Depois de muito nervosismo e expectativa, o primeiro turno da eleição para a prefeitura
de Porto Alegre deu o resultado projetado desde o início da campanha. O atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), e a deputada federal Maria do Rosário (PT) foram os dois mais votados e disputarão a próxima etapa do pleito.
A candidata pedetista, a exdeputada Juliana Brizola, ficou em terceiro lugar, mas seus votos ajudarão a decidir quem comandará a prefeitura da Capital a partir de 1º de janeiro de 2025.
Além disso, tanto o emedebista quanto a petista vão desenvolver estratégias para buscar aqueles que se abstiveram neste 6 de outubro. Nada menos do que 31,5%. Melo por muito pouco não encerrou a eleição neste domingo. Ele obteve 49,72% dos votos válidos, após conduzir, na primeira fase, uma campanha clássica. Investiu em um modelo de alta exposição de ações positivas de seu primeiro mandato.
Melo rebateu críticas e agora tem o desafio de ampliar apoios
Após as enchentes de maio, o prefeito Sebastião Melo (MDB), até então visto como uma figura popular, viu sua rejeição crescer de forma significativa, em análises internas. A tragédia climática pautou a eleição, mas a equipe do emedebista desenvolveu uma estratégia que conseguiu driblar, em grande medida, a fuga de votos. “Fizemos do limão uma limonada”, resume um de seus articuladores.
À imagem de zelador da cidade desenvolvida em 2020, a campanha acrescentou elementos que deram a ele ares de personagem: um chapéu de palha, um chinelo de dedo e o bordão “deixa o Melo trabalhar”. O adereço virou uma marca em agendas de rua. O chinelo acabou
fixado na página do Instagram. O “deixa trabalhar” foi usado exaustivamente nas propagandas no rádio e na televisão.
O objetivo era claro: combater o discurso das duas principais adversárias (Rosário e Juliana), que assinalavam que o emedebista havia se “elitizado” e agora só “andava com a turma do Parcão”. A tática do homem simples que trabalha não chega a ser novidade, mas é eficiente. Ajudou a garantir a vitória do também emedebista José Ivo Sartori ao governo do Estado em 2014. Na época, com o bordão “o gringo que faz”.
O chapéu teve por função sintetizar a imagem do “retirante” do centro-oeste do país acolhido pelos gaúchos (Melo veio de Goiás e começou trabalhando como balconista na Ceasa). O chinelo de dedo foi uma forma de transformar em qualidade, com bom humor, um adjetivo
usado de forma pejorativa por desafetos dentro e fora do partido desde a época em que o emedebista era vereador: o que o descrevia como “chinelão”. O termo é usado como sinônimo de “tosco”, “simplório” e “deselegante”.
Auxiliada por sucessivas pesquisas internas quantitativas e qualitativas, a equipe de Melo ajustou com precisão a dose de “deselegância” do candidato. O suficiente para cair no gosto popular. Mas não ao ponto de ser identificada como agressão. Foram pensadas “tiradas” para responder críticas e alvejar as duas adversárias. Como quando Melo chamou Juliana de “candidata Copa do Mundo, que só aparece de quatro em quatro anos”. Ou quando, após dias de chuvas, disse que Rosário “ficava rezando para chover” para tentar “arrumar votos”.
A propaganda no rádio e na TV, onde tinha mais da metade do tempo, e peças que mostravam uma cidade sempre limpa e iluminada, foram decisivos para ele recuperar votos que haviam migrado para outros concorrentes ou convencer parte dos indecisos e descrentes. A ela se somou uma militância numerosa, garantida por uma coligação ampla. E por antigos aliados que se negaram a cumprir alianças formais, caso de integrantes do Cidadania e do PSDB.
