Depois de um mês de trabalho, a CPI da Covid começará a ouvir os integrantes do suposto gabinete paralelo do Ministério da Saúde, a quem senadores independentes ou de oposição – maioria na composição da CPI – atribuem influência em decisões do governo em ofertas de vacinação e estímulo a remédios como a cloroquina no tratamento contra a covid-19.
Entre os que falarão neste mês, estão três supostos membros deste gabinete: a médica Nise Yamaguchi, que deporá como convidada, o assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Filipe Martins, e o empresário Carlos Wizard.
Yamaguchi e Martins foram citados por outros depoentes da CPI em reuniões importantes do ministério, enquanto Wizard foi convocado pela sua proximidade com o governo, especialmente durante a gestão do ex-ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello.
“Nós temos provas sobejas da exisência de um ministério paralelo, uma consultoria paralela, que despachava com o presidente da República e decidia, diferentemente do que acontecia com o próprio ministério da Saúde”, afirmou nesta quinta-feira (27) o relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
É responsabilidade dele o relatório final da Comissão, onde devem ser apontados os culpados pelo agravamento da pandemia no Brasil.
A outra linha de investigação da CPI, por desvios de estados e municípios, também pode assumir protagonismo nos depoimentos deste mês, mas ainda depende da decisão do STF depois que 17 governadores recorreram ao Supremo contra a convocação. Nesta quarta-feira (27), nove governadores e o governador deposto do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, foram oficialmente convocados à CPI.
O argumento central é o de que a comissão parlamentar não tem competência para convocar autoridades estaduais, que devem ser investigadas pelas Assembleias Legislativas.
“Há um precedente do próprio Supremo que diz que os governadores não podem ser ouvidos pelas CPIs que tramitam no Congresso Nacional. Eles só poderiam ser ouvidos nas CPIs que tramitam na Assembleia Legislativa”, adiciona o advogado especialista em direito constitucional, Acacio Miranda da Silva Filho.
A participação deles veio após pressão de senadores governistas, para que a CPI tenha também como o objeto de investigação o desvio de verbas federais por estados e municípios durante a crise sanitária. A motivação original da CPI era exclusiva na apuração de possíveis omissões do governo Bolsonaro no combate à pandemia, com foco no colapso em Manaus em janeiro deste ano.
Primeiros depoimentos
Após instalação da CPI com sete senadores que se declaram independentes ou de oposição entre os 11 titulares da composição, as primeiras quatro semanas de depoimentos miraram pontos sensíveis ao governo Bolsonaro.
Dos dez depoimentos até agora, sete foram de figuras que participam ou participaram da gestão, entre eles ministros da Saúde que saíram brigados com o presidente. O primeiro foi o do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, o primeiro a apontar para a existência do que acabou sendo chamado de “gabinete paralelo” ou “ministério paralelo”.
Segundo Mandetta, em uma reunião interministerial em que se teria sugerido à Anvisa (Agência Nacional de VIgilância Sanitária) incluir, por meio de decreto, a recomendação na bula da cloroquina contra a doença causada pelo novo coronavírus. O medicamento não tem eficácia comprovada, e comissão do próprio ministério da Saúde não recomenda a administração de cloroquina contra a covid-19.
O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, confirmou o depoimento e acrescentou que a sugestão veio da médica Nise Yamaguchi, que nega a afirmação.
Depois de Mandetta, falou o também ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, que disse ter se demitido do cargo após menos de um mês na posição por não ter autonomia para tomar decisões. A demissão dele foi creditada ainda à recusa de receitar cloroquina como medicamento eficaz para a covid-19.
Por sua vez, o atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga, que fechou a primeira semana da CPI, evitou se posicionar aos senadores sobre o uso do medicamento. Ele já foi reconvocado, depois de ter o depoimento considerado insatisfatório pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).
Ofertas de vacinas recusadas
A semana seguinte trouxe novas confirmações de que o ministério da Saúde ignorou ofertas de vacinas feitas pela Pfizer desde agosto de 2020. O gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, afirma que as respostas poderiam ter viabilizado o envio de x milhões de doses da farmacêutica ainda em dezembro de 2020.
Ainda de acordo com Murillo, o Brasil deixou de receber ao menos 4 milhões de doses do imunizante neste primeiro semestre de 2021 em função da demora para fechar o negócio. Se o primeiro contrato tivesse sido aceito, a população teria um total de 18 milhões de doses primeiro contrato, fechado em abril, o total previa 14 milhões.
A versão também foi confirmada pelo ex-secretário Especial de Comunicação, Fabio Wajngarten, que ainda mostrou a carta da Pfizer enviada à cúpula do governo Bolsonaro cobrando por respostas às ofertas.
Um dos últimos depoimentos de maio, do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, adicionou mais uma acusação de que o governo teria rejeitado ofertas de vacinas. De acordo com Covas, após manifestações públicas do presidente Jair Bolsonaro em outubro de 2020 à assinatura de intenção de compra da Coronavac pelo ministério da Saúde, as negociações entre as partes foram interrompidas por três meses.
Mesmo com a aprovação da Coronavac pela Anvisa só saindo em 17 de janeiro de 2021, argumentou o diretor Dimas Covas, o fechamento do acordo entre governo e Butantan naquele mês garantiria a produção de 100 milhões de doses para o primeiro semestre de 2021.
À CPI, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello negou que tenha ignorado ofertas da Pfizer. Ele também tentou explicar que Bolsonaro não o mandou cancelar a compra do Butantan, o que havia sido engano seu, já que ele ainda não tinha as “disposições legais” para anunciar a intenção de compra.
Crise em Manaus
Como um dos principais investigados na CPI, Pazuello também foi perguntado sobre a crise em Manaus em janeiro de 2021, depois que explosão pandemia na capital deixou pacientes da covid-19 sem oxigênio nos leitos hospitalares.
O ex-militar tentou justificar sua participação culpando o governo estadual e afirmando que só tomou conhecimento do problema no dia 10 de janeiro, depois que a situação já havia piorado. A data informada é diferente da que foi passada pela AGU (Advocacia-Geral da União) ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Segundo o documento da AGU, a pasta teria sido informada pela primeira vez no dia 8 de janeiro. Já a secretária do ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, que também depôs à CPI, afirmou ter recebido a informação no dia 7, o que teria sido repassado a Pazuello no dia 8.
Depois de participar de comício, sem máscara, em aglomeração junto ao presidente Jair Bolsonaro, Pazuello foi reconvocado pelos senadores.
Governadores convocados
A apuração da CPI sobre crise em Manaus envolve também o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), que foi um dos nove chamados a depor. Além dele, foram convocados Helder Barbalho (MDB), do Pará; Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal; Mauro Carlesse (PSL), de Tocantins; Carlos Moisés (PSL), de Santa Catarina, Antônio Oliveira Garcia de Almeida (PSL), de Roraima; Waldez Góes (PDT), do Amapá; Marcos José Rocha (PSL), de Rondônia; Wellington Dias (PT), do Piauí.
Mesmo no caso do STF barrar a convocação, alguns dos governadores até aceitam depor como convidados, e não convocados, o que tiraria os deveres legais de uma testemunha convocada. Além disso, convidados não são obrigados a comparecer.
Os outros depoimentos da Comissão também envolverão membros do segundo escalão do ministério da Saúde, especialistas na área de saúde, a presidente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Nísia Trindade, entre outros.
* Com informações do repórter Gabriel Croquer, do Portal R7.