A 100 dias do primeiro turno das eleições municipais de 2024, articulações para o encaminhamento do pleito ocorrem Brasil afora, impactando de alianças locais a negociações do Executivo federal com o Congresso. Entre as capitais, Rio de Janeiro e São Paulo já alimentam o noticiário nacional. E o mesmo ocorre regionalmente em outros grandes colégios, como Curitiba, Recife ou Salvador. No RS, contudo, admitem especialistas e dirigentes partidários, o ritmo é mais lento em praticamente todos os 497 municípios.
O motivo para o freio na arrancada da disputa de 2024 é o mesmo que mudou a configuração de prioridades dos eleitores, obrigando políticos e administradores públicos e reverem estratégias: a tragédia climática que assolou o RS a partir do fim de abril. E cujas consequências, como a necessidade de prevenção, gerenciamento do desastre e grandes ações e obras de reconstrução, vão impactar a vida dos gaúchos por muito tempo.
Os primeiros efeitos da catástrofe nas disputas municipais aconteceram ainda durante a fase de emergência, que gerou incerteza nas equipes de pré-candidatos e prefeitos e vereadores que pretendem disputar a reeleição. Todas tentavam avaliar qual o melhor nível de exposição e chegar a um que mostrasse engajamento e liderança, mas não ao ponto de poder ser classificado como exploração da tragédia. Na sequência, diferentes partidos contrataram sondagens qualitativas e quantitativas. E descobriram que a população, logo após o desastre, não queria ouvir falar de eleição. Isso aumentou a cautela, refreando ainda mais ações abertas de pré-campanha e embaçando cenários.
Agora, partidos e pré-candidatos, principalmente aqueles que disputarão o comando das cidades, ajustam internamente suas estratégias de forma a incluir propostas que tratem da questão climática e, ao mesmo tempo, os mostrem como lideranças capazes de enfrentar e gerir crises dela decorrentes. Aqueles que já exercem mandatos também esperam pela conclusão de ações ou obras que possam mostrar. Mas uma série de fatores demanda planejamentos afinados no detalhe. Entre eles, a percepção da população sobre temas muito diversos, que vão da preservação do meio ambiente aos questionamentos sobre o conceito de poder público.
Situação de crise será fator
Para a professora e cientista política Luciana Papi, que coordena o programa de pós-graduação em Políticas Públicas da Ufrgs e o Núcleo de Pesquisa em Gestão Municipal (Nupegem) da mesma universidade, o que vai pautar as eleições é a robustez das administrações, de forma a que as prefeituras mostrem que conseguem se antecipar às situações de crise, sabem fazer seu gerenciamento e têm capacidade para mitigar seus efeitos. Ela aponta, contudo, para a complexidade da situação.
“Desde os anos 90, há um processo de deslegitimação da esfera pública em relação ao modelo de mercado, com a difusão de um pensamento que valoriza o mercado como melhor alocador de recursos, que conseguiria dar melhores respostas, de forma mais célere e menos burocrática. Mas há, de outra parte, desde a crise de 2008, o desenvolvimento de um modelo de reforma do Estado, no sentido de torná-lo mais forte, aumentando tanto as respostas quanto a capacidade e a participação da população. Porque, em momentos críticos, o Estado é cobrado e tem responsabilidade de dar respostas a sociedade. Aí vem à tona a necessidade de um Estado robusto. Estamos vendo esta configuração neste momento. A população, ao mesmo tempo em que é capturada por este discurso de deslegitimação do Estado, também espera por respostas do poder público, que precisa estar fortalecido para fornecê-las.”
O pesquisador e professor Sergio Simoni Junior, do Departamento de Ciência Política da USP, acrescenta mais ingredientes à equação que os candidatos vão precisar fazer para convencer os eleitores de que são a melhor opção para os próximos quatro anos. “As pessoas estão mais de olho na questão climática. Mas isto não significa, por exemplo, que vão apoiar promessas, pacotes ou plataformas de sustentabilidade ambiental nas quais precisem abrir mão de ganhos do presente em prol de benefícios futuros. Esta é a grande dificuldade de implementar ações de prevenção”, assinala.
Simoni lembra que diferentes estudos já realizados para tratar do comportamento de eleitores após desastres naturais mostraram que a população tende a “punir” os governantes que estão no poder durante as tragédias, ou os candidatos por eles apoiados. Mas, por outro lado, há levantamentos que apontam para as possibilidades de recuperação da imagem.
“Também há estudos que mostram que a punição pode ser minimizada ou até se converter em benefício caso estes governantes ou os candidatos por eles apoiados demonstrem eficiência para recuperar, combater ou diminuir os efeitos dos desastres”, ressalva o professor. Qual dos cenários vai ocorrer no RS nas próximas eleições, adianta ele, depende muito das estratégias de cada candidato, e “de como as pessoas vão perceber e atrelar a cada um de fato os benefícios.”