Agora, o emedebista vai tentar manter a mesma estratégia, mas a avaliação de especialistas é a de que ele precisará sair da zona de conforto, apesar da vantagem expressiva. Além dos que se abstiveram, ele vai atrás, principalmente, de lideranças do União Brasil, onde já tinha a simpatia, como o presidente estadual, Luiz Carlos Busato. O União é uma sigla que transita entre o centro e a direita no espectro político. Se ganhar a eleição, ele está credenciado em definitivo para pleitear a indicação do MDB para concorrer ao governo do Estado em 2026. Ele,
contudo, não pretende admitir esta possibilidade. Nem seus articuladores, porque os planos podem atrapalhar bastante a eleição em Porto Alegre.
Objetivo de Maria do Rosário será aliança com Juliana e atrair mais lideranças populares
Maria do Rosário (PT) garantiu o passaporte para o segundo turno com 26,28% dos válidos, praticamente a metade dos votos do adversário que seguirá enfrentando. Sua articulação começou cedo, ainda em 2023, e assegurou a companhia do PSol, a sigla do campo da esquerda que vem aumentando seu espaço na Capital eleição após eleição. Para isso, precisou fazer uma escolha que, agora, será objeto de avaliações. Ao concordar em ceder a vice ao PSol, o PT preteriu o PDT, fortalecendo na sigla as articulações pela candidatura própria, a de Juliana Brizola, que acabou por drenar quantidades importantes de votos da deputada.
Agora, a procura por Juliana começou a ser articulada tão logo o resultado se confirmou. O PT deseja substituir o pacto de não agressão firmado no primeiro turno por um apoio explícito da pedetista. Vai procurar também pelo vice de Juliana, o deputado estadual Thiago Duarte (União Brasil), considerado peça central no desempenho obtido pelo PDT nas urnas e com densidade eleitoral expressiva no extremo sul da cidade. Os petistas acreditam na deterioração da relação entre Thiago e Melo.
Rosário vai examinar mais detalhadamente os mapas de votação, para levantar onde Juliana teve melhor desempenho. E pretende dobrar a aposta no eleitorado das periferias, por considerar que, em parte das zonas nobres já dominadas pela direita, insistir em uma virada seria como “pregar no deserto”.
Em outra frente, tentará nacionalizar a campanha. Nesta terça-feira, uma reunião da executiva nacional do partido vai tratar, entre outros pontos, da presença física do presidente Lula em Porto Alegre no segundo turno. A campanha planeja fazer comício. E, além de Lula, buscar
associar Rosário a políticos populares.
Será parte do plano para tentar diminuir a rejeição histórica da deputada, atribuída, em grande medida, a uma interpretação equivocada de sua trajetória em defesa dos direitos humanos e a um certo ranço de parcelas do eleitorado.
A associação com outras lideranças teve início ainda no primeiro turno, antes ainda de os petistas identificarem a queda da candidata e a ascensão simultânea de Juliana, que abalaram o ânimo da campanha e quase custaram a vaga no segundo turno. Nas últimas duas semanas, principalmente, Rosário fez agendas acompanhada pelo presidente da Conab, Edegar Pretto. Candidato do PT ao governo em 2022, ele, na época, mostrou um desempenho que surpreendeu até os petistas e por muito pouco não deixou de fora o governador Eduardo Leite (PSDB).
A ideia agora é intensificar a participação de lideranças populares, com alta densidade eleitoral, e que transitam com desenvoltura ao centro, em setores importantes das classes média e alta, para além de vinculações partidárias. Nas entrevistas na PUCRS, no domingo, a petista compareceu acompanhada do ex-governador Tarso Genro (PT) e do vereador Pedro Ruas (PSol).
A diferença de mais de 20 pontos entre ela e Melo vai ditar o tom do segundo turno. Ela vai para o tudo ou nada, porque a corrida é difícil e ela não tem nada a perder. Na prática, isso significa que o tom deve ser mais agressivo. Os petistas têm esperança também de que os tempos iguais na propaganda no rádio e na TV ajudem no aumento dos seus índices. E avaliam explorar a perspectiva de que Melo, se eleito, não pretende terminar o mandato, e sim se apresentar para disputar o governo do Estado em dois anos.