Me conta o Severino Rudes Moreira que certa feita o Norato andava correndo “lebra” ali pelos campos entre Candiota e Hulha Negra, próximo onde foi proclamada a República Rio-Grandense no ano de 1826.
Naquela região plantavam muito feijão e as lebres já eram praga de tantas que havia e levavam a raso as lavouras.
Pois o Norato tinha uns galgos de fundamento e uma pontaria capaz de meter uma bala em buraco de agulha a trezentos metros de distância, por isso, ao meio-dia já trazia meia dúzia de lebrinhas no ombro.
Batendo a fome resolveu carnear uma delas e, assim que uma vez coreada e destripada a lebre, deu uma lavada na corrente do arroio pra mó de tirar alguma catinga e algum pêlo que ficasse na carne e, farquejando um espeto de pau fez um foguito e botou pra assar.
Era uma lebrinha graúda e gorda e num upa ficou pronto o assado, assim que, depois de comer uma pançada véia de fundamento sentiu bater uma lombeira danada.
Bueno para uma lombeira, nada melhor do que uma boa sesteada e foi isso mesmo que fez. Escorou-se em um tronco de taleira e puxou um ronco de fundamento.
Nem a algazarra das caturras nas reboleiras da taleira lhes serviu de “atrapaio”.
Já ia como meia hora de sono, quando ouviu um estouro e sentiu de pronto, uma pancada no peito.Assustado, arregalou os olhos e deu de cara com aquele chumaço de gravetos, ou seja, um ninho inteiro de caturritas que, por certo o vento ou algum gavião tinham derrubado da taleira bem onde dormia.
Com o cano da arma e o espeto, foi abrindo aquele emaranhado de espinhos, pois vá que tivesse alguma cobra, mas nada, tudo o que encontrou foi um filhote ainda pelado de caturrita que, pelo visto se havia machucado na queda.
Apiedou-se do bichinho e levou para criar, botando na caturritinha o nome de Mimosa.
Com quirera, girassol, pão molhado, milho verde e muita fruta madura se criou lindo a Mimosa.
Falava, assobiava, ralhava com os cachorros e chamava as galinhas. Enfim, era uma tagarela e verdadeira companheira e amiga do Norato.
Para garantir a segurança da Mimosa o Norato fez uma gaiola de madeira, pois o Angorá já tinha terminado com a rataiada e agora lhe negaceava de quando em vez.
Bueno, mas quem conhece caturrita, sabe que o bicho tem um bico que é uma praga de afiado, e não demorou muito, a cocóta foi roendo as tabuinhas até que em seguida a Mimosa aparecia fora da gaiola. E o gato, dê-lhe que dê-lhe a negacear.
Um dia sumiu a Mimosa. Só achou uma peninha verde. O que imaginou ter sobrado do fiambre do gato.
Tratou de consumir com aquele gato, mas, por detestar judiar dos bichos, terminou levando de presente a uma benzedeira que morava solita, num ranchito que ficava à beira da Vila onde morava.
Bueno. Passaram-se alguns anos e o Norato então aposentado, resolveu comprar uma chácara no interior de Piratini, logo adiante da Serra dos Velledas e, nessa chácara além da criação de pátio, tinha umas vaquinhas de leite, e plantava de tudo para o sustento da casa e dos bichos.
Certo dia, as caturritas começaram a bater em uma lavoura e devia ser um bando enorme, pois levavam de arraso um milharal já granado.
Uma tardezita estava ele a descascar uma bergamota embaixo do arvoredo, quando viu de longe o bando de caturras baixar bem no meio da lavoura. O bando chegou a fazer uma sombra na várzea de tantas que eram.
Passou a mão na trabuca e se foi naquela direção, negaceando por trás da moitas, mas deixa estar, que antes de avistar o bicharedo, já ouviu uma voz fina que gritava.
– Vem o Norato ! Vem o Norato ! Vem o Norato!
Foi uma bela revoada e sumiram todas, menos uma, que ficou bem arreglada na ponta de uma espiga de milho.
Levantou a arma, alinhou a mira e já ia puxar o gatilho quando a caturra olhando bem para a boca do cano da arma apontada para ela, falou:
– O quê Norato, te fazendo de louco. Não conhece mais a tua Mimosa ?
Só então o Norato entendeu a injustiça que tinha feito com o pobre do gato, pois a cocóta, na verdade, tinha seguido o seu instinto de animal e acompanhado um bando de caturras que passara por cima do rancho. E se não bastasse, ainda tinha ensinado o bando inteiro a falar.
Era coisa da Mimosa mesmo. A danada tinha até deixado uma caturra de sentinela enquanto o resto do bando se empanturrava com o milho do Norato.
E ainda hay gente que não acredita nessas “cosa”!!!!