Abstenção recorde impacta nas estratégias de campanhas de Porto Alegre

Com o segundo turno, campanhas de Melo e de Rosário pretendem, de público, ações para convencer eleitores

Foto: Mauro Schaefer / CP

Seja qual for o filtro que se aplique, o total de eleitores de Porto Alegre que optou por não votar no primeiro turno do pleito municipal no último domingo, 6, chama a atenção. Apesar das constantes campanhas da Justiça Eleitoral sobre a importância do voto para o exercício da democracia, a abstenção no país chegou a 21,71%.

Avaliada como alta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TRE), ela foi a maior das eleições municipais do século 21, quando desconsiderados os dados de 2020, ano da explosão da Covid-19.

Em Porto Alegre, recordista de abstenções entre capitais, o índice foi ainda maior: 31,51% dos votantes aptos deixaram de comparecer às urnas. O número de faltantes supera a votação do primeiro colocado, Sebastião Melo (MDB).

O prefeito, que tenta a reeleição, recebeu 345.420 votos. E 345.544 pessoas deixaram de comparecer às seções para escolher candidatos. O índice é tão expressivo que quase igualou a soma das preferências registradas pelos candidatos Maria do Rosário (PT), Juliana Brizola (PDT) e Felipe Camozzato (Novo). Respectivamente, os segundo, terceiro e quarto colocados. Juntos, eles totalizaram 345.939 votos. Rosário, que disputará o segundo turno com Melo, fez 182.553. Juliana contabilizou 136.783. Camozzato marcou 26.603.

Nesta largada para o segundo turno, tanto articuladores de Melo como de Rosário, de público, asseguram que vão desenvolver ações para convencer eleitores que faltaram no domingo a comparecerem em 27 de outubro. “É uma obrigação que temos, e pretendemos estimular as pessoas a votarem no segundo turno. Vamos fazer isto através de todo o nosso poderio de comunicação. É importante a maior participação possível, nos dá mais legitimidade”, elenca o coordenador geral da campanha do emedebista, André Coronel.

Na campanha de Rosário, o coordenador político, Cícero Balestro, afirma que a ideia é trabalhar o sentimento de que a mudança é possível. “Entendemos que a questão central é uma sensação de esgotamento do eleitor. Vamos dar destaque ao slogan ‘Tenha fé na mudança’, e estabelecer um discurso específico para que as pessoas participem da eleição.”

Na prática, a busca pelos que não votaram no domingo deve mover muito mais a petista do que o emedebista. Com ampla vantagem, Melo, dizem partidários nas duas frentes, por uma questão numérica, está em situação mais confortável, pode ‘jogar parado’, e não tem motivos para estimular a participação de eleitores que sequer sabe se o escolheriam. Além do que obteve, ele tende a absorver uma fatia generosa dos votos do candidato do Novo. E ‘morder’ preferências antes com a postulante do PDT.

Rosário, por sua vez, distante mais de 20 pontos do adversário, necessita de uma ‘virada’ mesmo. Isso exige garimpar votos em três frentes de forma simultânea: naquela dos que optaram por Juliana no primeiro turno, entre os que se abstiveram e, até, em parcelas dos que escolheram Melo. Porque, em todas, com chances maiores ou menores, são parcelas que poderão ser conquistadas e não os lotes inteiros. Na tarde da segunda-feira, técnicos da campanha petista passaram a esmiuçar mapas de votações, para identificar a abstenção por bairros.

O professor Rodrigo González, do programa de pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, chama a atenção para a importância da capacidade de mobilizar os que desistiram de votar no primeiro turno. E assinala que, em função da diferença entre os oponentes, se a participação não aumentar, o prejuízo tende a ser maior para a candidatura petista.

“É um risco não conseguirem mobilizar eleitores que se abstiveram e que votariam na esquerda. Talvez uma polarização tradicional ajude a mobilizar esse eleitor. Se não houver fato novo, a própria abstenção favorece quem ficou na frente no primeiro turno. Para Melo, ficar quieto, parado, é vitória certa”, explica ele.

