialmente pela presença das agroindústrias, e dos transportes como destinos principais dessas fontes evidencia que políticas públicas voltadas à expansão e à eficiência dessas rotas bioenergéticas podem ter impactos multiplicadores relevantes.
