Estiagem afeta mananciais de três importantes cursos d’água do RS

Atual situação dos rios Gravataí e Sinos, mais o Lago Guaíba, impacta quase 40% da população gaúcha

Foto: Secretaria de Agricultura e Abastecimento de Flores da Cunha / Divulgação

As regiões por onde correm os rios Gravataí e Sinos, mais o Lago Guaíba, são de extrema importância para o desenvolvimento social e econômico do Rio Grande do Sul. Juntos, eles comportam 41 municípios, e mais de 4,4 milhões de habitantes, segundo estimativa do IBGE – 39% da população gaúcha. Repleto de belezas naturais, os cursos d’água em questão sofrem também de uma espécie de efeito reverso em cada estiagem prolongada. É quando a vazão diminui, e formam-se os indesejados bancos de areia, que por si só mostram rios em estado de agonia.

Mas a captação de água é necessária a grande parte dos moradores, e por isso, é preciso saber equilibrar estas atividades econômicas com a preservação ambiental. Das 41 cidades, 10 já haviam decretado situação de emergência por causa da estiagem. O Rio Gravataí, por exemplo, está baixando de 2 a 5 centímetros por dia. O alerta é do presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, Sérgio Cardoso.

O comitê pleiteia pelo menos R$ 8,5 milhões em investimentos aguardados há, pelo menos, dois anos, com previsão de recursos pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos e das secretarias estaduais de Meio Ambiente e da Agricultura, dos quais R$ 2 milhões serão para executar 13 minibarramentos para segurar a água no período de verão. O projeto é considerado fundamental por Sérgio, justamente para evitar prejuízos aos mananciais em períodos de pouca chuva. O governo garantiu recentemente que a verba para estes projetos existe e tem prioridade.

O Gravataí recebe, hoje, esgoto de cerca de 500 mil moradores do entorno, especialmente da Zona Norte de Porto Alegre. “São cerca de 50 toneladas de materiais por dia desmanchando na água”, afirma Sérgio. Além disso, o nível do rio, no ponto de captação da Corsan em Gravataí, estava em apenas 60 centímetros às 17 horas da última quarta-feira, 16, segundo o monitoramento da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). Foi a primeira vez neste mês que o rio entrou em nível crítico. Com isso, só é permitido captar água para o abastecimento da população.

Há 50 anos, a família de Breno Duarte é proprietária do Balneário Passo das Canoas, em Gravataí. Segundo ele, o local banhado pelo Rio Gravataí recebe até 2 mil pessoas por final de semana. “O rio está baixo, mas já esteve pior. Mesmo assim, as pessoas continuam vindo”, afirma ele. Apesar da baixa, há famílias que visitam o local. “A situação está bem crítica. A gente costuma vir quando está cheio, mas hoje, está bem complicado”, disse o operador de empilhadeira Anderson Marques, morador de Alvorada. Ele estava no Passo das Canoas acompanhado da esposa, a promotora de vendas Daiane dos Santos, e os dois filhos, Lorenzo, 4 anos, e Brayan, 2.

No Rio dos Sinos, cuja bacia integra 30 municípios, não é diferente. “Em janeiro, tivemos níveis abaixo do que estamos verificando hoje, mas o nível continua muito baixo. A quantidade de chuvas previstas ainda é menor do que o necessário para manter o nível mais próximo à média anual”, salienta a presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio do Sinos (Comitesinos), Viviane Feijó Machado. Conforme ela, a baixa disponibilidade de água afeta produtores rurais, indústrias e principalmente o setor de saneamento.

“Ocasiona também a concentração dos poluentes presentes no rio, por exemplo, o volume de esgoto não tratado na bacia hidrográfica permanece o mesmo com uma vazão do Sinos menor neste período de estiagem”. O assoreamento no Sinos acontece mais, de acordo com Viviane, na região baixa, ou seja, próxima da foz e justamente a mais populosa, onde a velocidade da correnteza é menor. Conforme o Comitesinos, normalmente, na foz do rio, a vazão de água é de 84 m³ de água por segundo, índice que cai para 3,1 m³/s em períodos de seca.

Recentemente, houve avanços importantes. Tanto o Sinos quanto o Gravataí foram contemplados com o Programa Estadual de Revitalização de Bacias Hidrográficas, coordenado pelo Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento, e que vai durar 18 meses. Em ambos os casos, em um primeiro momento, serão realizados estudos comparativos de alternativas de intervenções para aumentar a disponibilidade de água e minimizar os efeitos da escassez durante a estiagem.

Já no Lago Guaíba, a situação é variável, mas não dispensa atenção. A reportagem visitou a foz do Arroio Dilúvio, e lá, não havia pontos de seca, nem os tão comuns resíduos sólidos. O vento vinha do sul, impedindo parte do fluxo de descer à Lagoa dos Patos. Ainda assim, a régua da Sema no Cais Mauá apontava um nível de 55 centímetros no final da manhã da última quinta-feira, 17. “A estiagem é um problema recorrente. Volta e meia, a cada três ou quatro anos, isto acontece de novo. Temos a convicção de que precisamos reservar água, criar grandes e médias barragens, açudes, para que isto não aconteça mais”, afirma o presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba e diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio Grande do Sul (Senge RS), Valery Pugatch.

Na visão dele, porém, é muito difícil que a estiagem afete a vazão ou o volume do rio, que recebe água de outros diversos, a exemplo do próprio Sinos e Gravataí. “No final das contas, é possível que a qualidade da água seja um pouco mais crítica, mas não falta água”, salienta Pugatch. A vice-presidente do Comitê, Ana Elizabeth Carara, comenta que a estiagem atual é “preocupante”. “Afeta principalmente diretamente estes diferentes usuários da água. O Lago Guaíba é uma bacia bastante urbanizada, e está situada na região mais densamente povoada do Estado, com bastante atividade industrial e agrícola”, diz ela.

De acordo com a meteorologista Estael Sias, da Metsul, as notícias a curto prazo não são animadoras para os rios. A tendência é que a chuva permaneça abaixo da média no outono no RS, e o impacto daquela que cai é baixo no nível dos rios da Região Metropolitana. “Vai demorar para chover de forma mais regular. Com o calor e o consumo, eles baixam rapidamente”, afirma Estael, citando o fenômeno climático La Niña como responsável por influenciar o regime de precipitações até a próxima estação.