Reportagem Correio do Povo
Um ano depois da estiagem que provocou prejuízos milionários na Metade Sul e levou 40 municípios à situação de emergência, produtores de soja daquela região lançaram mão ou ampliaram medidas para minimizar os riscos e alcançar melhores resultados na atual safra. Ainda que neste ano os prognósticos climáticos indiquem condições bem mais favoráveis que as do ciclo passado, nos últimos meses observou-se um aumento de projetos de irrigação por pivô central em áreas de várzea, prática até então incomum em muitos municípios sulistas.
Além disso, há mais investimentos em drenagem, atenção redobrada à época de semeadura e até o uso intensivo de agroquímicos como o 2,4-D para controle de ervas daninhas. O coordenador do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) na Zona Sul do Estado, André Matos, disse notar a adoção de irrigação em solos de várzea, com foco na produção de soja, em lugares que não têm tradição de usar pivôs centrais, como Jaguarão, Piratini, Pedras Altas e Santa Vitória do Palmar. “É algo inovador para esta região arrozeira”, afirma Matos.
Diretor de uma das empresas que vendem equipamentos de irrigação, a InfoSafras, Henrique Levien percebeu aumento de 100% na procura e na instalação de pivôs centrais nas áreas baixas, em 2018. Também foi expressivo, segundo ele, o crescimento da irrigação por sulcos. Para Levien, as perdas provocadas pela estiagem, que durou mais de 40 dias entre janeiro e fevereiro do ano passado, acenderam o alerta para a necessidade de precauções. “Fomos para a Expodireto em março com baixa expectativa e acabamos fechando muitos negócios”, recorda, revelando esperar boas vendas também nas feiras deste ano. Os números explicam.
Em áreas da Metade Sul que não contavam com irrigação e que foram castigadas pela falta de chuva no último ciclo, a colheita variou de 12 a 40 sacos por hectare. Já as lavouras que contavam com algum sistema de irrigação obtiveram mais de 60 sacos por hectare.
Em zonas de várzea também houve ampliação do interesse por projetos de drenagem que cumprem o papel de retirar o excesso de água do campo no tempo adequado. A técnica é defendida pelo professor do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (Ufsm), Enio Marchesan, como um dos primeiros pontos a serem observados por quem produz em tais terrenos.
Se o déficit de umidade no solo comprometeu o rendimento na safra passada, no atual ciclo houve excesso de chuva na fase do plantio, problema minimizado por uma boa drenagem. “Para ter uma produção sustentável, duradoura e com alto potencial, o produtor precisa pensar em irrigação e drenagem”, recomenda Marchesan.
Da safra passada para a atual, o número de projetos de drenagem executados pela WR Assessoria Agrícola cresceu 50%. “Há a preocupação de melhorar a produtividade, até porque a soja se tornou uma parceira muito importante para o arroz nas terras baixas”, diz o diretor da empresa, engenheiro agrícola Antoniony Severo Winkler.
Embora a produção de soja esteja consolidada na Metade Sul, o desafio é conseguir tornar a oleaginosa estável na região, que ora padece com a seca, ora sofre com drenagem deficiente em função das características topográficas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram crescimento expressivo da área plantada, de 378 mil hectares em 2007 para 1,04 milhão de hectares em 2017, mas dificuldade para manter a produtividade sem grandes oscilações, tendo registrado altos e baixos na última década.
Apesar do aumento de projetos na Metade Sul, Winkler observa que há inovações que ainda não estão disseminadas na região, muito em função do mau momento econômico que atravessa a cultura do arroz. “Apesar de terem vontade de investir e conhecer bem os problemas das terras baixas, muitos produtores vão adiando algumas ações por conta até da própria descapitalização provocada pelo arroz”, avalia Winkler.
O assistente técnico estadual de sistemas de produção vegetal da Emater, Alencar Rugeri, também diz não perceber investimentos de forma generalizada no Sul, justamente a metade do Estado que mais necessita de estratégias para diminuir os riscos. “Os desafios não são intransponíveis, mas exigem muito investimento”, comenta. Rugeri observa ainda que há muito arrendamento de terras na região, o que dificulta a disponibilização de recursos para a melhoria de solos.
