Com foco em isolar lideranças e descapitalizar facções, protocolo contra homicídios entra em vigor no RS

Método já aplicado pelo Departamento de Homicídios da Polícia Civil, BM e Polícia Penal ganha força com criação da 3ª Vara de Execuções Criminais e módulo para 76 detentos na Pasc 

Foto: Vitor Rosa / Secom / divulgação

Foi lançado, nesta segunda-feira, um protocolo de combate a homicídios no Rio Grande do Sul. Através de termo de cooperação assinado no Palácio Piratini, a iniciativa une esforços do Executivo gaúcho, Poder Judiciário, Ministério Público e instituições da Segurança Pública. A metodologia já é aplicada há mais de um ano em conjunto pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, Brigada Militar e Polícia Penal, atingindo, em 2023, redução de mais da metade dos crimes violentos em Porto Alegre.

A ideia é implementar uma série de ações, de forma escalonada, contra grupos que atentem contra a vida. As medidas incluem descapitalização de facções, saturação de área com policiamento em territórios conflagrados e isolamento de lideranças no sistema prisional, entre outras estratégias com foco na desarticulação do crime organizado. Para reforçar a aplicação do plano, será inaugurada a 3ª Vara de Execuções Criminais, além de um novo módulo na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), na Região Carbonífera.

O governador Eduardo Leite ressaltou que, apesar da escalada de ocorrências com morte ocasionada por facções nos últimos dois meses, os indicadores criminais permanecem em queda quando comparados a anos anteriores. O mandatário também disse esperar que o protocolo contra homicídios permaneça como legado a outros chefes do Executivo Estadual.

“Queremos implementar uma estratégia que seja perene, não apenas um plano de governo. Estamos avançando para mostrar que o RS está determinado a alcançar uma paz duradoura como sociedade. Através do diálogo e cooperação entre instituições, vamos aprimorar cada vez mais ações concretas para enfrentar o crime organizado”, disse Eduardo Leite.

De acordo com o secretário de Segurança Pública, Sandro Caron, um comitê será instaurado para analisar individualmente as medidas aplicadas contra cada liderança criminosa. Não são descartadas transferências ao Sistema Penitenciário Federal, mas a prioridade é implementar as ações em solo gaúcho, o que evitaria contato dos alvos com criminosos de outros estados.

“Não toleramos homicídios no Rio Grande do Sul. A partir de agora, teremos um comitê para discutir caso a caso, definindo individualmente o que será feito com lideranças criminosas. Estamos dando um passo para que se consiga isolar esses líderes aqui, evitando o efeito colateral de permitir o contato deles com outros detentos em presídios federais. Isso é o sistema funcionando de forma integrada, com foco em ações contra quem determina a prática de homicídios”, afirmou Caron.

Outra forma de garantir o isolamento de criminosos será um módulo com 76 vagas destinadas a presidiários que atuam como líderes na Pasc. Com investimento de R$ 30 milhões, a estrutura tem previsão de ser inaugurada no início de dezembro.

A nova ala vai impor segregação quase completa aos detentos, com pátios individuais e restrição de visitas. Além disso, conforme o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana, também serão implementados bloqueadores de sinal telefônico na Pasc e em mais outras 23 prisões gaúchas.

A unidade de alta segurança em Charqueadas ainda receberá um ambulatório com seis especialidades, incluindo cardiologia, além de fisioterapeutas. Com investimento mensal de R$ 125 mil e convênio com o Hospital Vila Nova, o objetivo é evitar que presidiários recebam atendimento médico fora dos muros de contenção.

“Teremos seis especialidades médicas dentro do presídio, com exames complementares contratados diretamente com o Hospital Vila Nova. Além disso, também vamos colocar fisioterapia dentro da Pasc. Isso vai evitar  que as pessoas saiam do ambiente onde devem cumprir pena”, disse a secretária de Saúde, Arita Bergmann.

O controle do sistema ficará sob responsabilidade da 3ª Vara de Execuções Criminais (VEC), que entrará em funcionamento no dia 29 de novembro. Segundo o presidente do Tribunal de Justiça (TJRS), desembargador Alberto Delgado Neto, o juizado terá como especialidade os casos de alta periculosidade.

“A partir das instituições e da independência dos poderes, temos a imposição de trabalhar com harmonia. Cabe ao Judiciário o direto no Estado Democrático, além de fazer com que esse direito seja resguardado a partir da colaboração com demais poderes. Por meio de uma concentração de demandas, a criação de uma nova vara contribuirá para que possamos dar tratamento técnico a casos referentes a homicídios”, destacou o presidente do TJRS.

Pioneirismo em método contra homicídios

Em solo gaúcho, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, BM e Polícia Penal são pioneiros na aplicação do protocolo, agora ampliado em nível estadual. Ao final do primeiro semestre de 2023, a tática gerou redução de 54,4% dos assassinatos em Porto Alegre.

A cifra foi o menor número do indicador para qualquer mês computado desde 2010, quando teve início a série histórica, o que posicionou a Capital abaixo do índice considerado epidêmico pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O diretor do DHPP, delegado Mario Souza, aponta que 80% dos homicídios em Porto Alegre são fruto de disputas entre grupos criminosos. Para a redução do percentual, o método propõe sete medidas contra integrantes da base ao topo da hierarquia de facções.

“É preciso combater todos os homicídios, mesmo que a maior parte ocorra no contexto do crime organizado. A metodologia que colocamos em prática busca prender executores e mandantes, além de incluir operações contra lavagem de dinheiro, indiciamento de líderes, saturação de área e transferência de presos”, explica o delegado Mario Souza.

A técnica é inspirada na teoria da dissuasão focada, como é conhecida a tese que prega concentração de esforços em coibir suspeitos articular crimes. O plano inclui deixar claro aos assassinos que eles  sofrerão consequências penais, caso continuem a praticar delitos violentos.

“Os membros do crime organizado precisam entender que há prejuízo por cada morte que determinam, mesmo nos casos em que uma vítima também integra facções. É preciso colocar força máxima contra cada morte que ocorrer”, pontua Mario Souza.

O criador da metodologia é o criminologista norte-americano David Kennedy. Professor da Universidade de Nova York, ele foi o responsável por aplicar a teoria nos Estados Unidos, tendo como principal exemplo Boston, onde houve redução brusca de homicídios em meados dos anos 1990.