Com medo de furtos, pescadores de Itapuã improvisam casas em barcos

Distrito de Viamão que abriga a colônia de pescadores Z-4 tem pelo menos 150 casas afetadas pela cheia do Guaíba

Grupo se mantêm unido para superar momento de crise e projeta dificuldades para seguir atividades mesmo após recuo do Guaíba | Foto: Mauro Schaefer

O barco é o ganha pão, o dia a dia e a ligação com o mundo para a maior parte das pessoas que fazem de Itapuã um lar. Ele une homem e água, permitindo convívio com a natureza e o sustento econômico. Pois a cheia do Guaíba transformou a ferramenta de trabalho em artigo de sobrevivência.

Na pacata prainha do distrito de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre, onde a água ganhou terreno, lá está uma embarcação. Pequenas, médias ou grandes, de madeira ou metal, percorrem das ruas alagadas ao Guaíba aberto, sempre transportando solidariedade e esperança.

No lugar de redes e peixes, o Volnei Júnior agora carrega marmitas, roupas e todo o tipo de itens que algum vizinho esteja necessitando. Ele perdeu as contas das viagens que fez desde que o Estado foi colhido pela maior tragédia climática de sua história. E nem faz questão de contar.

“Estou o dia todo em prontidão, só quero ajudar meus amigos, quantas vezes precisarem”, conta o pescador da Colônia Z-4, nascido e criado em Itapuã, como se orgulha em anunciar. O oposto, diga-se de passagem, do que ocorre quando perguntado sobre a idade, a bem do mistério que insistiu em manter.

Pelo menos 150 casas foram atingidas pela cheia do Guaíba em Itapuã. A praça em frente a Igreja Nossa Senhora dos Navegantes, local das celebrações da comunidade, agora é estacionamento de embarcações. É desta marina improvisada que Volnei e outros colegas partem diversas vezes ao dia. São rondas, transporte de mantimentos e visitas aos que não deixaram as propriedades onde vivem.

Animais e casas submersas: o retrato da força das águas Animais e casas submersas: o retrato da força das águas | Foto: Mauro Schaefer
Alguns minutos navegando a partir do centrinho do vilarejo e é possível chegar no terreno da Denise Graboski e da Iara Goldinho. A casa de alvenaria recém-construída com muito esforço por elas foi tomada pela água, restando para fora o telhado e a parte superior das aberturas.

O barquinho avança entre cercas e outras moradias que não tiveram a mesma sorte e ruíram. Metros adiante, dois barcos maiores estão amarrados a árvores. Eis que ao ouvir ao motor do transporte de Volmir, as duas pescadoras saem debaixo da lona que há 18 dias faz vez de teto a elas.
“Nosso barco agora é nossa casa também. Decidimos ficar e cuidar”, diz.

Grupo se mantêm unido para superar momento de crise e projeta dificuldades para seguir atividades mesmo após recuo do Guaíba Grupo se mantêm unido para superar momento de crise e projeta dificuldades para seguir atividades mesmo após recuo do Guaíba | Foto: Mauro Schaefer
Elas não estão sozinhas. No lar improvisado estão as gatas Mimi e Neguinha; e as cachorras Baby e Juma. “Nossas pareceras”, explica Iara.

Alem da lona, as seis meninas contam com uma cozinha improvisada. O alimento e o chimarrão preparados nela
Chegam das mãos de amigos e colegas de profissão que as visitam.

As pescadoras não estão sozinhas na missão de tentar evitar furtos durante a enchente. O Claudinei Machado Barbosa, e o Delmar Bierholse, vizinhos de terreno, agora mantêm a vizinhança de barco. “Estamos aqui, ilhados, porque Infelizmente andam uns indivíduos querendo mexer nas coisas do pessoal, no pouco que sobrou. Não é fácil, afirma.

Perguntados de onde tiram força para seguir há quase 20 dias improvisados como estão, resistindo à chuva ao vento e ao frio, os quatro são unânimes no agradecimento aos voluntários e amigos que não lhes deixam sós.

“Temos que resistir. Enquanto estivemos vivos, temos que resistir” destaca Delmar.

“O alimento, a água, a roupa… isto tem chegado, graças aos amigos como o Júnior. Mas vamos precisar de ajuda para reerguermos nossas casas. Depois que isso tudo passar, ainda vai levar tempo para que a gente volte a pescar, não dá pra jogar rede com o rio cheio de lixo assim”, lembra Claudinei.

“É só por Deus e pelo nosso povo”, entende Denise.