
Poderia ser uma manhã corriqueira nas águas de Belém (PA), em um trajeto de barco pelo rio Guamá, se não fossem os cantos de comunidades indígenas e movimentos sociais que ecoavam durante o trajeto de 13 quilômetros feito por embarcações nessa quarta-feira (12).
Os manifestantes organizaram uma “barqueata” em defesa da floresta, pela redução das desigualdades e contra obras da hidrovia do rio Tapajós. A iniciativa deu início à Cúpula dos Povos, que ocorre em paralelo aos encontros da COP30 e conta com rodas de discussão e debates sobre a defesa do meio ambiente e dos povos originários.
Um dos destaques do ato foi a participação do cacique Raoni Metuktire, do povo Caiapó, uma das principais lideranças indígenas brasileiras ligadas à proteção de florestas.
Aos 93 anos, ele fez um duro discurso em que apontou preocupação com o desmatamento na Amazônia e prometeu pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a recuar com o projeto de explorar petróleo na Margem Equatorial.
“Eu já falei com Lula desse assunto e vou continuar cobrando”, declarou. “Eu vou marcar um encontro para falar com ele e, se precisar puxar a orelha, eu farei. Ele tem que respeitar a gente.”
Além de protestarem pela conservação da floresta, representantes dos povos indígenas defenderam a demarcação de terras e questionaram o plano anunciado por Lula de usar lucros do petróleo para bancar a transição energética.
“É com muita luta que o povo indígena demarcou terra. Não foi a vontade do governo, foi luta, foi cobrança, foi exigência. E esse lucro que falam, nem em outros projetos, como [benefícios da usina hidrelétrica de] Belo Monte, chegam nas comunidades indígenas. Então é uma fala que tem que acontecer na prática, mas é muito difícil de povos indígenas acreditarem nisso”, afirmou o cacique Patxon Metuktire, do norte de Mato Grosso.
Em outra frente, a líder indígena Raquel Kumaruara, de Santarém, cobrou mais participação de comunidades nos espaços de decisões políticas. Na avaliação dela, faltam ambientes de escuta aos principais grupos afetados por mudanças climáticas.
“Os povos indígenas, os ribeirinhos, extrativistas, os mercadores, são os que menos degradam, são os que menos matam, e os primeiros que sofrem quando vem uma enxurrada, quando vem uma seca”, constatou.
Raquel faz parte de uma delegação de 150 indígenas e contou que alguns deles levaram três dias de viagem de barco para chegar a Belém a fim de participarem da Cúpula dos Povos.
“Os movimentos se juntaram para fazer um evento paralelo à COP porque a COP é o que acontece lá e só entra quem tem credencial. A nossa região, por exemplo, só teve duas pessoas que tiveram credenciais para a Zona Azul. Só essas pessoas que têm acesso lá. São assuntos que são voltados para nós e que a gente não tem tanta participação”, ressaltou.
O vice-presidente do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns, Lucas Tupinambá, destacou que o esforço de representantes dos povos indígenas para participar da cúpula visa proteger a natureza e garantir o bem-estar de gerações futuras.
“Nós estamos aqui pela defesa das nossas gerações, mas também pela defesa daqueles que não conseguem vir aqui se expressar — que são as árvores, os igarapés, o açaí, a bacaba. Nós temos que os defender para garantir a soberania do nosso povo”, frisou.