Com o avanço acelerado dos casos de Covid-19 e com a temporada de verão prestes a começar, no dia 1º deste mês entrou em vigor a medida de combate à doença que o Litoral Norte mais temia: a restrição de permanência de pessoas na praia. O decreto assinado pelo governador Eduardo Leite impôs a suspensão temporária da cogestão – que flexibilizava algumas das restrições – e passou estabelecer novamente as normas estritas da bandeira vermelha por pelo menos 14 dias. Assim, em áreas abertas, como as praias, parques e praças, as pessoas não podem ficar paradas nem se aglomerar, apenas circular para prática de atividades físicas.
Novidade no decreto, em áreas comuns de condomínios e clubes também ficou proibido utilizar brinquedos, salões de festas, piscinas, churrasqueiras compartilhadas e quadras esportivas, o que acaba afetando até mesmo aqueles que não usufruem diretamente da orla. Prefeitos e representantes das prefeituras se mostram compreensivos ao rigor das restrições porque também se veem ameaçados pelo ligeiro esgotamento da infraestrutura de saúde do Litoral Norte, mas ao mesmo tempo lamentam a época em que esteja coincidindo um fase de agravamento da pandemia e os prejuízos à economia da região, que depende muito dos ganhos durante a temporada.
O período entre Natal e réveillon, costuma ser um dos mais lucrativos, o que leva preocupação aos empreendedores praianos, que já começam a contabilizar prejuízos concretos. Contudo, mesmo que as festas de fim de ano estejam praticamente canceladas, agora os esforços das administrações, em uma corrida contra o tempo, se voltam para achar rapidamente o delicado equilíbrio neste quadro, evitando que pessoas morram ou que percam seus sustentos.
Efeito colateral da própria pandemia, uma pesquisa feita pela Fecomércio-RS, aponta que 36,1% dos entrevistados pretendem viajar neste verão. Uma queda de 10,7% em relação ao levantamento feito no final de 2019. Deste grupo, 28,1% pretendem ficar em hotel ou pousada e 26,6% pretendem ficar em uma casa ou apartamento alugado. Somada à redução na quantidade de visitantes, o setor de hospedagem da região, que até o final de novembro enxergava uma recuperação, teve a expectativa frustrada ao receber uma enxurrada de cancelamentos de reservas após as medidas restritivas.
No hotel da presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Litoral Norte (Sindilitoralnorte), Ivone Ferraz, na praia da Guarita, em Torres, em nove dias foram 500 cancelamentos, o que corresponde a 50% das reservas efetuadas para a temporada. “Recebemos uma resposta do governo, mas que não diz nada com nada. Já estamos nos articulando e provavelmente vamos às ruas”, diz Ivone, que chega a defender, que se for necessário, o setor irá ignorar o que estabelece o decreto.
Entretanto, para a empreendedora Fernanda Vicente Machado, proprietária da Pousada Executivo, em Quintão, balneário no município de Palmares do Sul, mesmo que as medidas sejam suspensas antes das festas, provavelmente os veranistas não virão mais. “É a incerteza de tudo. As pessoas não reservam se não tiverem certeza de que conseguirão ir à praia. Pacotes não consigo fechar mais nenhum. Está bem complicado”, relata Fernanda. Na pousada, que tem 34 apartamentos, 17 estavam inicialmente reservados, mas, em uma semana, houve sete cancelamentos. Além disso, o dinheiro das reservas que ainda se mantêm, segundo Fernanda, não pode ser usado como capital de giro. “Não dá para usar o dinheiro, se eu posso ter que devolver por que a praia vai ficar fechada”, salienta. Em Torres, Eduardo Neto, dono de um restaurante que fica ao lado do Chalé do Surf, se diz favorável ao combate às aglomerações e ao cumprimento do decreto, mas se queixa do fechamento de parte do estacionamento em frente ao seu estabelecimento, por parte da prefeitura de Torres, em cumprimento às restrições de permanência na praia. “O bar está aberto. Mas é pouco movimento. Se continuar assim verão adentro é o caos. Serei extremamente prejudicado”, prevê o empresário.
