Três anos após a Brigada Militar ter baleado por engano o radiologista angolano Gilberto Casta Almeida, de 29 anos, e a namorada dele, que morreu 15 dias após os disparos, a 4ª Vara Cível da Comarca de Gravataí determinou que o Estado gaúcho indenize o estrangeiro e dois irmãos dela, em R$ 580 mil.
A perseguição, seguida de abordagem policial e tiroteio, ocorreu em 2020, na cidade da região Metropolitana. O alvo da BM era o motorista do carro de aplicativo em que Almeida e a namorada eram passageiros, conforme as investigações. O suspeito, que era foragido da Justiça e reagiu à abordagem atirando, ainda tentou fugir, mas acabou preso.
Almeida levou quatro tiros e a costureira Dorildes Laurindo, um. O disparo a atingiu na medula e no intestino. Conforme a decisão judicial, os irmãos da mulher devem receber parte do valor indenizatório.
“’Dantesco’ talvez não seja termo suficiente para descrever o episódio. Faltam no léxico palavras para bem retratar tamanha brutalidade, em uma sucessão de violações à dignidade da pessoa humana, que, no papel, é fundamento desta República”, escreveu na sentença o juiz responsável pelo processo.
Em relação à valoração do ressarcimento, o magistrado entendeu que Dorildes teve mais de um direito violado ao ser baleada pelas costas, sem que tenha oferecido resistência, “algemada, pisoteada, arrastada e estapeada”.
O Judiciário acrescentou que o índice de reprovabilidade da conduta dos PMs se mostrou elevado, tanto pelo ataque “absolutamente desproporcional” a uma mulher indefesa, como pelo fato de que deixaram de informar à autoridade policial que ela e o namorado eram inocentes.
O juiz finalizou dizendo que “Gilberto permaneceu custodiado no hospital, como se criminoso fosse, já que, em depoimento no auto de prisão em flagrante, os agentes policiais imputaram-lhe a autoria de três tentativas de homicídio. De lá saiu sem ter ao menos roupas para vestir-se, em direção a uma cela insalubre em uma delegacia de polícia, onde foi novamente ultrajado por agentes do Estado”.
Relembre o caso
Gilberto e Dorildes se conheceram pela internet e decidiram se conhecer pessoalmente. No fim de semana de 16 de maio de 2020, Gilberto decidiu visitar Dorildes no Rio Grande do Sul. Para retornar da casa do irmão de Dorildes, no litoral Norte, o casal resolveu utilizar um carro de transporte por aplicativo. O motorista do veículo, foragido da justiça pelo crime de tentativa de feminicídio, não parou após a abordagem policial.
Gilberto e Dorildes foram encaminhados a atendimento médico. A Brigada Militar, contudo, entendeu que o angolano também havia participado da ação, inclusive, atirando contra o efetivo policial. Até provar inocência, o radiologista ficou 12 dias preso.
A investigação, a cargo do delegado Eduardo Amaral, da Delegacia de Homicídios de Gravataí, constatou que a arma encontrada no local do tiroteio pertencia ao motorista. Após o depoimento de todos os envolvidos, a Polícia esclareceu que o casal era inocente. Conversas obtidas nos celulares, tanto das vítimas quanto do motorista, colaboraram para a elucidação do caso.