Enquanto práticas como a rotação de culturas e melhor manejo das áreas não são efetivados, Marchesan observa que os agrotóxicos acabam tendo uso intensivo e, com o tempo, perdem eficiência. Em 2018, aumentaram as queixas de produtores de uva e oliveiras em relação à deriva do herbicida 2,4-D em diversas regiões. “Os problemas da soja não se resolvem só com herbicida”, afirma. “Há que se trabalhar visando a sustentabilidade das lavouras e vida longa às tecnologias, com manejos corretos.”
Medidas necessárias
Para o professor do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (Ufsm), Enio Marchesan, especialista em manejo de áreas de arroz, há uma série de medidas que precisam ser tomadas para melhorar o desempenho da soja na Metade Sul. Além de pontos básicos, como drenagem e irrigação, ele recomenda uma menor mobilização e descompactação do solo.
Marchesan também aconselha os produtores a não abandonarem a rotação de culturas. Lembra que a soja começou a ser plantada nos municípios sulistas para ajudar a enfrentar as plantas daninhas na área arrozeira. “A rotação de cultura com a soja é o principal parceiro de uma lavoura de arroz sustentável. Este casamento está acontecendo e tem que acontecer cada vez mais”, incentiva.
O professor observa que um sistema bem executado ajuda os produtores a evitarem o uso intensivo de agrotóxicos, gerando mais economia. “Estamos enfrentando um problemão, porque muitos herbicidas, por exemplo, não funcionam mais. É preciso fazer rotação de herbicida e disciplinar o uso para que estas tecnologias durem mais”, afirma.
O consultor agronômico Gerson Herter diz que uma maior estabilidade da cultura de soja depende também da correção da fertilidade dos solos. Segundo ele, muitas áreas de arroz têm perda de até 75% de matéria orgânica original. Esta deficiência faz diferença na implantação da soja, que precisa de um solo mais nutrido. Em contrapartida, Herter diz que a várzea gaúcha é favorecida por uma boa disponibilidade de água, muito mais do que a coxilha. O consultor acredita que, se aplicado um bom manejo, a soja terá alto potencial produtivo na Metade Sul, mesmo em condições adversas.
Marchesan, da Ufsm, defende também o aperfeiçoamento dos prognósticos climáticos. “Os acertos estão muito longe do razoável”, aponta. “Na época do plantio desta safra houve excesso de chuva, que não estava previsto e prejudicou a tomada de decisão”, lembra.
Mais informação
Os especialistas sustentam ainda que o sucesso da lavoura depende do acesso a boa informação. Recomendam que os produtores busquem assistência técnica e pesquisem todas as ferramentas tecnológicas antes de tomar decisões. “O produtor tem que ser profissional, seja no Sul, seja no Norte do Estado. Amadorismo cobra muito caro”, alerta o assistente técnico estadual da Emater, Alencar Rugeri.
Para o professor Marchesan, os órgãos públicos, as universidades, as empresas de máquinas e equipamentos também têm que aprender a melhorar a transferência de conhecimento para o campo. “Sinto que muitos produtores, principalmente os pequenos, os que mais precisam, ainda não conseguem adotar técnicas porque o aprendizado não está chegando”, revela.
Já o chefe-geral da Embrapa Trigo, Osvaldo Vasconcellos Vieira, diz ter notado uma maior busca de informações pelos produtores do Sul, até pelo fato de estarem em áreas de maior risco. “As pesquisas, às vezes, demoram um pouco para dar respostas às demandas, mas estamos trabalhando nisso”, ressalta. Vieira lembra que a revisão do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) para a soja feita pela Embrapa Trigo em parceria com a Federação da Agricultura (Farsul), tem gerado “bons resultados”.
Com base nos apontamentos feitos pelos produtores da Metade Sul, Vieira diz que a Embrapa tem aperfeiçoado cada vez mais o zoneamento em busca da minimização das perdas. “Hoje os produtores estão mais conscientes dos fatores de risco e tentam fazer todo o planejamento da lavoura em cima do zoneamento. É um grande avanço”, avalia.
O presidente da Farsul, Gedeão Pereira, diz que os conhecimentos gerados são importantes, uma vez que a soja tornou-se alternativa para o Sul, que enfrenta crise no arroz. “A proximidade com o Porto de Rio Grande traz competitividade para a soja plantada no Sul do Estado”, destaca, ao apontar que a oleaginosa vem se apresentando como uma boa parceira na consolidação da integração lavoura-pecuária na região.
