Mercado Público de Porto Alegre – 150 anos de História

Mercado Público é uma referência essencial para o universo afro-religioso da cidade e do Estado

"Este jornal vai ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma facção". Foto: Arquivo CP

Nascida no Passo do Príncipe, em Bagé, onde lá está o meu umbigo enterrado, sempre tive curiosidade sobre o porquê desse nome pela forte ligação com o meu lugar. Então, vamos conhecer um pouco da história de Custódio Joaquim de Almeida – O Príncipe Custódio.

O Passo do Príncipe

De acordo com as pesquisas do Professor Cláudio Boucinha, o nome Passo do Príncipe se deve ao PRÍNCIPE CUSTÓDIO, que viveu na cidade no final do século 19. Segundo o jornal Correio do Sul, em 1959, foi criada a Sociedade dos Amigos do Passo do Príncipe. “CUSTÓDIO JOAQUIM DE ALMEIDA” era um príncipe africano. Foi obrigado pelo Império Britânico a buscar exílio em terras distantes. Em setembro de 1899, desembarcou no porto de Rio Grande com sua corte, composta de 48 membros. Transferiu-se em seguida para Bagé e sabe-se muito pouco de sua estada na cidade.

Em 04 de abril de 1901, finalmente instalou sua corte na capital do Estado, estabelecendo-se na Rua Lopo Gonçalves, 498. O casarão dava fundos para a antiga rua dos Venezianos. Custódio tinha 31 anos quando deixou sua terra natal. A vinda para o Brasil é um mistério até hoje. Sabe-se que recebia um subsídio do Império Britânico.

A antropóloga Maria Helena Nunes (UFRGS), em sua tese diz: “Custódio era negro, príncipe e um babalorixá. Através da religião, fazia curas e resolvia problemas de toda ordem. Por isso, políticos importantes, como Borges de Medeiros, Júlio de Castilhos e até Getúlio Vargas, teriam frequentado sua casa. Faleceu com 104 anos, em 28 de maio de 1935. Seu funeral reuniu uma multidão maior que no enterro de Júlio de Castilhos”.

Príncipe Custódio. Divulgação: Internet

A ligação com o Mercado Público de Porto Alegre

O Mercado Público é uma referência essencial para o universo afro-religioso da cidade e do Estado. Tanto que é o primeiro lugar onde os filhos de santo realizam o seu “passeio”, quando levantam do chão e estão prontos para exercer seus ofícios religiosos. Construído por negros escravos, o Mercado carrega grande força mística, atribuída ao axé do Bará mais antigo da cidade.

A importância simbólica que o Mercado tem para os seguidores das religiões afro-gaúchas se dá pelo fato de acreditarem que no “cruzeiro” central do prédio esteja assentado o Orixá Bará, que na concepção africana é a entidade que abre os caminhos, sendo também o guardião das casas e cidades. Ali estaria “assentado” o Orixá (divindade cultuada pelo batuque) em forma, imagina-se, de uma pedra. Este objeto, também chamado pelos religiosos de Ocutá, estaria enterrado na área central do Mercado, significando que o Orixá está ali, para ser visitado, cultuado e receber oferendas. O Bará representa também o trabalho, a fartura e o início de todas as coisas. Por isto é muito comum ver religiosos em seus ritos jogarem moedas no centro do Mercado, principalmente perto da Banca Central.

Existem muitas polêmicas sobre o Bará do Mercado, mas duas versões são as mais conhecidas. A primeira conta que o Bará teria sido assentado pelos próprios negros que construíram o Mercado. Esta era, então, uma prática muito comum entre eles na África ao construírem seus mercados, uma vez que representam a fartura e abastança. Outra versão é de que a ideia de assentar o Bará foi do Príncipe Custódio. Quando ele aqui chegou trouxe cultos da África, como um grande líder religioso e decidiu fazer o assentamento dos orixás em Porto Alegre. Foram assentados sete barás na cidade, sendo o primeiro no Mercado – e por isto, considerado como o mais forte.

Quem foi o Príncipe Custódio

Reza a lenda que o Príncipe Custódio Joaquim de Almeida, ou Osuanlele Okizi Erupê, nasceu na Nigéria, em 1831. Seria filho de um rei, destronado pelos ingleses no final do século XIX. É comum afirmar que a vinda do Príncipe ao Brasil seria resultado de um acordo com os ingleses, que lhe ofereceram uma renda permanente para que não apresentasse resistência, abdicando seu trono e se exilando em outro país. Veio, então, como príncipe para o Brasil, sendo muito reconhecido como o consolidador das religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul. Inicialmente, fixou-se em Rio Grande e Bagé, vindo para Porto Alegre com 70 anos de idade. Falava fluentemente francês e inglês e era cercado de muitas histórias, frequentando, inclusive, a alta sociedade da época. Sua casa, na Cidade Baixa, era frequentadíssima. Sua festa de 100 anos durou três dias, ao som de tambores africanos.

As práticas afro-religiosas no Mercado

Na África, o mercado representa nas aldeias um ponto central de convergência e trocas. Aqui, os religiosos entram no Mercado, passeando por quatro pontos. É o primeiro lugar que o religioso visita, depois que levanta do chão. O passeio é feito entrando pelo Largo Glênio Peres, saindo pela Avenida Júlio de Castilhos para reverenciar o orixá das águas. O retorno é feito pela Avenida Borges de Medeiros, saindo pela Praça Parobé, que antes se chamava Caminho Novo (atual Voluntários da Pátria), justamente para abrir novos caminhos.

As floras do Mercado Público

Com a reforma, as floras foram cuidadosamente distribuídas no Mercado. São quatro delas com produtos religiosos, cada uma localizada nas entradas do Mercado, sempre à esquerda. É nas floras do Mercado que geralmente os pais-de-santo compram seus produtos para as obrigações religiosas, como peixe vivo, mel, azeite de dendê, velas, entre outros artigos. Acreditam também que ao comprar os produtos no Mercado levam junto o axé (força mística) do Bará que está assentado no prédio – para eles é o mais forte por ser o mais antigo.

Hoje, o Mercado Público completa 150 anos. Em breve, a revitalização total desse ambiente místico e de uma diversidade que atrai gente de todos os cantos, sendo um dos mais lindos cartões postais de Porto Alegre.

Mercado Público. Foto: Guilherme Testa / CP

Fonte: Inventário Cultural de Bagé – Elizabeth Macedo de Fagundes e Jornal do Mercado.