A reunião do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, com governadores nesta terça-feira teve momentos de tensão. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), cobrou uma posição de Pazuello sobre a compra da Coronavac, vacina para Covid-19 que está sendo desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo paulista.
Em resposta, Pazuello afirmou que não descarta a compra, mas que o negócio só vai ser fechado após o registro do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e se houver demanda. Ele disse que o preço do produto também vai ser considerado. O ministro estima que a Anvisa deve levar até 60 dias para a análise dos imunizantes.
No encontro, feito por meio de videoconferência, Doria afirmou que o governo cobra o registro da Coronavac, mas investiu mais de R$ 1,2 bilhão no imunizante desenvolvido pela Universidade Oxford com o laboratório AstraZeneca, além de cerca de R$ 800 milhões para ingressar no consórcio Covax Facility. Tanto a vacina de Oxford como os imunizantes que fazem parte do consórcio ainda não tiveram registro na Anvisa.
“Por que excluir a Coronavac já que o procedimento junto à Anvisa é igual ao da Covax e AstraZeneca?”, questionou Doria. Ele disse que, em outubro, Pazuello prometeu a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, mas teve de recuar após ser desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “Infelizmente o presidente desautorizou o senhor, foi deselegante”, disse Doria.
Pazuello respondeu que o investimento na Covax Facility é para o desenvolvimento de vacinas e que as doses só serão compradas, por meio do consórcio, após o registro na Anvisa. Ele ainda rebateu Doria, afirmando que a Coronavac não é do governo paulista, mas do Butantan. “Se houver demanda, preço, vamos comprar”, disse Pazuello na reunião.
Sobre a vacina produzida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (Reino Unido), o ministro disse que o imunizante está na fase três, mas que os estudos devem ser concluídos até o fim deste ano. “Qual é a previsão de isso (registro) encaminhar para a Anvisa? Pelos nossos contatos, até o final de dezembro”, disse.
O ministro e Doria já haviam discutido mais cedo, na mesma reunião, quando Pazuello pediu a Doria para respeitar a ordem de fala e esperar a manifestação de outros governadores.
“A vacina Covax Facility recebeu investimento de R$ 2,5 bilhões. O ministério anunciou também investimento de mais de R$ 1 bilhão na vacina da AstraZeneca. Ambas não foram aprovadas pela Anivsa. Agora, a CoronaVac não recebeu nenhum investimento do governo federal. O que difere, ministro, a condição da sua gestão de privilegiar duas vacinas em detrimento de outra? É de ordem ideológica, política ou razão de falta de interesse em disponibilizar mais vacinas?”, questionou Doria.
Pazuello respondeu que a pasta acompanha o desenvolvimento de nove vacinas e negou viés político na corrida pelo imunizante contra a Covid-19.
A reunião contou com a participação de outros governadores, como Wellignton Dias (PT-PI), Fátima Bezerra (PT-RN), Ronaldo Caiado (DEM-GO), Paulo Câmara (PSB-PE), Helder Barbalho (MDB-PA), Gladson Cameli (PP-AC) e Eduardo Leite (PSDB-RS). Os titulares cobraram do governo federal um plano concreto de vacinação, cronograma de datas, relatórios sobre compras e entregas de imunizantes.
Doria pode recorrer ao STF
Hoje, o portal UOL e o Estado de S.Paulo publicaram que o governador João Doria pretende acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de iniciar a vacinação contra o coronavírus, em 25 de janeiro, caso a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tenha liberado a Coronavac. Interlocutores do governo paulista disseram ter recebido de Doria a afirmação.
Nesta segunda-feira, o governador anunciou que serão imunizados inicialmente idosos, profissionais de saúde, indígenas e quilombolas, em um total de 1,5 milhão de pessoas. Serão duas doses por pessoa, com intervalo de 21 dias entre elas. A vacina utilizada na campanha paulista está sendo desenvolvida pela chinesa Sinovac e vai ser produzida pelo Instituto Butantan.
Segundo o Estadão apurou, o governador pretende esgotar outros recursos antes de ir ao STF. Uma vez no Supremo, o governador deverá se basear na lei 13979. Conforme interpretação do próprio órgão, proferida em abril deste ano, governadores e prefeitos possuem autonomia para impor planos para a contenção da pandemia.
A aplicação da vacina depende da apresentação dos resultados de eficácia, o que ainda não ocorreu, Em seguida, o produto deve ser registrado na Anvisa. O Butantan promete divulgar os dados de eficácia até 15 de dezembro e entrar de imediato com pedido de registro.
Para definir os prazos de uma eventual liberação, o governo paulista se baseia em declarações do gerente geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes. Em julho, Mendes afirmou que a Anvisa tinha condições de liberar um registro de medicamento em “até 30 dias”. Em agosto, o gerente geral mudou o prazo para “60 dias ou menos”.
O pano de fundo da aprovação da vacina é a disputa política para a campanha presidencial de 2022. O governo paulista teme que a Anvisa sofra pressão política para atrasar a liberação da vacina. O presidente Jair Bolsonaro enxerga o governador Doria como um provável adversário no pleito, capaz de capitalizar o uso do imunizante na campanha eleitoral.