Comparações favoráveis
Buscando enfrentar a resistência de plantas daninhas na lavoura de arroz, o produtor Jerônimo Meireles Neto passou a fazer rotação com soja nas terras baixas de Santa Vitória do Palmar, Extremo Sul do Estado, em 2010. De lá para cá, a propriedade, que também é tocada pelo filhos Marlon e Marcelo e o genro Eduardo Bluhm de Oliveira, vem dando atenção especial à nova cultura. Nos últimos anos, a colheita da oleaginosa foi de 46 sacos por hectare, em média. Só que no ciclo passado, a escassez de chuva que persistiu por 45 dias provocou queda drástica na produtividade, para 29 sacos por hectare.
Foi aí que a família resolveu fazer um investimento até então nunca utilizado na propriedade e algo inovador para o município. Instalou quatro pivôs centrais de irrigação na várzea com foco na produção da soja. Os equipamentos cobrem uma área de 280 hectares. “Optamos por este investimento para ter uma colheita garantida. A expectativa é aumentar 20 sacos por hectare irrigado em cima da média que vínhamos tendo”, comenta Marlon que pretende quitar todo o investimento em oito anos.
Em Pedras Altas, os produtores de soja e pecuaristas Sérgio Fernandes e os filhos e sócios Gabriel, André e Júnior Fernandes investem em irrigação por pivô central desde 2009. Na época, o objetivo era a produção de pastagens de verão para o gado. Atualmente, a propriedade conta com seis pivôs e 700 hectares irrigados. Os dois últimos equipamentos foram instalados no ano passado. A maior parte desta área irrigada – 570 hectares – é destinada hoje ao plantio de soja, que há cinco anos virou alternativa de diversificação na propriedade.
A ideia é seguir investindo em irrigação, ressalta Gabriel, que se diz convencido pelos resultados. Na safra passada, na área em que não havia pivô, foram colhidos 34 sacos por hectare. Já na lavoura irrigada, o rendimento foi de 78 sacos por hectare, uma média bem acima da estadual, de 50 sacos, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “A irrigação foi fundamental para este desempenho, sem falar que o investimento em pivô agrega valor ao patrimônio no campo”, afirma Gabriel. O desempenho gera inclusive curiosidade dos produtores das redondezas. “Muitos perguntam, querem saber qual o investimento, qual o custo da irrigação”, conta.
Em São Gabriel, o produtor Sérgio Giuliani conta com irrigação por pivô na coxilha e há três anos começou a investir também em projetos de drenagem para melhorar a estabilidade da soja na várzea. Atualmente, já tem 1 mil hectares drenados. A meta é, na safra 2019/2020, estender o projeto para mais 600 hectares. O retorno foi imediato.
Segundo seus próprios cálculos, Giuliani desembolsou o equivalente a 1 mil sacos de soja para trabalhar a drenagem a cada 400 hectares e colheu 6,8 mil sacos a mais em cada uma destas áreas. “Isto significa um lucro líquido de cerca de R$ 500 mil”, compara. Só que ele faz uma observação: “Antes de investir, o produtor tem que buscar informação, tem que contatar empresas especializadas”, aconselha. “É incalculável o valor de uma informação correta.”
Prognóstico indica chuvas adequadas neste verão
Os prognósticos climáticos indicam para a safra em andamento um cenário bem diferente do que a Região Sul atravessou no início do ano passado. Segundo a meteorologista da Metsul, Estael Sias, existe a tendência de chuvas acima da média neste verão, o que contribui para condições muito mais favoráveis para as plantações e afasta o risco de estiagem. Tanto no Norte quanto no Sul do Estado não faltará chuva. Por outro lado, como as temperaturas também ficarão acima da média, aumentam as chances de temporais, alerta Estael.
O meteorologista da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Flávio Varone, diz que a situação regular de chuvas deve seguir até o final do verão, proporcionando a reserva hídrica necessária para o desenvolvimento das culturas. A preocupação com o clima poderá ser maior no período da colheita. Segundo os meteorologistas, o El Niño encontra-se em processo de formação e poderá provocar chuvas com mais intensidade no início do outono. “Mas os dados de hoje indicam que será um El Niño de fraco a moderado”, informa Varone.