Jovens da periferia driblam o tráfico de drogas e se preparam para o mercado de trabalho

Em menos de dois anos, mais de 6 mil jovens já passaram pelos Centros da Juventude do Programa de Oportunidades e Direitos

Cerca de 6 mil jovens já realizaram cursos profissionalizantes nos seis Centros da Juventude localizados em Porto Alegre, Alvorada e Viamão. Foto: Divulgação/POD

 

Há cerca de quatro meses a renda aumentou na casa da estudante Emilyen Rodrigues Monteiro, de 17 anos. A jovem começou a fazer pastéis e trufas para vender na comunidade onde vive, no bairro Cruzeiro, na zona Sul de Porto Alegre. Emilyen vive com os pais e dois irmãos mais novos e decidiu mudar a realidade destinada a muitos jovens das comunidades carentes do Brasil.

No ano passado, ela decidiu enfrentar o destino e se matriculou no curso de culinária do Centro da Juventude Cruzeiro do Programa de Oportunidades e Direitos (POD). Emilyen vende cada pastel por R$ 4. Ao final do mês ela ajuda a incrementar a renda familiar em, aproximadamente, R$ 500. Com o dinheiro, ela auxilia a pagar as contas da casa e, com o que sobra, gasta com ela própria, como qualquer adolescente. Isso sem se descuidar das obrigações com os estudos.

“Eu vendo os pastéis desde manhã e até umas 17h, porque à noite eu tenho que ir para o Colégio. E eu faço os pastéis na hora. Preparo os molhos na segunda-feira para durar a semana toda. E as pessoas vão lá [na minha casa] e eu monto e frito na hora”, explica a jovem.

Emilyen Rodrigues Monteiro fez cursos de culinária no CJ Cruzeiro. Foto: Carlos Machado/Rádio Guaíba

CJs em áreas de vulnerabilidade social

O POD foi criado em abril de 2017 para oferecer mais qualidade de vida aos jovens do Rio Grande do Sul, com foco no crescimento pessoal e profissional deles. Desde o início do programa, 6 mil jovens já frequentaram cursos, oficinas e atividades nos seis Centros da Juventude (CJs) existentes. Além do CJ frequentado por Emilyen, na Cruzeiro, há outros três em Porto Alegre, localizados nos bairros Lomba do Pinheiro, Restinga e Rubem Berta, um em Viamão e outro em Alvorada. Todos atendem em áreas de vulnerabilidade social e onde a presença com tráfico de drogas é diária.

“Eu moro na vila e a gente tem a influência das pessoas. A gente passa na rua e é visível as pessoas vendendo drogas. Eu tenho vários amigos que foram mortos por causa disso, que se envolveram com gente errada. Que acharam que era um dinheiro mais fácil e foram vender drogas. Por eu ser jovem dá pra pensar que aquela pessoa tá ganhando dinheiro, tem um monte de coisa boa. Porque eu não posso ter também? Vou fazer a mesma coisa pra ganhar dinheiro. Mas aí eu conheci o CJ e tive a oportunidade de aprender a fazer coisas que eu posso vender honestamente e ganhar dinheiro para ajudar minha família”, disse Emilyen.

Segundo a coordenadora do Centro da Juventude Cruzeiro, Arlei Weide, um dos objetivos dos CJs é desenvolver atividades que busquem aproximar os jovens do mercado de trabalho. Nesses locais, eles podem realizar cursos de culinária, cabeleireiro, embelezamento, informática, help desk, auxiliar administrativo, corte e costura, garçom e garçonete entre outros, além de receberem orientação profissional.

“Aqui eles iniciam um ciclo que vai ser virtuoso porque eles decidiram e lutam diariamente para que seja assim. Cada conquista deles é muito representativa, porque não é simples passar por experiências difíceis de rejeição na escola, de ter todo um contexto social que não é favorável. E esses jovens insistem em vir aqui. Palavras que a gente cita diariamente aqui são desafio, superação e esperança. Eles são muito aguerridos”, relata Arlei, emocionada.

