Conta o Edson Nunes Moreira que passou a infância ouvindo estórias sobrenaturais, causos contados por familiares que teriam tido experiência com visões, de conhecidos que teriam se assombrado pelo menos uma vez na vida.
Pois, numa ocasião, foi dar uma ajuda a um tio na propriedade de seu avô Quincas, às margens do velho rio Piratini. Na ocasião tinha uns quatorze para quinze anos e costumava passar “solito” dias e dias naquele fundão, ele e dois cachorros: O Russo, retaco e forte e o Mosquito, alto e magro e bom nas lides de campo. Eram cruza de “qualquera cosa” com “lambe graxa”. Animais valentes, a dupla enfrentava mão-pelada, guará-grande e até ouriço. Nada temiam. Nada…
Um dia desses, após uma jornada de faina dura, que aconteceu um caso misterioso, daqueles de balançar os alicerces de qualquer espírito materialista, de trincar a pedra angular do ceticismo e de fazer ruir parte da crença na metafísica clássica!
Ao chegar “nas casa”, depois de um banho frio de sanga prá tirar a mugre,encheu o pandulho de ensopado de mandioca,e lá se foi ao berço o Moreira segundo o ditado de quem vive na área rural: dormir com as galinhas e acordar com o galo.
Era noite estrelada e o sereno vestia de noiva a grama do potreiro que circundava a casa. Calor infernal, a janela aberta para dar entrada à uma diáfana e inconsistente brisa.
Custava a encontrar o sono, quando sentiu um calafrio seguido de um zumbido nas orelhas. Viu o tio se levantar e dizer que o haviam chamado à janela ! Levantou-se e foram dar uma “bizolhada” ao redor “das casa,” lanterna na mão, procurando algo que não encontraram. Nem mesmo uma pegada no farto sereno ! E dos dois cachorros… Nem sinal!
De volta, rolou na cama à procura do sono que não queria vir. Não sentia medo, mas sim uma estranha sensação de que algo inexplicável estava ocorrendo. Ele não escutou o chamado. Ele sentiu. Foi quando, então, ouviu, agora sim – em alto e bom som-vindo da janela, um chamado lastimoso:
-Moreeeeiiraaaa !…
Os dois saltaram da cama e fizeram nova devassa ao redor da casa,procurando algum sinal, chamando e não ouvindo resposta, vasculhando a grama que permanecia molhada e intacta! Nada encontraram e voltaram pras casa para mais uma noite insone.
Até hoje o Moreira procura por uma resposta para tal fato, mas como diz o dito popular : “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”…
Porém o tempo seguiu seu rumo, o sol apontou na coxilha lá pros lados do Ivaí e seus raios levantaram o tapete claro do sereno, dissipando também os desassossegos de uma noite mal explicada. E eis que surgem de uma ponta do mato, acabrunhados, com os rabos entre as pernas, os dois valentes cachorros que nada temiam – nem guará, ouriço ou mão-pelada. Os dois repentinamente medrosos, haviam passado a noite amoitados. Talvez o instinto explique !…”Que las hay, las hay”….