A falta de luz encobre a atuação das facções, afirmam os moradores do bairro Mario Quintana, na zona Norte de Porto Alegre. Eles contam que traficantes se valem da escuridão para ameaçar rivais, efetuar disparos e ostentar armamento de grosso calibre em via pública. Parte da região permanece sem energia desde o temporal, na última terça-feira.
Um morador relata que, à noite, os criminosos aproveitam a falta de iluminação nos postes para sair às ruas. O objetivo é localizar rivais. As buscas são feitas com pistolas em punho e fuzis a tiracolo.
“A falta de luz facilitou muito a atividade dos traficantes. Sem iluminação nas ruas, eles desfilam com armas pesadas, todas à mostra”, destacou, em condição de anonimato.
Ainda segundo ele, as incursões noturnas visam conquistar pontos de tráfico. As patrulhas incluem ameaças de morte em voz alta, contou. “Gritam que quem estiver nas ‘biqueiras’ [pontos de tráfico] vai morrer, não importa quem for.”
Outro morador disse, também sob sigilo, que a venda e distribuição de entorpecentes aumentou após a falta de energia. Um dos indícios seria o maior fluxo de veículos na região, durante o turno da noite. “Houve aumento na movimentação de motos e carros. Isso vem ocorrendo desde quando faltou luz”, afirmou ele.
Relatos também dão conta que, na noite de domingo, houve estouro de fogos de artifício junto a rajadas de tiros. O ato seria uma homenagem póstuma dos traficantes a dois jovens, ambos de 18 anos. Eles eram integrantes de uma facção. A dupla foi baleada e morta por rivais, no início do mês.
BM impede atentado
Ainda na noite de domingo, a Brigada Militar frustrou um ataque a tiros no bairro Mario Quintana. A suspeita é que o atentado ocorreria na Vila Safira. Foram presos quatro homens de 24, 31, 35 e 43 anos. Todos eles já tinham antecedentes criminais.
Na ocasião, a Força Tática do 19º BPM interceptou o veículo dos criminosos na avenida Protásio Alves. Houve perseguição e os bandidos acabaram se chocando contra um poste, na esquina entre as ruas Bom Jesus e Alfredo Ferreira Rodrigues. Eles atiraram contra os soldados, que revidaram.
Dois criminosos foram baleados. Ambos receberam atendimento no HPS e não correm risco de morrer. Nenhum policial militar ficou ferido.
Foram apreendidos dois fuzis, duas pistolas, seis carregadores de pistola, dois carregadores de fuzil e aproximadamente 200 munições.
Os presos haviam saído do bairro Bom Jesus, na zona Leste. Desde setembro, a facção que eles integram está em guerra com o grupo da zona Norte.
Operação permanente
Segundo o 20º BPM, os últimos dias não registraram aumento de ocorrências no Mario Quintana. O major Hélcio Gaira não descarta que o crime organizado tire proveito da falta de luz, mas enfatiza que a segurança foi reforçada na localidade.
“Não deixamos de fazer nosso trabalho por causa do temporal. Estamos cuidando de perto da comunidade. Contamos com seis guarnições a mais no Mario Quintana, com apoio 24 horas”, declarou.
O major destaca que o reforço do policiamento é fruto da Operação Saturação de Área, deflagrada em caráter permanente pela BM e Polícia Civil. Não há prazo de término da ação.
A ofensiva é uma resposta à nova escalada da guerra entre facções. Desde janeiro, o confronto já deixou 11 mortos na região.
Conforme o Departamento Estadual de Homicídios, a zona Norte é a que mais concentra assassinatos em Porto Alegre. Aproximadamente 80% dessas mortes ocorrem dentro do contexto do crime organizado.
Entenda a guerra do tráfico
O bairro Mário Quintana passa por uma guerra de facções desde o final de setembro. O pivô do conflito é Maicon Donizete Pires dos Santos, o Red. Ele atuava como gerente do tráfico local, subordinado a José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca.
Minhoca foi preso em 2016 e transferido para uma penitenciária federal, no ano seguinte. A ausência dele fez com que Red expandisse sua influência, a ponto de abandonar os aliados e formar a própria quadrilha. Desde então, as duas facções travam disputas pelo controle do tráfico.
O novo grupo se intitula Comando Nova Geração. Atualmente, Red é considerado o foragido mais procurado de Porto Alegre. Segundo a Polícia Civil, a facção comandada por ele arrecada R$ 1 milhão por semana com a venda de drogas. A corporação suspeita que o criminoso possa estar escondido em outros estados ou no Paraguai.