Outra jovem que participa das atividades do Centro da Juventude Cruzeiro é Danuza Flores, de 22 anos. Depois de fazer alguns cursos, ela começou a trabalhar como cabeleireira e manicure. Por mês, ela incrementa a renda em, aproximadamente, R$ 400. Danuza mora no morro Santa Tereza, em Porto Alegre, com o marido, a filha de 4 anos e o irmão.

“Eu me formei aqui no CJ e pra mim tá sendo muito bom e bastante gratificante porque muitas vezes eu não tinha condições, não tinha dinheiro. Hoje, depois dessa formação eu já tenho dinheiro. Isso tá sendo muito bom. Agora eu tenho dinheiro pra me manter, manter minha casa e minha filha. Eu como jovem ouvi muitos ‘Não’ e eu quero que minha filha possa chegar aonde ela quer”, comenta Danuza.

Danuza Flores trabalha como cabelereira e manicure. Foto: Carlos Machado/Rádio Guaíba

Pelo engajamento, Danuza virou uma multiplicadora e assumiu a missão de sensibilizar outros jovens a promover e praticar a cultura da paz e de não violência no território onde residem. Ela e outros 56 jovens vão receber uma bolsa-auxílio de R$ 598 para atrair mais jovens para os Centros da Juventude. Eles devem cumprir 380 horas em seis meses, divididas em formações e atividades, que terão como objetivo prepará-los para serem jovens lideranças. Os recursos do programa são do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Violência matou 325 mil jovens brasileiros em 11 anos 

De acordo com o Atlas da Violência 2018, publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada), quase 325 mil jovens, entre 15 e 29 anos, foram assassinados entre 2006 e 2016 no Brasil. A taxa de homicídios de pessoas nessa faixa etária é de 65,5 mortos por 100 mil habitantes. O índice é mais de seis vezes a taxa global de homicídios de jovens, que fica em 10,4, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em outro estudo, realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo federal, dados apontam que para cada jovem de 13 a 25 anos que morre assassinado, o país perde cerca de R$ 550 mil. Para calcular o valor que o Brasil gastou por causa da violência, o estudo mensurou as despesas do setor público e privado em seis áreas: segurança, seguros e danos materiais, custos judiciais, perda da capacidade produtiva, encarceramento e serviços médicos e terapêuticos. Como resultado, o levantamento identificou que, em 2015, a criminalidade custou 4,38% do PIB brasileiro. Um gasto que pode ser investido em outras áreas para o desenvolvimento do país.

Quem auxilia os Centros da Juventude nesse trabalho de preparar os jovens das periferias para o mercado de trabalho é a Central Única de Favelas (Cufa). A baiana Ivanete Pereira está em Porto Alegre há 16 anos trabalhando dentro das comunidades mais pobres da cidade com projetos de ressocialização desses jovens. Para Ivanete, os cursos oferecidos pelos Centros da Juventude podem mudar a cultura e a realidade de centenas de jovens.

“Esses cursos são um divisor de águas. Isso é maravilhoso porque nós da periferia a gente tem que, todo dia, vender o almoço pra comer a janta. Eles já estão acostumados a correr atrás. Então, pra nós isso é uma oportunidade mesmo deles fazerem algo. Daqui eles vão para as comunidades e começam a produzir isso e a ganhar o seu dinheirinho. Muitos pais chegam pra mim e dizem ‘Ivanete, hoje eu não tenho que comprar aquele tênis para o meu filho, porque ele tá conseguindo o dinheirinho dele e compra’”, explicou a representante da Cufa em Porto Alegre.

Os Centros da Juventude do Programa de Oportunidades e Direitos são financiados com recursos do BID e vinculados à Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos do governo do Rio Grande do Sul. Os CJs estão com as inscrições abertas para 2019. Os cursos podem ser acessados no site pod.rs.gov.br.

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