“Sou um fã do plenário”, diz o ‘37º’ vereador de Porto Alegre

Diretor legislativo, Luiz Afonso completará 45 anos de serviço na Câmara de Porto Alegre e guarda recordações e bastidores da política

Luiz Afonso é o atual diretor legislativo, mas, por sua importância, é chamado de 37º vereador | Foto: Mauro Schaefer

De linhagem política, o diretor legislativo da Câmara de Porto Alegre, Luiz Afonso de Melo Peres, completará 45 anos de trabalho na Casa em 2024, exercendo uma função que define como “técnica, mas muito tocada pela política”. Com conhecimento do regimento interno do título ao ponto final, o diretor, intitulado pelos próprios parlamentares como o vereador de número 37, atua ao lado do presidente nas sessões, conduzindo o ritmo constitucional do plenário.

Nesta segunda-feira, ele foi pego de surpresa e recebeu um troféu em homenagem ao trabalho realizado no Legislativo, que completa 250 anos. A mesa, composta por membros da Mesa Diretora e por ex-presidentes da Casa, parabenizaram o diretor, que recebeu elogios de vereadores de diferentes bancadas.

Comparando os primeiros anos na Casa com a última eleição, Luiz Afonso comenta que “as relações no plenário eram mais formais” e que a principal diferença é a força das mídias sociais. “A idade média dos vereadores diminuiu, vereadores veteranos não se elegeram”, reflete, admitindo estar “curioso para a próxima eleição”, já que “a política de corpo a corpo voltou, mas as mídias continuam fortes”.

Sobre sua trajetória, resume: “eu não sei fazer outra coisa na minha vida”. Aposentado desde 2019, ele recebeu convite para seguir no cargo, dizendo ter dificuldade para ficar um longo período em casa e afirmando ser “um fã do plenário”.

Avaliando as relações construídas na Casa, Luiz se orgulha por nunca ter cultivado inimizades. “Não faço política. Até eu me espanto com isso. A minha função é fazer o que os vereadores querem, acontecer e, no meu caso, são os projetos de lei”, declara. Sobre permanecer por 50 anos no Legislativo, diz que “seria legal, mas que essas coisas dependem dos acordos políticos”.

Banho na presidência e o garçom Ernesto 

Como um parlamento que já teve ex-jogadores de futebol como vereadores, como os casos de Sadi Schwerdt, ex-lateral do Internacional, Tarciso Flecha Negra, campeão mundial pelo Grêmio e, na atual legislatura, Cassiá Carpes (PP), que já transitou pela dupla de Porto Alegre como atleta e treinador, era comum o hábito dos parlamentares jogarem partidas após o expediente, normalmente na sexta-feira, conta Luiz Afonso.

Outro fato cômico que recorda ocorreu no plenário. Em uma fala inflamada, a dentadura de um vereador caiu. Um conhecido garçom da época, Ernesto, que andava com um pano em seu braço, viu a cena e em um aceno ao presidente da Câmara, recebeu a autorização para buscar discretamente o objeto caído, enrolando-o no pano. Logo depois, a dentadura apareceu ao lado do parlamentar.

Luiz Afonso

Com uma ampla trajetória na Câmara, Luiz Afonso guarda bastidores da vida política da Capital / Foto: Mauro Schaefer

Tensão: regime militar e invasão da Casa

Eleitos em 1977 para assumirem no ano posterior, os vereadores Glênio Peres e Marcos Klassmann, ambos do MDB, tiveram seus mandatos cassados e seus direitos políticos suspensos pelo regime militar, fundamentados pelo quarto artigo do AI-5. Em 1979, com a Lei da Anistia, que perdoou todos os que haviam cometido crimes políticos no período, os dois foram reconduzidos às suas vagas na Câmara de Porto Alegre.

Luiz Afonso tinha poucos meses de trabalho, mas conta que “houve uma tensão muito grande no dia marcado para a posse” e que “os boatos eram de que a Câmara seria fechada para impedir o empossamento”. Avalia, no entanto, a atitude do presidente da época, Cleom Guatimozim, do MDB, de manter a solenidade como “muito corajosa”.

Mais de três décadas depois, em meio às manifestações de julho de 2013, outro momento conturbado no Legislativo. Jovens ligados ao Bloco de Luta pelo Transporte Público, que exigiam o passe livre e a transparência nas contas das empresas de ônibus, permaneceram por oito dias acampados no plenário. “Foi um período bem confuso, um momento político muito tenso”, define. Em uma imagem do ato, que circulou nas redes sociais, 22 pessoas aparecem nuas e, acima delas, alguns quadros de ex-presidentes da Câmara foram virados de cabeça para baixo, como forma de protesto. O conflito foi resolvido após uma reintegração de posse obtida na Justiça e gerou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apuração dos fatos.

“Eu não sei fazer outra coisa na minha vida”, reflete Luiz Afonso. Afirmando ser “um fã do plenário”, ele assumiu como diretor legislativo em 2008, quando o atual prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), se tornou presidente da Casa. Além de compartilharem o mesmo sobrenome, Melo e Luiz Afonso compartilharam a trajetória de graduação no curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo. “Eu e Melo nos formamos juntos, ele foi o orador da nossa turma. Temos muito boa relação”, conta.

Dizendo ter “dificuldade para ficar um longo período em casa”, Luiz Afonso é aposentado desde 2019, mas recebeu o convite para continuar exercendo o seu cargo. Natural de Charqueadas, a cerca de 40 quilômetros da Capital, iniciou a sua vida profissional aos 16 anos, em uma siderúrgica da região, onde ficou até os 19.

A mudança para a carreira no Legislativo veio repentinamente após a morte de um dos assessores do ex-vereador de Porto Alegre, Sadi Schwerdt, à época no MDB, que tentava a eleição para deputado estadual, apoiado pela família de Luiz Afonso, e convidou-o para integrar o seu gabinete. “Quando entrei na Câmara foi fantástico, passei a ver pessoas que antes só via pela televisão”, contou, complementando que “Sadi foi um excelente vereador, entendia de orçamento e foi o autor da lei que criou os táxis-lotação”.

Em alguns períodos, porém, já exerceu atividades fora do Legislativo. Uma das oportunidades foi quando assumiu como secretário da Fazenda do município de São Jerônimo, vizinho da sua cidade natal, indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff, que atuava como diretora-geral da Câmara de Porto Alegre e militava pelo PDT, partido que havia recém eleito o prefeito da cidade, Urbano Knorst.

Luiz relata que, em uma conversa com a ex-presidente, ela lhe falou que ele “se daria mal lá”, já que a “prefeitura estava desorganizada e o salário não era ‘lá essas coisas’, mas que se fizesse um bom trabalho, começaria a aparecer”. “Consegui reorganizar as finanças municipais, colocamos a prefeitura nos trilhos e, realmente, as coisas começaram a acontecer”, concluiu o diretor. Luiz Afonso ainda trabalhou nos gabinetes dos ex-vereadores Glênio Peres (integrou o MDB e foi um dos fundadores do PDT) e Wilton Araújo (PDT), antes de ser nomeado para a função de ajudante legislativo.

Avaliando as relações construídas nas quase cinco décadas de Casa, Luiz se orgulha por nunca ter cultivado inimizades. “Não faço política. Até eu me espanto com isso. A minha função é fazer o que os vereadores querem, acontecer e, no meu caso, são os projetos de lei”, declara. Questionado se quer bater a meta de permanecer por 50 anos no Legislativo, o diretor diz que “seria legal, mas que essas coisas dependem dos acordos políticos”.