A Associação Comercial de Capão da Canoa e Xangri-lá (Acicc) também se posicionou contra o fechamento das praias e defende como alternativa a colaboração dos veranistas e moradores. “O fechamento afeta diretamente nosso litoral gaúcho, com a redução de pessoas e, por sua vez, com a diminuição do consumo. O nosso maior atrativo é a praia e compreendemos que neste momento temos que conscientizar as pessoas, moradores e veranistas, referente ao distanciamento social, uso de máscara, álcool gel, enfim, todos os cuidados necessários. Além disso, o verão, de dezembro a março, é a safra do litoral gaúcho, onde a maioria das pessoas sobrevive e vive do veraneio. O impacto financeiro terá reflexo em 2021, a longo prazo”, afirma o presidente da entidade, Augusto Roesler. “Com certeza, esta proibição afeta bastante o comércio. No começo, divulgaram que as praias estavam fechadas, o que acarretou em muitos cancelamentos em hotéis e pousadas. Mas o correto é que as pessoas não podem permanecer na praia. O resto, como correr, caminhar ou tomar banho, pode, evitando aglomerações. Uma das nossas lutas é por esta informação correta, mesmo que estejamos contra este decreto”, informa o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Tramandaí e Imbé, Marcelo Marques.
Prefeitos, como o de Xangri-Lá, Cilon Silveira, e o de Osório, Eduardo Abrahão, resumem o drama que os municípios do Litoral Norte estão enfrentando nestes últimos dias. A região já soma mais de 14.252 casos e 285 mortes pela Covid-19. Na quarta-feira que passou, dos 52 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) desta parte do estado, 50 estavam com pacientes, em uma taxa de lotação de 96,2%. Destes, 30, o que corresponde a 60% dos leitos, eram de pacientes infectados ou com suspeita de contaminação pelo Sars-Cov2, causador da Covid-19. E nem começou o verão, quando o atendimento a vítimas de acidentes ou crimes violentos demanda ainda mais das equipes de saúde nos hospitais. “Concordamos com a suspensão da cogestão se ficasse duas semanas em vermelho. Nossa preocupação é com o reforço no atendimento nos hospitais. Seria uma necessidade para conter o avanço da Covid. Esperamos que ao final possamos reduzir a quantidade de contaminação”, projeta Silveira. “É uma situação bem conflitante. As pessoas não querem vir de longe e ficar em casa. Não queremos proibir que as pessoas venham, mas queremos que as pessoas tenham muito cuidado”, pede Abrahão.
O prefeito de Imbé e presidente da Associação dos Municípios do Litoral Norte (Amlinorte), Pierre Emerim, informou que os prefeitos realizaram uma reunião quinta-feira e deliberaram enviar nota pública ao governo do Estado pedindo adequações ao decreto. “Nós estamos emitindo uma nota pública, no sentido contrário à proibição do uso da faixa de praia, no entanto, concordando com a proibição de eventos públicos. Também deliberamos que a associação faça uma campanha de conscientização comportamental ao cidadão. Também estamos oficiando para que o Estado promova especificamente para o Litoral esta campanha, ou a patrocine, e vamos solicitar às grandes empresas do Litoral Norte que se disponibilizem a fazer campanhas como estas. E estamos pedindo uma reunião de urgência com o governo do Estado para que fique bem clara esta nossa posição, bem como para pedir esclarecimentos sobre a questão dos parques aquáticos, algo que tem gerado muita insegurança”, detalha Emerim. O Estado, que negou todos os oito recursos na 31ª rodada do Distanciamento Controlado, não fez nenhuma sinalização sobre a possibilidade de se flexibilizarem as restrições em relação às praias.
O melhor caminho a ser seguido, pelo que apontam prefeitos e lideranças empresariais, seria aquele em que as pessoas realmente tivessem consciência e bom senso, seguindo à risca as recomendações sanitárias, como não fazer festas nem se aglomerar e usar máscara. Além do mais, os gestores ressaltam a necessidade de contar com a Brigada Militar para poder fiscalizar os veranistas e o próprio decreto do Distanciamento Controlado no período em que a bandeira vermelha estiver em vigor.
O comandante do Comando Regional de Polícia Ostensiva do Litoral Norte (CRPO-L), coronel Marcel Vieira Nery, diz que a corporação vai seguir atuando por meio da orientação ao veranista. “Internamente, assumimos o compromisso de entrar em contato com todos os entes públicos, com os prefeitos. Ver as prioridades e dar apoio. E também entendendo o lado do veranista, que está há um ano confinado. Queremos atuar sem criar um tensionamento”, detalha Nery. No primeiro final de semana com as restrições de acesso às praias, a BM focou em orientar quem tentou permanecer na faixa de areia e em dispersar locais de aglomeração, como festas. “Para nós era uma incógnita estes primeiros dias, mas com o tempo não ficando tão aberto pudemos focar em alguns locais de aglomeração. Foi tranquilo. Tínhamos alguns locais pontuais, como reuniões entre jovens e com bebidas alcoólicas, mais para a noite”, relata o oficial. “Nosso papel é o de orientar, fiscalizar, para ver se o comércio e as pessoas estão cumprindo o que preveem as medidas. Não vamos deixar os prefeitos à própria sorte”, assegura.