Caso Bernardo: duas testemunhas depõem no primeiro dia de julgamento

Delegadas que participaram da investigação do Caso Bernardo foram as primeiras a serem ouvidas

1º dia do julgamento do caso do menino Bernardo Boldrini - Na foto: De costas, a delegada Caroline Bamberg, primeira testemunha a depor | Foto: Mauro Schaefer

O primeiro dia de julgamento do assassinato de Bernardo Uglione Boldrini foi marcado pelo depoimento das duas delegadas envolvidas no caso que investigou a sua morte, Caroline Bamberg e Cristiane Moura. Os quatro réus estiveram presentes no salão do júri no Fórum de Três Passos e acompanharam as manifestações junto dos seus advogados, que questionaram as testemunhas. Antes disso, elas responderam a perguntas da juíza Sucilene Engler Werle e dos promotores encarregados da acusação.

Os trabalhos no primeiro dia foram até perto das 21h. O júri será retomado nesta terça, às 9h. A próxima testemunha de acusação a ser ouvida será Juçara Petry, moradora de Três Passos que costumava cuidar de Bernardo e chegou a ser apontada por ele para uma família adotiva. Previsto para durar toda a semana, o julgamento teve uma diminuição de testemunhas na primeira sessão. A ré Graciele Ugulini, madrasta de Bernardo, abriu mão de suas quatro testemunhas. Com isso, em vez de 18, serão 14. Por parte das defesas, apenas a de Leandro Boldrini mantém testemunhas arroladas.

Réus

Na sessão, Leandro Boldrini e Graciele Ugulini – pai e madrasta de Bernardo – ficaram na terceira e última fileira, separados apenas por um dos advogados. Na fila do meio estava Evandro Wirganovicz. Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele, ficou na primeira fileira com seus representantes. Um dos momentos de impacto, foi quando houve a reprodução do áudio de uma entrevista dada por Leandro Boldrini, em 2014, sobre o desaparecimento do filho, e Edelvânia Wirganovicz chorou.

Graciele também chegou a chorar, quando seu advogado lembrou que a filha dela com Boldrini, Maria Valentina, havia completado seis anos no dia anterior. O médico, por sua vez, manteve expressão mais fechada durante todo o dia, conversando com seus advogados em alguns momentos e balançando a cabeça em negativa em outros. Já Evandro não esboçou reações.

Delegada aponta contradição dos envolvidos

O primeiro depoimento foi o da delegada Caroline Bamberg e durou mais de quatro horas. Inicialmente ela relatou cronologicamente as investigações a partir do desaparecimento do menino. “Percebia-se claramente que havia envolvimento do Leandro, Graciele e Edelvânia”, afirmou. Comentou as contradições nos depoimentos prestados pelo pai e a madrasta na delegacia: “Quando comunicamos o Leandro Boldrini sobre a morte do filho, a única preocupação dele era reivindicar que fossem apresentadas as provas. Não esboçou outra reação”.

Após a manifestação, a juíza Sucilene Engler Werle abriu a palavra ao Ministério Público, que, por meio do promotor Bruno Bonamente, questionou a delegada por cerca de duas horas. Sobre o caso, ela relatou que “o pai procurou no domingo à noite, não encontrou o garoto. Foi dormir antes da meia-noite e trabalhou normalmente na manhã de segunda-feira, com o menino sumido há dois dias”.

Rodrigo Grecellé Vares, um dos advogados de Boldrini, questionou a delegada diversas vezes sobre como era a postura do pai com Bernardo. Ao final, retomou algumas das falas iniciais da testemunha, que disse que chamava a atenção o fato de o réu não chorar quando o filho desapareceu. Foi lembrado, por exemplo, que Bernardo chegou a procurar o MP para reclamar de falta de atenção familiar. A delegada chegou a ser questionada, inclusive, se Boldrini odiava o filho e respondeu que o menino sofria de desamor.

