Entre os setores prejudicados pela pandemia está o de transportes urbanos, que, de acordo com uma pesquisa da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), apresentou uma queda de 51,1% nas demandas do segmento em nove capitais brasileiras.
São elas: Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) e Salvador (BA). Nessas capitais, que representam 35% da demanda nacional, deixaram de ser realizadas 147,2 milhões de viagens por mês na média dos meses de abril e outubro do ano passado nos serviços de ônibus, em comparação com o mesmo período de 2019.
Em entrevista ao R7, o especialista e mestre em engenharia de transportes pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Guillermo Petzhold, relata que a pandemia mudou a forma como as pessoas se deslocam nas cidades. “Esse cenário fez as pessoas reavaliarem e reconsiderarem como elas se deslocavam e se de fato esse deslocamento faz sentido”, ou seja, elas pensam mais se precisam realmente sair de casa e usar o transporte urbano.
Além disso, muitas empresas adotaram o home office e até mesmo o sistema híbrido; então os cidadãos permanecem mais em casa. Com essas mudanças, não tinha como o setor de transportes não ser impactado.
O anuário da NTU avalia, há 27 anos, o desempenho operacional do segmento. Ainda de acordo com a associação, a perda de demanda de passageiros pagantes resultou em um prejuízo acumulado de mais de R$ 16,7 bilhões no período de março de 2020 a junho de 2021.
Prejuízo, crise e futuro dos transportes urbanos
Segundo o anuário, abril de 2020 foi o mês mais impactado, com uma queda de 67,3% nas viagens realizadas por passageiros por ônibus urbano na comparação com 2019, equivalentes a dois terços dos deslocamentos efetuados por passageiros pagantes antes da pandemia. Em outubro do ano passado, a redução observada foi de 35,4%.
A produtividade do setor, que nos últimos 20 anos estava estabilizada em níveis muito abaixo dos valores observados no início da série histórica, caiu radicalmente e atingiu a preocupante marca de somente um passageiro pagante transportado para cada quilômetro rodado. No período dos 27 anos analisados, a queda de produtividade é de 55,4%.
Segundo o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha, os reflexos negativos da Covid-19 são sentidos pelos sistemas de transporte público por ônibus desde março de 2020, o pior momento para o setor. “Naquele mês (março de 2020) foi registrada uma redução de demanda transportada de 80%, de acordo com monitoramento realizado pela NTU nas capitais e regiões metropolitanas”, esclarece.
A pesquisa da NTU mostra, ainda, que o setor de transportes já vinha enfrentando uma crise antes mesmo da pandemia, com quedas significativas no número de passageiros.
O especialista Guillermo Petzhold ressaltou essa crise durante a entrevista e afirmou que a única solução para o problema é reinventar a forma como o departamento é redigido e adotar novas ações para garantir a sobrevivência do setor. “As cidades vão ter que reimaginar o transporte coletivo.”
Petzhold diz que é necessária a adoção de novos meios de financiamento, já que atualmente em quase todas as cidades brasileiras o transporte urbano é 100% financiado pela tarifa paga pelo passageiro. “É preciso encontrar novas formas de conseguir recursos”, diz.
Além disso, o especialista ressalta a importância de repensar o modelo atual do contrato de concessão, que rege o transporte coletivo nas cidades brasileiras. Segundo ele, este é um modelo que vem sendo perpetuado há muito tempo e a pandemia mostrou sua fragilidade. “A prosperidade é a consequência dessas ações e pensar como a mobilidade da cidade se torna uma rede única”, finaliza.
Para Otávio Cunha, a única chance de recuperação do setor passa pela reestruturação do transporte público no país, com o estabelecimento de um novo marco legal para o ramo. “Esta não é uma opinião minha. É fruto do consenso de entidades e especialistas da área”, relata.
Apesar da queda de demanda nos últimos anos, vale ressaltar que, em média, 50% das pessoas que utilizam o transporte coletivo nas cidades brasileiras têm nele a única opção de deslocamento para estudar, trabalhar, ir ao médico, enfim, locomover-se. Apesar da crise por que passa o setor, muitas pessoas ainda dependem dele.
Custos com funcionários e combustível mais caro
O acompanhamento da NTU no período de janeiro de 2020 a junho de 2021 expõe uma retração de 20,6% dos empregos diretos gerados em todo o país pelas operadoras de transporte público por ônibus. Mesmo assim, de acordo com o anuário, as empresas garantiram aumento de 1,2% na remuneração média dos motoristas.
A série histórica do preço médio do óleo diesel demonstra redução do custo desse insumo em 2020, em comparação com 2019. No entanto, após outubro de 2020, o custo do transporte voltou a ser fortemente pressionado por reajustes consecutivos do valor do litro de óleo diesel nas refinarias, promovidos pela Petrobras.
No período de novembro de 2020 até julho de 2021 foram realizados 16 reajustes, que resultaram em uma variação acumulada de 37,4% no preço médio do combustível para grandes consumidores, de acordo com o levantamento de preços da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).