
Duas operações de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego resgataram 13 trabalhadores em condições análogas à escravidão, em Porto Alegre. Os casos foram registrados no dia 8 de agosto, mas divulgados somente nesta semana.
Em uma das ações foram resgatados dez trabalhadores — seis mulheres e quatro homens, com idades entre 19 e 37 anos — em um restaurante argentino localizado no bairro Moinhos de Vento. Em outra fiscalização foram resgatados três trabalhadores encontrados em um galpão de triagem de resíduos recicláveis em condições degradantes.
As fiscalizações foram coordenadas pela equipe de auditores fiscais do Trabalho do MTE com apoio do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) e da Polícia Federal (PF). A ação no restaurante foi desencadeada a partir de procedimento instaurado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Condições precárias
Seis dos trabalhadores eram de nacionalidade boliviana e outros quatro de nacionalidade argentina. Os trabalhadores bolivianos estavam alojados em um imóvel no bairro Azenha, em precárias condições de conservação, sem chuveiro no banheiro ou mobiliário básico: não havia camas para todos, roupas de cama e cobertores suficientes, armários, geladeira, fogão ou micro-ondas, mesa com cadeiras ou utensílios para preparo e consumo de refeições. Não havia lâmpadas nos cômodos e a água da chuva entrava no imóvel.
Eles haviam sido recrutados na Bolívia com a promessa de salário de 4 mil bolivianos, jornada de oito horas diárias, registro em carteira, alojamento adequado, alimentação e transporte. No entanto, ao chegarem a Porto Alegre, encontraram outra realidade, com alojamento precário, refeições não fornecidas integralmente, salários de R$ 1.500 já com desconto das passagens da Bolívia até Porto Alegre — que inicialmente seriam custeadas pelo empregador —, jornadas que chegavam a 15 horas em pelo menos três dias da semana, ausência de pagamento de horas extras e inexistência de vale-transporte, o que os obrigava a caminhar cerca de uma hora até o trabalho e outra hora de retorno, inclusive de madrugada, ou arcar com custos de transporte particular. Apesar da carga horária elevada — acima das 220 horas mensais —, os salários não alcançavam o mínimo nacional.
Os trabalhadores argentinos também estavam submetidos à mesma sistemática de exploração (jornadas exaustivas, não pagamento de horas extras e demais direitos trabalhistas). Já haviam passado pelo alojamento precário e, no momento, tentavam arcar com os custos da locação de um imóvel na capital gaúcha.
Segundo os auditores, a empresa buscava mão de obra de migrantes internacionais, mantinha esses trabalhadores na informalidade, não pagava os direitos previstos na legislação brasileira e os submetia a condições degradantes e jornadas exaustivas.
Devido as condições encontradas os trabalhadores bolivianos foram retirados do alojamento e permaneceram em hotel, custeado pelo empregador, até esta segunda-feira quando retornaram à Bolívia. Todos receberão o seguro-desemprego do trabalhador resgatado, emitido pelo MTE.
O empregador foi notificado pela equipe a regularizar os vínculos de trabalho, efetuar o pagamento das verbas rescisórias e garantir o retorno dos trabalhadores à sua cidade de origem. Até o momento, nenhuma dessas obrigações foi cumprida, o que ensejará a adoção dos devidos procedimentos pela autoridade trabalhista e pelo MPT.
Galpão de triagem de resíduos recicláveis
Na outra fiscalização os três trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão estavam em um galpão de triagem de resíduos recicláveis, localizado em Porto Alegre. Eram todos homens, com idades entre 38 e 56 anos, responsáveis pela triagem de lixo urbano. Eles não tinham registro em carteira, recebiam valores inferiores ao salário-mínimo, cumpriam jornadas excessivas, não recebiam equipamentos de proteção individual (EPIs) e estavam expostos a riscos graves e iminentes, especialmente na operação de máquinas utilizadas na compactação de materiais recicláveis.
Os auditores fiscais do Trabalho constataram que o local apresentava severas deficiências estruturais e sanitárias. Não havia água potável disponível nem instalações para lavagem das mãos ou troca de roupas. As refeições eram feitas na calçada, por falta de um espaço apropriado. Além disso, após o expediente, os trabalhadores retornavam para casa ainda com os uniformes sujos, já que não havia estrutura para higiene ou troca de vestimentas.
O galpão também se encontrava em condições precárias de conservação, com telhas metálicas ausentes na cobertura e nas paredes laterais, o que colocava em risco a integridade física dos trabalhadores. Em dias de chuva, a água invadia o ambiente, molhando tanto os trabalhadores quanto os resíduos. A prensa compactadora utilizada na operação de reciclagem apresentava sérios riscos de prensagem de membros e choques elétricos, devido às condições precárias da fiação, com partes vivas expostas.
Nas atividades relacionadas a resíduos sólidos, os trabalhadores também não estavam vacinados contra doenças como tétano e hepatite B. Além disso, não havia protocolos para acidentes com materiais perfurocortantes, uma ocorrência frequente no local. Relatos indicam que cortes e perfurações com cacos de vidro, lâminas e metais enferrujados eram comuns.
Devido as condições encontradas pela equipe, os três trabalhadores foram resgatados do local e encaminhados para receberem as guias de acesso ao seguro-desemprego. A prensa compactadora foi interditada e os responsáveis autuados pelas infrações correspondentes às irregularidades constatadas.
Denúncias
Situações semelhantes podem ser denunciadas, de forma anônima, pelo Sistema Ipê, disponível no endereço: ipe.sit.trabalho.gov.br.
Fonte: Correio do Povo