Ele ressalva, porém, que o emedebista terá dificuldade de manter intacto o discurso atual, que consiste em evitar fatos novos. “É o discurso do ‘já fiz, vou fazer’, que traduz o que chamamos de tática da inércia. A discussão mais nacional, mais ideológica, não apareceu no primeiro turno, mas provavelmente ocorrerá agora e pode atrair mais eleitores às urnas”, resume.

‘Mix’ de fatores justifica alto índice, diz especialista

A cientista social e política Elis Radmann, diretora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO), assinala que existe um mix de fatores a traduzir o alto índice de abstenção no primeiro turno da eleição em Porto Alegre, a começar pelas explicações clássicas da cultura da descrença com a política e os partidos. Mas assinala que tem ganhado destaque a questão que denomina ‘a da oferta’.

“É a primeira variável a ser observada para explicar essa falta de vontade do eleitor em comparecer às urnas. A oferta de candidatos que os partidos estão colocando nas disputas: quem são e quanto seus currículos são alinhados com os anseios dos eleitores. Os partidos continuam muito mais oferecendo candidatos que vencem ou demonstram força em disputas internas do que identificados com o perfil e as demandas das cidades no momento da eleição”, considera.

Ela explica que há algum tempo os levantamentos de campanhas mostram uma parcela de eleitores desestimulados, que pode ser associada a uma equação com dois fatores. De um lado, partidos voltados para dentro de si. De outro, um contexto de negação da política, com eleitores cada vez mais afastados dos partidos. “Isto não vai mudar enquanto não ocorrer um estreitamento na relação dos partidos com suas bases, ampliando sua participação, o que vai estimular o surgimento de candidatos mais presentes, com propósitos visíveis, diferenciais. E que, como são oriundos desse processo, terão sua legitimidade fortalecida. A equação não se resolve enquanto os partidos não revisitarem suas práticas.”

No caso de Porto Alegre, a especialista destaca que são identificados, grosso modo, três conjuntos de eleitores entre os que decidem ir às urnas. Os ideológicos de diferentes orientações no espectro político, que representam menos de um terço da população. Um segundo bloco, que olha para as opções apresentadas, mas opta pela continuidade, mesmo que não concorde inteiramente com ela. E um terceiro bloco, dos que acreditam na mudança. “Mesmo quando não se identifica, a maioria opta pelo que considera ‘menos ruim’. Mas há o eleitor convicto de que nenhum dos nomes apresentados o representa. É o que não vem para o jogo”, assegura.

Além desses elementos, analistas políticos e núcleos das campanhas que seguem na disputa estão avaliando se uma outra variável ajudou a engrossar o número de faltantes. As trocas de locais de votação ocorridas em função das enchentes de maio.

As abstenções em Porto Alegre

  • Eleições 2012 – 1º Turno

Eleitorado apto: 1.076.263

Compareceram: 876.607 (81,45%)

Abstenções: 199.656 (18,55%)

Candidato mais votado para prefeito (venceu em 1º turno): 517.969

  • Eleições 2016 – 1º turno

Eleitorado apto: 1.098.517

Compareceram: 851.277 (74,49%)

Abstenções: 247.240 (22,51%)

Candidato mais votado para prefeito (foi para 2º turno): 213.646

  • Eleições 2020 – 1º turno

Eleitorado apto: 1.082.726

Compareceram: 724.509 (66,92%)

Abstenções: 358.217 (33,08%)

Candidato mais votado para prefeito (foi para 2º turno): 200.280

  • Eleições 2024 – 1º turno

Eleitorado apto: 1.096.620

Compareceram: 751.076 (68,49%)

Abstenções: 345.544 (31,51%)

Candidato mais votado para prefeito (foi para 2º turno): 345.420

FONTE: TRE/RS e TSE