Incidência de Covid em frigoríficos é superior à de todos municípios do RS

Ministério Público do Trabalho monitora empresas do setor; veja o que dizem trabalhadores de frigoríficos e associação de proteína animal

Frigoríficos do Rio Grande do Sul registraram pouco mais de 6,2 mil casos de Covid-19 | Foto: Divulgação/MPT-RS
Foto: Divulgação/MPT-RS

Se os 39 frigoríficos do Rio Grande do Sul formassem um município e se os empregados fossem seus moradores, esta cidade teria 35.850 habitantes. Seria uma comunidade de porte médio, com população semelhante à de municípios como Garibaldi e Gramado, ambos da Serra. O que poderia significar pujança revela, no entanto, uma situação alarmante. Pouco mais de 6,2 mil trabalhadores foram diagnosticados com a Covid-19, segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho.

O número absoluto não foi alcançado, até agora, por nenhuma cidade gaúcha. Porto Alegre, por exemplo, lidera o ranking de contágios da Secretaria Estadual da Saúde com 3.928 casos confirmados.

Casos de Covid-19 nos frigoríficos e municípios gaúchos

No monitoramento da incidência, os frigoríficos teriam 17,3 mil casos a cada 100 mil habitantes. Os municípios com o maior indicador do tipo no Rio Grande do Sul não chegam nem perto do que é registrado nas empresas de processamento de carnes. A pequena Nova Araçá é líder da classificação por incidência, com 9,5 mil casos a cada 100 mil habitantes. O número é extrapolado, uma vez que a população do município é reduzida (4,4 mil pessoas) e o número de casos de Covid-19 é elevado (454). Não por acaso, boa parte dos diagnósticos positivos de Nova Araçá veio de um frigorífico.

As cidades que seguem o município no ranking também são sedes de empresas do setor: Poço das Antas, Lajeado, Marau, Três Passos, Serafina Corrêa e Garibaldi. A oitava cidade gaúcha com maior incidência é Esperança do Sul, com 1.572 casos a cada 100 mil habitantes. O município não abriga nenhum frigorífico, mas parte da população trabalha em uma empresa da vizinha Três Passos.

Incidência da Covid-19 nos frigoríficos e municípios gaúchos

Ao todo, segundo o MPT, cinco empregados de processadoras de carnes morreram devido à doença no Rio Grande do Sul. Outras 12 pessoas, que mantiveram contato com os trabalhadores do setor, também perderam a vida.

Fiscalização nos frigoríficos

De acordo com o Ministério Público do Trabalho, os 39 frigoríficos do Rio Grande do Sul operam em 24 cidades diferentes. O órgão firmou termos de ajustamento de conduta com 24 empresas do estado, a fim de garantir a segurança dos trabalhadores. Em cinco unidades da empresa JBS, foi necessário que a procuradoria ingressasse com ações civis públicas na Justiça para obter adequações. Três plantas da companhia, entre elas a de Caxias do Sul, chegaram a ser interditadas. A mesma situação ocorreu em unidades da BRF e da Minuano, ambas em Lajeado.

Procuradora Priscila Schvarcz, do MPT
Divulgação

Atuando em Passo Fundo, a procuradora Priscila Schvarcz (foto) sublinha que os ambientes das empresas do setor são propícios para disseminação do vírus causador da Covid-19. A representante do Ministério Público do Trabalho é gerente nacional adjunta do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos.

Segundo Priscila, há nas unidades concentração elevada de trabalhadores em ambientes fechados, mal uso de máscaras, baixa taxa de renovação de ar, baixas temperaturas e a alta umidade. No entanto, o maior problema é a falta de controle das indústrias sobre a saúde de seus funcionários. “O maior ponto de inadequações sempre diz respeito aos problemas de vigilância ativa. As medidas de busca e vigilância ativa dizem respeito ao afastamento precoce de pessoas com sintomas e sinais de Covid-19, ao afastamento de contactantes com essas pessoas”, ressalta a procuradora.

Preocupação dos trabalhadores

Presidente da FTIA/RS, Paulo Madeira
Divulgação/FTIA-RS

Trabalhadores do setor manifestam preocupação com, pelo menos, três pontos da situação dos frigoríficos. O presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação cita o temor com a falta de testagem e com a estabilidade de empregados em grupos de risco. Paulo Madeira (foto) ressaltou o profissionalismo da categoria, que permaneceu na linha de serviço. “Uma coisa que a gente constata, mesmo com esse alto número de pessoas infectadas, se a gente fizesse a testagem nos frigoríficos, o número seria maior ainda”, observou. “A única preocupação é com o pessoal que faz parte do grupo de risco, que as empresas tentem fazer – uma palavra bem chula – o descarte”, prosseguiu Madeira.

O presidente da FTIA/RS também cita estudos recentes que mostram o comportamento do vírus Sars-CoV-2. “Tem um grupo de especialistas internacionais que têm colocado que vírus pode permanecer, não só na questão de gotículas e na questão de contato, mas ele pode permanecer no ar. Isso nos preocupa, porque o ambiente dos frigoríficos é extremamente fechado, não tem renovação de ar”, completou Paulo Madeira.

Frigoríficos garantem segurança

Presidente da ABPA, Francisco Turra
Divulgação/Câmara dos Deputados

A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa as empresas do setor, vê com menos preocupação o cenário atual. As companhias afirmam testar e isolar trabalhadores diagnosticados com a doença. O impacto no setor não é apenas na saúde dos trabalhadores. A China suspendeu a importação da carne processada em algumas empresas gaúchas em razão da pandemia.

Para presidente da entidade, o ex-ministro da Agricultura Francisco Turra (foto), os frigoríficos estão cumprindo as medidas de controle. O representante da ABPA ainda comentou que os trabalhadores não tomavam os cuidados necessários para evitar a disseminação da Covid-19. “Nenhum caso existe de alguém contaminado trabalhando”, destacou. “Antes havia descuido. ‘Vou para a casa, não uso bem a máscara, não lavo a máscara, não faço… e aí, deu o que deu”, completou Turra.

Governo monitora

No auge da crise envolvendo os frigoríficos, o governador Eduardo Leite defendeu a manutenção das empresas abertas. A justificativa do Palácio Piratini era garantir o abastecimento de alimentos e evitar o descarte de produtos. Uma portaria estadual determinou a elaboração de planos de contingência no setor.

No decreto do Distanciamento Controlado, indústrias de alimento podem funcionar com 100% da mão de obra nas bandeiras amarela e laranja e com 75% nas regiões de bandeira vermelha ou preta. Protocolos de higiene e distanciamento são obrigatórios em todos os casos.

A procuradora do MPT reconhece que algumas empresas cumprem as regras e determinações judiciais de segurança. No entanto, Priscila Schvarcz ressalta que nem todos os frigoríficos seguem as medidas de preservação da saúde. “Então nós precisamos diferenciar os tipos de empresas e o que, efetivamente, elas estão fazendo, para que haja a possibilidade de focarmos onde efetivamente ocorrem esses problemas”, completou.

* O jornalista Lucas Rivas colaborou com a reportagem