No dia seguinte à depredação das sedes dos Três Poderes por extremistas, o governo federal convocou restauradores de obras de arte de todo o país para recuperar itens danificados em Brasília. Nessa tarde, o Ministério da Cultura organizou uma reunião para requisitar servidores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) com conhecimento em restauração.
Segundo especialistas ligados ao Palácio do Planalto, a recuperação da maioria das obras é possível, mas existem casos em que a restauração vai ser muito difícil.
Ontem à noite, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, determinou uma diligência a cargo do Iphan para avaliar a destruição no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal e nos demais espaços tombados da Esplanada.
“O mundo assiste, estarrecido, à violência do terrorismo de extrema direita contra o estado democrático brasileiro. A dilapidação do patrimônio público e da consciência livre do nosso povo não será tolerada. Os culpados serão identificados e rigorosamente punidos na forma da lei”, postou a ministra no Twitter.
Hoje, o Palácio do Planalto divulgou a relação preliminar das obras vandalizadas na tarde desse domingo. Segundo o Palácio, ainda não é possível avaliar todos os danos causados ao mobiliário e às pinturas, mas existem obras importantes danificadas no térreo, no segundo e no terceiro andares.
As principais obras danificadas no Planalto foram as seguintes:
No andar térreo:
• Pintura Bandeira do Brasil, de Jorge Eduardo, de 1995 — quadro que reproduz a bandeira nacional hasteada em frente ao palácio e serviu de cenário para pronunciamentos dos presidentes da República, encontrada boiando sobre a água que inundou todo o andar, após vândalos abrirem os hidrantes.
• Galeria dos ex-presidentes — totalmente destruída, com todas as fotografias retiradas da parede, quebradas e jogadas ao chão.
No 2º andar:
• Corredor que dá acesso às salas dos ministérios sediados no Planalto, brutalmente vandalizado. Há muitos quadros rasurados ou quebrados, especialmente fotografias. O estado de diversas obras não pôde ainda ser avaliado, pois é necessário aguardar a perícia e a limpeza dos espaços para só daí ter acesso ao material.
No 3º andar:
• Obra As Mulatas, de Di Cavalcanti — a principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto, encontrada com sete rasgos, de diferentes tamanhos. A obra é uma das mais importantes da produção de Di Cavalcanti, em valor estimado em R$ 8 milhões, embora peças dessa magnitude costumem alcançar montantes até cinco vezes maiores em leilões.
• Obra O Flautista, de Bruno Giorgi — escultura em bronze, encontrada completamente destruída, com pedaços espalhados pelo salão. Avaliado em R$ 250 mil.
• Escultura de parede em madeira de Frans Krajcberg — quebrada em diversos pontos, a obra se utiliza de galhos de madeira, que foram quebrados e jogados longe. A peça está estimada em R$ 300 mil.
• Mesa de trabalho de Juscelino Kubitscheck — exposta no salão, usada como barricada pelos extremistas, nesse domingo. Avaliação do estado geral ainda precisa ser feita.
• Mesa-vitrine, de Sérgio Rodrigues — o móvel abriga as informações do presidente em exercício. Teve o vidro quebrado.
• Relógio de Balthazar Martinot — o relógio de pêndulo do século 17 havia sido um presente da Corte Francesa para Dom João VI. Martinot era o relojoeiro de Luís XIV. Existem apenas dois relógios desse autor. O outro, exposto no Palácio de Versailles, é da metade do tamanho da peça completamente destruída pelos invasores do Planalto. O valor da peça é considerado fora de padrão.
Segundo o diretor de Curadoria dos Palácios Presidenciais, Rogério Carvalho, vai ser possível recuperar a maioria das obras vandalizadas, mas ele estima como “muito difícil” a restauração do relógio do século 17.
Congresso
Na Câmara dos Deputados, uma reportagem realizada pela TV Câmara identificou que os danos às obras de arte foram menores que o previsto. Ao contrário das primeiras informações divulgadas, o vitral Araguaia, da artista plástica Marianne Peretti, está preservado, assim como o quadro Candangos, de Di Cavalcanti.
Uma escultura de Alfredo Ceschiatti, um estudo para as estátuas dos anjos que compõem a Catedral de Brasília, não chegou a ser danificada. A estátua de Victor Brecheret, que desapareceu ontem da Chapelaria (entrada inferior do Congresso) foi encontrada no chão, atrás de uma poltrona.
Os maiores danos ocorreram na galeria de presentes de governos estrangeiros, exposta na entrada do Salão Verde. Diversos itens foram quebrados ou roubados, como vasos, ovos de avestruz e estátuas – uma delas, chinesa, arremessada contra os vidros e destruída.
Os prejuízos provocados no Senado foram estimados entre R$ 3 e 4 milhões. Segundo a diretora-geral da Casa, Ilana Trombka, os maiores prejuízos envolvem troca das vidraças quebradas e do carpete, totalmente alagado e manchado. Essa vai ser, inclusive, a prioridade para os próximos dias, visando a posse dos novos senadores, em 1º de fevereiro.
Mas houve uma série de outros prejuízos, com obras de arte danificadas, e um tapete de Burle Marx vandalizado pelos criminosos, que inclusive urinaram na peça. Móveis históricos, referentes à segunda sede do Senado Federal, no Palácio Monroe, no Rio de Janeiro, também foram alvo do ódio dos extremistas de direita. Uma mesa dessa época ficou tão danificada que talvez nem possa ser restaurada. Um tinteiro de bronze da época do império também foi vandalizado.
Um painel de Athos Bulcão está avariado. Um quadro de 1890, da assinatura da Constituição também ficou danificado. Extremistas tentaram derrubar o quadro, que é muito grande, e penduraram-se nele, sem sucesso.
Levantamento
Em nota, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos informou que continua acompanhando as informações sobre os danos causados nesse domingo. A pasta destacou que está dialogando com os outros Poderes para trocar informações sobre os autores das depredações.
O Ministério da Gestão informou que também está ajudando os demais ministérios em relação a contratos de manutenção predial para acelerar os trabalhos de recuperação.