
Inaugurada oficialmente na manhã de quarta-feira (10), a nova Cadeia Pública de Porto Alegre (CPPA) marca o fim de um dos capítulos mais sombrios da segurança pública do Rio Grande do Sul e promete “virar a página” dos problemas enfrentados no antigo Presídio Central. No local, que durante décadas foi considerado como o pior do Brasil e alvo de denúncias internacionais por violações de direitos humanos, foi instalada uma estrutura moderna, planejada para garantir segurança e melhores condições de ressocialização.
Ao todo, o governo do Estado investiu mais de R$ 139 milhões no complexo, que tem capacidade para 1.884 presos, divididos em nove módulos de vivência. O projeto adota um sistema construtivo industrializado, com concreto de alta resistência.
A nova unidade foi concebida priorizando a proteção dos servidores. Portas e grades contam com sistema de abertura remota, eliminando contato direto com os apenados. Diferente de presídios antigos, não há tomadas nas celas, a iluminação é blindada e controlada externamente, e os pátios têm parte coberta para banho de sol mesmo em dias de chuva.
A segurança também se apoia em tecnologia e o presídio recebeu bloqueadores de sinal de celular. Além disso, foi instalado um sistema antidrone inspirado em modelos militares da Otan, semelhante ao na guerra da Ucrânia. O equipamento não derruba o aparelho aéreo, mas o intercepta no ar e identifica quem está no controle, impedindo que drogas e celulares sejam lançados para dentro da cadeia.
Na Cadeia, mesmo nas áreas abertas, o sistema de grades também impede que qualquer objeto externo chegue às mãos dos apenados. “Tudo foi pensado em primeiro lugar para garantir a segurança dos nossos servidores”, destacou o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Jorge Pozzobon. Ele também lembrou que a ocupação da unidade será gradual, apenas após varredura completa.
O complexo abriga cozinha que será operada integralmente pelo trabalho prisional, além de lavanderia moderna com fluxo separado de roupas sujas e limpas. “O presídio não é um depósito de pessoas. Um dia elas vão sair, e cabe ao Estado oferecer oportunidade. Criamos o programa Mãos que Reconstroem porque todo recomeço merece uma chance”, acrescenta Pozzobon.
A saúde também ganhou atenção. Com a implantação da telemedicina, a grande maioria dos atendimentos médicos passarão a ser realizados dentro da unidade, evitando deslocamentos e reduzindo riscos em escoltas. O mesmo ocorre com as teleaudiências judiciais.
Presente na cerimônia de inauguração, o governador Eduardo Leite ressaltou o caráter histórico do momento. “O Presídio Central era uma vergonha nacional. Tinha quase 5 mil presos em espaço para 1.800, com galerias dominadas por facções. Hoje viramos essa página. O Estado mostra que enfrenta o crime não só com força, mas com estratégia, gestão e investimento”, afirmou.
Leite lembrou ainda que a inauguração é resultado de um plano mais amplo de expansão do sistema, com a construção ou ampliação de unidades em Rio Grande, São Borja, Passo Fundo, Charqueadas, Canoas, Caxias do Sul e Erechim. “Estamos requalificando 12 mil vagas. É um feito histórico que garante ao Estado o controle efetivo do sistema prisional”, completou.
O superintendente da Polícia Penal, Sérgio Dalcon, também definiu a inauguração como um marco. “Mostramos ao Brasil que o Rio Grande do Sul soube transformar sua maior ferida em símbolo de renovação. É a prova de que não nos dobramos, mas nos levantamos diante dos desafios”, afirmou.
Já a secretária de Obras, Izabel Matte, destacou o caráter humano da obra. “Uma penitenciária não existe apenas para restringir a liberdade, mas para oferecer condições de ressocialização, reduzir a reincidência e preparar homens e mulheres para retornarem à sociedade de forma mais justa e pacífica”, completou.
Atualmente, o sistema prisional gaúcho abriga 50.893 pessoas, sendo 47.497 homens e 3.396 mulheres. Para Leite, as melhorias realizadas no sistema prisional, em especial na CPPA, garantirão mais segurança à sociedade gaúcha. “Quando mostrarmos à população o investimento feito, não tenho dúvidas que vão aparecer críticas. Mas em um lugar ocupado por um número quase três vezes maior do que a sua capacidade, o Estado apenas fechava o portão da galeria, porque lá dentro não era o Estado que controlava. Não haverá segurança fora se não tiver estrutura como essas com tecnologia adequada para fazer cumprir as penas da forma como a legislação estabelece”, concluiu.
História marcada por superlotação e denúncias
O antigo Presídio Central teve suas obras iniciadas em 1959 foi inaugurado em 1962. A unidade foi construída para receber até 1.824 pessoas privadas de liberdade, porém, no auge da crise, chegou a abrigar mais de 5 mil.
Com corredores superlotados, celas sem ventilação e um ambiente que se tornou palco do maior motim da história prisional gaúcha, em 1994. A situação levou, no ano seguinte, à criação da Operação Canarinho, uma força-tarefa criada pela Brigada Militar de forma temporária, mas que permaneceu por 28 anos na administração do local.
Em 2008, a CPI do Sistema Carcerário o apontou como o pior presídio do Brasil e um dos piores da América Latina. Em 2013, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA recebeu um relatório de denúncias da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e demais entidades gaúchas que formam o Fórum da Questão Penitenciária.
A Comissão emitiu medidas cautelares contra o Brasil, denunciando violações que atingiam diretamente os direitos humanos mais básicos. No mesmo ano, a CIDH outorgou medida cautelar solicitando que o governo brasileiro adotasse iniciativas para solucionar a situação.
Fonte: Guilherme Sperafico / Correio do Povo