
O relatório da comissão parlamentar de inquérito (CPI) das concessionárias de energia elétrica do Rio Grande do Sul será apresentado nesta segunda-feira na Assembleia Legislativa. O documento irá propor três projetos de lei exigindo maior transparência e planejamento das empresas responsáveis por concessões no Estado, como a CEEE Equatorial e a RGE.
O documento tem cerca de 4 mil páginas e foi elaborado pelo deputado estadual Marcus Vinícius (PP). A comissão atuou por 120 dias, realizou 12 reuniões e promoveu quatro audiências públicas em Porto Alegre, Caxias do Sul, Rio Grande e Osório, ouvindo representantes do setor elétrico, entidades de consumidores, gestores municipais e moradores de regiões afetadas.
Um dos projetos cria o Plano Estadual de Contingência Elétrica, que estabelece a obrigação de manter equipes dimensionadas para períodos de maior demanda, estoques mínimos de materiais, protocolos de resposta e comunicação direta com prefeituras e órgãos responsáveis pela proteção da população. O texto também define prazos de atendimento e critérios para mobilização operacional.
A segunda proposta sugere a instituição de uma Política Estadual de Transparência Ativa e Dados Abertos do Setor Elétrico, determinando a divulgação periódica de indicadores de qualidade na prestação do serviço, além de mapas de investimento, cronogramas de manutenção e registros de interrupções.
O terceiro eixo legislativo prevê a criação de um Sistema Estadual de Monitoramento de Danos Associados a Falhas Elétricas, banco de dados destinado a registrar impactos econômicos, sociais e ambientais decorrentes de quedas de energia. O sistema reuniria informações encaminhadas por municípios, Defesa Civil, setores produtivos e consumidores, servindo de base para planejamento e definição de ações públicas.
“Na CEEE pública, havia maior presença do Estado. Executivo, Legislativo e mesmo a sociedade estavam mais presentes na gestão. A empresa era mais suscetível a interferências do poder público, tanto para o bem como para o mal. Com a ausência do Estado nesse jogo, há um hiato de atuação e participação na tomada de decisão da empresa muito expressivo. O Estado não consegue fiscalizar e acompanhar a tomada de decisão estratégica. Para tapar essa lacuna, estamos propondo esses três projetos”, argumentou Vinícius.
“A Equatorial não tinha um plano de gerenciamento de crise pronto. Quando veio a crise, também não demonstrou plano de enfrentamento. O texto cria mecanismo para que o Estado possa, de alguma maneira, atuar nesse campo, auxiliando as empresas para o que elas devem ter preparado na hora da crise”, disse ainda o relator.
“Aneel arrecada valor para fazer caixa”
O deputado ainda criticou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que seria a responsável por regular e fiscalizar os serviços de energia pelo país, mas costuma transferir as atribuições para agências estaduais. No caso do RS, quem fiscaliza os serviços é a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agergs).
“Identificamos que a fiscalização e regulação é muito ineficiente, incipiente de certo modo. Não consegue acompanhar as demandas. O valor arrecadado está sendo utilizado para fazer caixa para a agência. Anualmente, a Aneel arrecada em torno de R$ 20 milhões e repassou entre R$ 650 mil e R$ 700 mil à Agergs para fiscalizar todo sistema de energia no Estado. É um pouco mais de R$ 50 mil por mês. A Agergs tem dificuldade de estrutura, de pessoal. O contrato entre Agergs e Aneel é totalmente desproporcional” afirmou Vinícius.
Apuração de responsabilidades
O relatório também prevê o envio dos documentos reunidos ao longo do inquérito a órgãos de controle, como Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho. São materiais relativos a acidentes de trabalho, condições de equipes terceirizadas, práticas operacionais, cumprimento contratual e demais elementos que possam configurar responsabilidades civis, administrativas ou trabalhistas.
A Polícia Civil e a Polícia Federal receberão informações sobre treinamentos, certificações técnicas, procedimentos internos, registros de acidentes e outras ocorrências que possam ser enquadradas como infrações penais.
Os documentos serão base para aprofundamento das apurações e eventual responsabilização das concessionárias e empresas contratadas. Aneel e Agergs também serão notificadas para revisão de seus processos de fiscalização e acompanhamento das concessionárias.
Descumprimento de obrigações
Para o presidente da CPI, deputado Miguel Rossetto (PT), as investigações revelaram “uma situação extremamente grave no setor de energia”. Segundo ele, em todas as audiências realizadas — com prefeitos, órgãos de controle, trabalhadores e especialistas — ficou evidente “um verdadeiro clamor diante da má prestação de serviços e de irregularidades muito sérias”.
Segundo ele, a comissão identificou o descumprimento de obrigações contratuais pela CEEE Equatorial em 2024, com risco de perda da concessão caso a situação se repita em 2025. O deputado também aponta falhas recorrentes no fornecimento de energia em diversas regiões do estado e problemas graves nas relações de trabalho, com indícios de fraudes em certificações, acidentes e atrasos de salários. As investigações ainda encontraram situações que podem configurar irregularidades gravíssimas e até suspeitas de crime.
Fonte: Correio do Povo