Justiça de SC vai investigar conduta de juíza que tentou induzir menina estuprada a desistir de aborto

Atuação da magistrada pautou reportagem. Garota de 11 anos é mantida em abrigo enquanto tenta fazer procedimento legal

Juíza Joana Ribeiro Zimmer. Foto: Solon Soares/Alesc

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) vai investigar a atuação da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que tentou induzir uma menina de 11 anos, vítima de estupro, a desistir de realizar um aborto legal. O tema pautou uma reportagem do site The Intercept Brasil.

Em nota, o TJ informou que a Corregedoria-Geral da Justiça já instaurou pedido de providências na esfera administrativa para a devida apuração do ocorrido. O Judiciário destacou também que o processo está em segredo de Justiça, já que envolve menor de idade, “circunstância que impede sua discussão em público”.

A menina é mantida em um abrigo há mais de um mês, depois de enfrentar a resistência da juíza Joana Ribeiro Zimmer e da promotora Mirela Dutra Alberton, que argumentaram em audiência contra o procedimento e a favor da vida do feto.

Ainda de acordo com a reportagem, a menina recebeu atendimento de uma equipe médica no início de maio de 2022. O hospital alega ter negado o aborto porque a menina havia entrado na 22ª semana de gravidez e as regras da instituição permitem o procedimento até a 20ª semana. O caso, então, chegou à Justiça. O Código Penal, no entanto, permite a interrupção da gravidez em caso de estupro, sem impor limitação de semanas. Além disso, laudos médicos do caso apontaram que ela corre maior risco de vida a cada nova semana de gravidez.

Dias depois, a promotora do Ministério Público de Santa Catarina Mirela Dutra Alberton ajuizou uma ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da menina em um abrigo. Em 9 de maio, a criança participou de uma audiência judicial junto com a mãe, a juíza e a promotora. Na reunião, o grupo se comprometeu a evitar novas situações de abuso, mas a juíza e a promotora tentaram induzi-la a não realizar o aborto.

“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a juíza nas imagens. A promotora Alberton completa: “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”.

Ela continua e sugere que o aborto pode fazer a criança de 11 anos ver o bebê agonizar até a morte: “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”.

Na audiência, a juíza defende a tese de que o aborto não pode ser realizado após o prazo de 22 semanas de gravidez já ter passado. O procedimento após esse período, defende Zimmer, “seria uma autorização para o homicídio”. A juíza insiste na questão, travando o seguinte diálogo com a vítima de estupro:

“Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?”, pergunta a juíza.

“Não”, responde a criança.

“Você gosta de estudar?”

“Gosto.”

“Você acha que a tua condição atrapalha o teu estudo?”

“Sim.”

“Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?”

“Não.”

“Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?”, pergunta, referindo-se ao estuprador.

“Não sei”, responde a menina.

Nota
Em nota, a juíza Joana Ribeiro informou que “não se manifestará sobre trechos da referida audiência, que foram vazados de forma criminosa”. Ela ainda reforça que o caso tramita em segredo de Justiça e que busca garantir a devida proteção integral à criança.

O posicionamento ainda critica a divulgação da imprensa sobre a audiência. “Com o julgamento do STF pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento, qualquer manifestação sobre o assunto à imprensa poderá impactar ainda mais e para sempre a vida de uma criança. Por essa razão, seria de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça.”

Já a promotora Mirela Dutra Alberton respondeu que o hospital se recusou a realizar a interrupção da gravidez e que médicos podem agir em caso de situação concreta de risco à vida da criança. “Por conta dessa recusa da rede hospitalar, inclusive com documentos igualmente médicos encaminhados à 2ª Promotoria de Justiça de Tijucas, no momento da propositura da ação era nítido que a infante não estaria sujeita a qualquer situação de risco concreto, o que, inclusive, tem se confirmado em seu acompanhamento”, afirmou, em nota.

OAB
Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina manifestou preocupação com o caso. “Dentre as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez estão a violência sexual e o risco de vida para a gestante. Diante disso, estamos buscando junto aos órgãos e instituições com atuação no caso todas as informações necessárias para, de forma incondicional, resguardarmos e garantirmos proteção integral à vida da menina gestante”, afirmou a instituição.

Em entrevista ao portal R7, especialistas afirmaram que o aborto em caso de estupro não precisa de autorização judicial, mas que médicos exigem essa documentação. Os outros requisitos são autorização da gestante (ou representante legal) e que a gravidez tenha ocorrido a partir do crime.

“Em tese, pode acontecer a qualquer momento [o aborto por causa de estupro], não tem um tempo, a lei não fala em tempo. O que acontece é que muitos médicos acabam exigindo que se tenha uma autorização judicial, e isso faz com que a gravidez se prolongue”, explica o advogado Matheus Falivene, especialista em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP).

No entanto, o advogado Leonardo Pantaleão pondera que existem precedentes judiciais para justificar interpretações como a da juíza Joana Ribeiro Zimmer. Ele ressalta, porém, que em caso de risco à grávida não existe prazo de gestação para impedir o aborto e o precedente não é válido.

“Tem-se entendido que [é possível o aborto] até a 20ª semana — podendo se estender até a 22ª, no máximo —, mas desde que o feto não tenha um peso superior a 500 gramas […] Isso não existe em lei, não existe em nada, é uma questão de praxe que acabou se estabelecendo”, completa ele sobre o entendimento.