Advogados tentam desconstruir narrativa

Depois de retomar a narrativa de que Leandro agia com frieza diante do filho, o advogado lembrou de um caso ocorrido em 2004 em que o marido foi condenado de matar a esposa e que, até se descobrir que era ele o responsável pelo crime, era visto chorando por ela em passeatas em nome da vítima. “Condutas”, disse o representante antes de concluir.

As outras defesas tiveram teor semelhante, contrariando parte das declarações da delegada. Os ânimos chegaram a se exaltar durante os questionamentos de um dos advogados de Edelvânia Wirganovicz, Jean Menezes Severo: “O castelo de areia do MP está caindo”, chegou a exclamar o representante, ao se referir à pá que teria sido utilizada para cavar buraco do crime.

Segundo a defesa, o objeto ainda estava com lacre. A denúncia, contudo, garantia que se tratava apenas de um selo de fabricação. Ao final do expediente, Severo disse que a defesa vai pedir a condenação da ré no crime de ocultação de cadáver e absolvição no de homicídio.

Hélio Francisco Sauer, advogado de Evandro Wirganovicz, por sua vez, fez todos os seus questionamentos no sentido de tentar mostrar suposta ausência de provas contra seu cliente. A fala de Vanderlei Pompeo de Mattos, representante de Graciele, foi mais sucinta. Antes do início do julgamento, no entanto, ele conversou com a imprensa e citou a expressão “ato acidental” ao falar sobre estratégia da defesa. Sugeriu que tentativa será de desqualificar o homicídio de doloso para culposo.

Delegada conta sobre quando corpo foi encontrado

O depoimento da delegada Cristiane Moura, que participou das investigações, foi muito semelhante ao de Caroline, porém mais direcionado aos depoimentos de Edelvânia, colhidos por ela. Em sua fala, ela também falou sobre a carência de afeto que Bernardo tinha. As defesas, por sua vez, questionaram a testemunha com o intuito de desqualificar as provas do inquérito.

Um dos questionamentos foi se havia sido encontrada marca de injeção no corpo do menino, referente a presença de midazolam, medicamento cuja superdosagem, conforme a perícia, causou a morte de Bernardo. “O estado de putrefação do corpo do menino não permitiu que fosse detectada marca de injeção”, respondeu a testemunha.

Movimentação desde cedo

As primeiras horas da manhã de segunda-feira foram movimentadas em frente ao Fórum de Três Passos. Além de pessoas envolvidas no julgamento dos acusados pela morte de Bernardo Boldrini, a imprensa e a população aguardava o início dos trabalhos, marcado para as 9h30min.

O bloqueio realizado pela Brigada Militar ainda no domingo chegou a ser ampliado, diante do receio de alguma possível manifestação na região. A chegada dos réus foi marcada por um forte aparato de segurança, por volta das 9h. Eles entraram individualmente escoltados e usando coletes a prova de balas.

O primeiro ato do julgamento propriamente dito foi a formação do Conselho de Sentença do caso, que, na prática, representa a definição dos jurados. Ao todo, foram selecionados sete jurados para compor o conselho. Tratou-se de um sorteio entre 50 pessoas, 25 titulares e 25 suplentes, da comarca de Três Passos que foram convocados no dia 12 de fevereiro. Após a definição dos nomes, que ocorreu de maneira sigilosa, a sessão foi suspensa pela juíza para uma pausa para o almoço.

Depois da parada, teve início a distribuição de fichas para a população em geral que tivesse interesse em assistir ao julgamento. A definição de quem entraria no espaço limitado da sala onde ocorreria a sessão foi feita por ordem de chegada. A advogada da área criminal Mara Kaspary, por exemplo, se deslocou de Tupandi para acompanhar o julgamento. Ela chegou nas primeiras horas da manhã junto ao Fórum, após uma viagem de 10 horas, e garantiu o primeiro lugar na fila.