A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) enviou ao Ministério da Saúde, nesta quinta-feira, um ofício cobrando os estudos, pareceres e notas técnicas que subsidiaram a decisão de ampliar a aplicação de dose de reforço para toda a população adulta brasileira. A atualização não contou com aval ou consulta da agência reguladora, que ainda recebe dados das farmacêuticas para deliberar sobre o tema.
Responsável por fazer as análises de segurança, eficácia e qualidade de vacinas, a Anvisa não deixou de reconhecer que a disponibilidade de doses de reforço “é importante para a manutenção da proteção contra a Covid-19”, em especial para “pessoas que trabalham ou vivem em ambiente de alto risco de infecção, os idosos e os imunocomprometidos”, disse, no ofício. Por outro lado, ressaltou a necessidade de considerar a relação dos benefícios frente aos riscos individuais de um reforço vacinal.
Entre os fatores que provocaram a Anvisa, a inclusão de todo o público a partir de 18 anos e a diminuição de seis para cinco meses entre o intervalo da aplicação da dose extra e o término do esquema vacinal primário. A orientação de misturar as vacinas, no entanto, é o ponto mais questionado no ofício.
Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a aplicação do reforço da AstraZeneca e da CoronaVac devem ser preferencialmente feitos com uma vacina diferente das aplicadas no esquema de imunização primário – no caso, a da Pfizer. “É o que nós chamamos de vacinação heteróloga. Essa decisão é apoiada na ciência”, disse Queiroga durante o anúncio, nessa terça-feira. Em eventual desabastecimento, pode ser usado um outro imunizante.
Em contrapartida, até o momento, a Anvisa recebeu os pedidos da AstraZeneca e da Pfizer para autorizar uma dose extra e aguarda os estudos relativos à Janssen, mas nenhuma das farmacêuticas prevê a intercambialidade de doses entre diferentes fabricantes.
“Ainda que não exista uma avaliação regulatória robusta sobre a eficácia e segurança da vacinação heteróloga, destaca-se que, a princípio, os dados de algumas publicações científicas sugerem que as vacinações de reforço com vacinas heterólogas resultam em uma resposta imune mais robusta, mas também estão associadas a uma maior reatogenicidade [reação]”, destacou a agência reguladora no ofício.
A situação envolvendo a Janssen é ainda mais questionada. O ministério pretende aplicar a segunda dose da vacina da marca, que é um imunizante de única aplicação e, após cinco meses, disponibilizar outra dose extra de fabricante diferente. “Em relação à vacina da Janssen, as informações de conhecimento desta agência referem-se à possibilidade de aplicação de dose de reforço e não de segunda dose como parte do esquema primário de vacinação”, disse o ofício.
Neste sentido, a Anvisa afirmou ser “primordial que as estratégias de monitoramento das reações adversas e captação dos sinais de interesse da farmacovigilância estejam aptas e preparadas para essa nova realidade” e, por isso, pediu estudos que tiveram o acompanhamento de, pelo menos, dois meses após a aplicação da dose de reforço, bem como os resultados que apresentaram.
Segundo a agência, a decisão do ministério impôs a atuação da reguladora para o cumprimento das responsabilidades sanitárias, como responder pela eficácia e segurança do esquema vacinal proposto, adotar estratégias de monitoramento e cumprimento das diretrizes de farmacovigilância e prestar orientações aos serviços de saúde e aos cidadãos, assim como notificar queixas técnicas e eventos adversos da imunização.
Decisão desencontrada
Mesmo admitindo que é papel do ministério decidir sobre as estratégia de vacinação, logo após o anúncio, a Anvisa publicou uma nota ressaltando que “países como Estados Unidos, Canadá, Indonésia, Grã-Bretanha, Israel, membros da Comunidade Europeia e outros submeteram a estratégia à avaliação prévia das suas autoridades reguladoras” – o que, aqui, não ocorreu.
Na nota técnica enviada nessa quarta-feira aos entes federados com as orientações para a aplicação da dose de reforço, o ministério enfatiza ser competência da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 “definir e coordenar as ações do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação relativas às vacinas Covid-19, no âmbito do Programa Nacional de Imunizações”.
Para justificar a decisão, o órgão se apoia na estratégia adotada em Israel, onde o governo “disponibilizou a terceira dose da vacina Covid-19 para todos os indivíduos que receberam a última dose do esquema primário há mais de 5 meses, não limitando a dose de reforço apenas aos idosos e imunocomprometidos”.
O estudo israelense é relacionado à Pfizer e à Moderna e sugere que “doses de reforço podem ser necessárias em decorrência da redução na resposta imune observada também em outros estudos”. A secretaria também cita um estudo relativo à vacina da AstraZeneca/Oxford, que mostra a amplificação da resposta imune com menos frequência de eventos adversos do que no esquema vacinal primário.
Nenhuma das informações sobre estudos menciona a intercambialidade de doses. Apenas em relação à vacina CoronaVac, a nota técnica cita um estudo em modelo animal que avaliou terceira dose com reforço homólogo ou heterólogo, “tendo sido observada maior resposta imune com os esquemas heterólogos”.
O R7 entrou em contato com o Ministério da Saúde, solicitando um posicionamento da pasta quanto à decisão de não consultar a Anvisa sobre a decisão, bem como uma explicação se os estudos que embasaram a mudança são suficientes para sanar os questionamentos da reguladora. Não houve retorno até a última atualização.